- Patty, você já ligou para a gráfica para ver se os cardápios novos ficaram prontos?

- Já, tia Midori.

- Que bom. Já estava ficando até chato usar aqueles pedaços de papel com os preços e os pratos, totalmente improvisados.

- Disseram que depois das cinco já dá para passar pegar.

- Que horas são agora, querida?

- Quase uma hora.

- Daqui a pouco começam a chegar os clientes para almoçar. Vai ser aquela correria - a tia Midori riu fininho, daquele jeitinho que japonês sempre faz.

- Eu vou para casa terminar umas coisas da faculdade. Depois eu volto aqui para ajudar você e a Dona Maria, que aliás, deve estar se preparando para ficar histérica com o movimento.

            A tia Midori riu. E disse:

- Pode ir, querida. Deixe que eu e a sua mãe damos conta do movimento hoje.

            Na frente do restaurante, a Patty pegou sua bicicleta e pedalou até em casa. Seu apartamento ficava a umas duas quadras apenas do restaurante, que havia ganhado o nome de Senshi Sakura. Em japonês, queria dizer "flor de cerejeira guerreira". Acreditem, eu fiz a mesma cara de espanto.

            A vida da Patty estava um pouco bagunçada ainda, mas aos poucos estava se ajeitando. As aulas na faculdade nova ainda não haviam começado, então não dava para dizer que a Patrícia estava enturmada, cheia de amigos. Conhecia algumas pessoas do seu bairro, mas não passavam de colegas. O que às vezes a deixava deslocada era a sensação de estar em um lugar totalmente diferente de Tulsa. De estar longe das pessoas que conhecia e tendo que se estabilizar novamente. Não era fácil acostumar-se com um apartamento de dois quartos sendo que a vida toda a Patrícia morou numa casa grande e confortável. Ela sentia falta de todo o espaço. Nessas horas, procurava concentrar-se no restaurante, que estava indo tão bem, e na sua família. Confortava-a estar perto de seus pais.

            Fazia aproximadamente duas semanas e meia que os Futemma estavam em Albuquerque. E já havia dado tempo o suficiente para a Patrícia sentir falta também do povo de Tulsa: aquele bando de adolescentes fúteis, chegados em uma balada, o movimento de carros, o desfile de roupas das patricinhas, as conversas com suas amigas Belle e Lary... Apesar das coisas ruins, a Patty estava acostumada com o jeito da cidade.

            A Patrícia amarrou a bicicleta com suas correntes na frente do prédio e entrou. Cumprimentou o porteiro e subiu para seu apartamento. Entrou e dirigiu-se para seu quarto. Sentou-se na cama e apanhou a caixa da mudança a qual continha seus livros. Começou a tirar um por um e a ajeita-los em sua estante novinha, comprada no dia anterior. No meio deles, havia um livro de literatura bem vagabundo com a capa ilustrada por um desenho de Romeu e Julieta. A figura mostrava Romeu embaixo da sacada de sua amada, recitando-lhe algo provavelmente bonito e romântico, pois a bela mulher representada no desenho mostrava-se encantada, de acordo com a expressão pintada em seu rosto.

            Imediatamente veio à cabeça da Patty a serenata que o Taylor fez para ela na época em que se declarou apaixonado. A cena de ele cantando em cima de seu carro, com o violão em mãos, a voz levemente rouca e suave ecoando pela rua... Foi bonito. A imagem do ex-namorado agora lhe parecia algo distante, de anos atrás. Nem parecia que fazia três meses que o namoro deles havia terminado, mas sim três anos. Lembrou-se então do Taylor rindo, após a serenata, quando a Patty desceu para conversar com ele. Ela chorava tanto...:

 

- Calma, Patty. Daqui a pouco vai desidratar, dear.

- Ai, Tay, você é tão querido. Desculpe por eu não ter sabido lidar com isso.

- Olha para mim.

- Não.

- Patty, olha para mim, vai. Agora respira. Melhor?

- É, estou sim.

- A gente já pode conversar?

- Já.

- Você está linda com esse pijama.

 

            Lembrou ainda da noite de inauguração do The SS, dos dias em que ela, o Isaac e o Zac saíram juntos, lembrou-se da Gina e lembrou-se do George.

- Ai, que saudades... - a Patty suspirou.

 

...

 

            Dois dias depois, a Patrícia estava limpando a casa empolgadíssima, ouvindo o seu Cd dos Strokes, naquela dança doméstica, quando o interfone tocou. A Patty atendeu:

- Alo?

