Ruídos de pessoas falando, barulho de carrinhos sendo empurrados,
objetos de alumínio sendo batidos em superfícies de metal. O Taylor ouvia tudo
ao longe. Aos poucos, os sons passaram a ficar mais próximos e límpidos,
tirando-o do sono profundo e trazendo-o de volta a consciência. Com os olhos
entreabertos, ele foi vendo vultos, uma parede amarela clara, os lençóis
desconhecidos. Tentou abrir mais um pouco as pálpebras, conseguindo então
enxergar o quarto por completo. Não estava reconhecendo aquele lugar, nem tinha
idéia de como fora parar ali. Olhou para os lados. Viu seu pai adormecido no
sofá. Olhou suas roupas: eram brancas. Na tentativa de dobrar os braços,
sentiu uma fisgada. Era o soro.
Queria levantar. Com o barulho, Walker acordou. Foi até o Taylor e o fez
deitar novamente.
-
Como você está? - o pai perguntou.
-
Eu estou em um hospital?
-
Está.
-
Por quê? Como eu vim parar aqui? - questionava, um pouco fraco.
-
Você não lembra de nada do que aconteceu?
-
Nada do que aconteceu? O que aconteceu?
-
Você ficou com uma febre muito forte. Começou a delirar, quase entrou em coma.
Tivemos de chamar a ambulância.
-
Eu só lembro de eu chegando em casa de manhã. Depois disso, eu não lembro de
mais nada.
- O
importante é que agora você está bem - o Walker sorriu.
- O
Ike e o Zac! - ele lembrou-se de repente, assustado. - Onde eles estão?
-
Calma, filho, eles estão em casa com a sua mãe e seus irmãos.
-
Eu quero ir pra casa, pai - disse, com a voz cansada.
Walker sorriu, espremendo o bigode contra o nariz. Passou as mãos pelo
cabelo loiro do Taylor carinhosamente e disse:
-
Amanhã nós vamos.
-
Falta muito para chegar amanhã?
-
Algumas horas.
-
Que horas são?
-
Três e trinta e sete da madrugada.
Silêncio.
-
Pai...
- O
que foi, filho?
- A
Patty sabe que eu estou aqui?
O Walker suspirou, chateado. E respondeu:
- Não,
Jordan. Não sabe.
-
Ela terminou comigo.
-
Eu sei, filho. Mas não fale disso agora. Descanse um pouco.
-
Você sempre conta das suas mil namoradas da faculdade. Mas nunca me contou se
alguma vez, alguma delas magoou você.
Rindo, o Walker respondeu:
- Já
sim.
- E
como foi?
Cuidando para não fazer barulho, o Walker puxou uma cadeira e sentou-se
ao lado da cama.
- Nós
estávamos juntos há dez meses. O nome dela era Mary Anne. Damn, I liked
that girl... - suspirou. - Um certo dia, ela terminou comigo. Disse que seus
pais não gostavam de mim porque eu não aparentava ter um futuro promissor.
-
Ela soube que você se deu bem com o petróleo?
-
Soube... E depois que soube, ficou me ligando no escritório por muito tempo. Até
a época em que o Isaac nasceu.
- O
que ela queria? - o Taylor perguntou, interessado.
-
Queria casar comigo. O dinheiro é uma coisa importante na vida da gente, Tay.
Mas é traiçoeiro também.
-
Nossa, como eu sei disso...
-
Bom, mas na minha adolescência, eu era apaixonado pela Mary Anne. E quando ela
terminou comigo, eu tinha certeza de que eu sofreria para sempre e que nunca
mais a esqueceria.
-
Demorou para você esquecer?
-
Levou um tempo. Eu acordava todos os dias triste, pensando que ela poderia estar
com outra pessoa, que ela poderia já ter me esquecido... Os dias foram passando
e um dia eu acordei pensando menos nela. E no outro menos. E no outro dia menos
ainda. Até o dia em que eu acordei sem pensar na Mary Anne.
-
Eu sei que eu devo esquecer da Patty. Porque só assim essa sensação ruim vai
passar. Mas ao mesmo tempo... Eu não quero esquecer. Entende? Eu não quero
largar mão dela, acho que nem estou preparado para isso ainda.
- Não
se preocupe, Taylor. Tudo ao seu tempo. Não fale como se você tivesse que
escolher amanhã se quer continuar com ela dentro de você ou não. Muitas
coisas ainda podem acontecer.
-
É... Também acho. Estou na esperança de que ela mude de idéia.
-
Você gosta muito dessa menina, não é filho?
-
Muito.
-
Talvez você deva se relacionar com outras garotas, se apaixonar por mulheres
diferentes...
-
Talvez - o Taylor sorriu. - Mas por enquanto, eu quero só a Patty.
-
Eu entendo... Bom, está tudo muito recente ainda. Não faz nem sentido a gente
ficar discutindo o futuro.
Silêncio.
-
Onde você passou a noite? - o Walker perguntou.
-
Andando de carro. Eu gastei uns três tanques de gasolina, eu acho.
O Walker sorriu e passou a mão na cabeça do filho.
-
Agora descanse um pouco. Amanhã você já vai estar em casa.
Ajeitando-se para dormir, o Taylor virou-se e aconchegou a cabeça no
travesseiro. E disse:
- Não
vejo a hora...
...
Nove horas da manhã já estavam todos da família Hanson acordados.
Esperavam ansiosamente pela chegada do Cumprido vindo do hospital com o pai.
Diana ligou para o celular do marido oferecendo-se para ir buscá-los, mas este
disse que não era necessário, pois o tratamento admirável do hospital mandava
que os enfermeiros providenciassem um carro para o usuário do convênio
utilizado pelo Seu Walker.
Todos na sala, ansiosos, trocavam aquelas frases vazias, típico de quem
está submetido a uma impaciente espera. Foi então que a porta se abriu. E o
Walker entrou; vindo logo atrás dele, o Taylor.
A Diana foi a primeira a aproximar-se do filho, toda sorridente, abraçando-o
com carinho. Mãe coruja é assim: resfriado no filhinho não tem distinção
alguma de um tumor cerebral.
-
Como você está se sentindo, querido? - ela perguntou.
-
Bem, mãe - o Taylor sorriu.
-
Deixe eu me certificar - a Diana disse, colocando as costas de uma das mãos na
testa do Taylor.
Ele desviou sutilmente e enfatizou:
-
Eu estou bem, mãe - sorrindo. - Não precisa se preocupar.
-
Ai, Cumprido, deixa eu abraçar você - a Gina ameaçou chorar, correndo em direção
ao Taylor. - Eu fiquei tão preocupada. Fiquei com tanto medo que você não
voltasse logo para casa.
Após a Gina, foi a vez das crianças festejarem em cima do irmão. O
Taylor ainda estava um pouco tonto, por isso não respondeu às demonstrações
de carinho com tanta empolgação. A tontura não era causada só pelos sintomas
da febre que ainda circulavam pelo seu corpo, mas também porque o fim do namoro
continuava incomodando-lhe a mente. Ambos em proporções menores, é claro, mas
não menos marcantes.
- Hey
man - o Zackito disse, estendendo a mão para cumprimentar o Taylor. - Seja
bem-vindo.
-
Valeu, Zac - o Taylor sorriu, apertando a mão do irmão.
-
É bom te ver em casa - o Isaac sorriu também.
-
Dei muita dor de cabeça para vocês? - o Taylor perguntou.
-
Para variar, né, sua bicha? - o Zac fingiu, tirando um sorriso ainda mais largo
do rosto do Taylor.
-
Agora deixem o Taylor ir para o quarto dele - o Walker coordenou. - Ele precisa
se recuperar. E não é conosco em cima dele que o Jordan vai conseguir fazer
isso.
Todos concordaram. O Taylor subiu então para o seu quarto com a ajuda do
pai.
-
Está com fome? - o Walker perguntou.
- Não,
pai. Eu não quero nada.
-
Você quer companhia?
-
Obrigado, pai. Eu acho que vou ficar sozinho um pouco para pensar.
-
Qualquer coisa que você precise, é só chamar.
-
Eu chamo.
Deu um beijo na testa do filho e saiu, fechando a porta.
Assim que esta bateu, o Taylor olhou ao redor para voltar a
identificar-se com aquele ambiente. Era estranho como um dia longe de casa, nas
condições de vida ou morte a que ele chegou, podia fazê-lo se sentir distante
dali. No hospital, não via a hora de voltar para casa, é verdade. Mas agora
que estava ali, em seu quarto, em seu lar, percebera que seu sentimento de perda
e sua mágoa não amenizavam-se apenas por ele estar em companhia dos que o
amavam.
Com os olhos observadores, analisando cada móvel, o Taylor sentou em sua
cama. Então direcionou seus olhos azuis para o chão. Seu coração e
pensamentos não estavam ali. Estavam lá na casa dos Futemma, na filha única
da família.
Olhou para a janela e observou o céu um instante.
Era como uma anestesia. Depois de ter chorado tanto e sentido tão
aflorado na pele aquela dor de perder quem ele mais amava, o Taylor estava meio
grogue. Difícil de acreditar, agora que encontrava-se em um estado de saúde física
e calma emocional, que tinha enfrentado todos aqueles acontecimentos dos dias
anteriores. Ele tinha entrado em coma por causa da febre alta demais e havia ido
parar no hospital correndo risco de vida. Tudo por causa da Patty.
O Taylor pensou... Pensou naquela tristeza constante que lhe importunava
o coração, que teimava em permanecer. Sabia que não seria um conselho bem
elaborado ou um abraço amigo ou uma mulher linda declarando-se para ele que
fariam aquela dorzinha persistente passar. E refletindo, ele riu um pouco
sozinho. Não aquelas risadas escandalosas, mas uma risadinha triste, de quem
olha para trás e não acredita na quantidade de coisas que se passaram em
apenas dois dias.
- E
eu que achava que já tinha ficado triste de verdade na vida... - falou sozinho.
Quis chorar de novo, mas controlou-se por achar que não era hora disso. Suspirou e passou as mãos pelo rosto, levando-as até o final dos cabelos.