- Dona Patrícia? Tem encomenda para vocês aqui. E tem que descer assinar.

- É do restaurante? Porque se for, tem que pedir para o carteiro levar pra lá.

- Não, Dona Patrícia. Está no seu nome.

- Pra mim? Certeza?

- Não é a senhora a Patrícia Futemma?

- Tudo bem, Seu Matias. Estou descendo.

            E lá foi a Patrícia pegar o elevador morrendo de felicidade. Com certeza era coisa de suas amigas.

- Pronto, estou aqui.

            O carteiro estendeu-lhe um papel em uma prancheta, indicando o lugar onde a Patty deveria assinar. Feito isso ele lhe entregou uma caixa cheia de selos, embrulhada por fita isolante.

- Obrigada - a Patty agradeceu, tomando o elevador em seguida.

            Assim que entrou em casa, correu para a cozinha para apanhar uma faca. Cortou as fitas isolantes e abriu a caixa. Lá dentro havia uma caixinha preta, daquelas de jóia, e uma folha dobrada. Era uma carta. A Patty apanhou primeiro a caixinha e abriu. Deparou-se com um par de brincos dourados na forma de sóis, com grandes raios e de feições muito simpáticas. Ela colocou a mão na boca, espantada, no instante em que pensou na única pessoa que poderia ter lhe mandado aquilo:

- É do Taylor.

            Abriu a carta mais do que rapidinho e leu em voz baixa as poucas linhas que havia naquele pedaço de sulfite:

 

Patty...

 

      Assustada? Eu sei que sim. Você não imaginou que eu te escreveria, imaginou?

      Talvez esse não fosse o melhor jeito de começar isso, mas eu já pensei em tantos começos diferentes para essa carta... Acredite, qualquer um deles teria soado estranho. Eu sei que estou atrasado e que faz tempo que não nos falamos, mas eu precisava te dar isso. É um presente de aniversário. Presente este que eu queria ter te dado pessoalmente, no dia 7 de março, quando fui até a sua casa para lhe entregar. Mas tudo o que eu encontrei lá foram uma placa enorme de "Vende-se" e sua casa vazia. Patty, como você vai embora de Tulsa e não diz nada? Você nem se despediu de mim, nem sequer ligou para dizer para onde estava indo. Eu sei que nós não estávamos mais namorando, mas o fato de nós já termos tido alguma coisa importante não te lembra nada?

      Na verdade, esses brincos eu comprei para você quando nós ainda nem namorávamos e por algum motivo os guardei por todo esse tempo. Juro, não foi premeditado. Eu simplesmente esqueci deles e só agora lembrei que precisava dá-los a você. Depois disso, comecei a levar mais a sério esse negócio de que nada na vida acontece por acaso.

      Não quero que entenda isso como uma maneira que eu arranjei de te magoar ou de ressuscitar em você qualquer sentimento que seja em relação a mim. Eu só queria dizer que tudo o que a gente viveu continua tão vivo dentro de mim quanto na época em que estávamos juntos. Porém, ao invés de guardá-los como algo que me faz sofrer, transformei tudo o que eu sinto por você numa grande lembrança. Agora me recordo de você como a pessoa que entrou na minha vida para que eu mudasse pra melhor. O nosso namoro foi para mim uma das coisas mais incríveis que aconteceram comigo.

      Eu precisava te escrever para dar um final pras coisas que nós vivemos. Eu não queria que o nosso namoro terminasse com a discussão no The SS. E queria ter certeza de que o nosso afastamento não fez com que você deixasse de ser a pessoa linda por quem eu me apaixonei. A Patty que, na minha opinião, vai merecer sempre serenatas tão lindas como a que eu fiz para você no dia em que te pedi em namoro.

      Não vou dizer nenhum daqueles clichês "nunca amarei ninguém como amei você" ou "estarei te esperando para sempre" porque não acredito nestas frases. Eu sei que não vou te esperar e não sei dizer se aparecerão pra mim pessoas tão importantes como você. É provável que sim. Mas o que eu posso dizer sem hesitar é que foi você quem me ensinou tudo sobre amor. E que, se daqui para frente, eu conseguir ser feliz de novo com outra pessoa, pode ter certeza de que me lembrarei sempre que a responsável por isso é você, Patty.

      E... Bom, eu sei que você vai conhecer vários caras aí em Albuquerque e talvez goste de muitos deles. Mas eu só te peço que continue fazendo a diferença entre as outras mulheres como você fazia por aqui. Mostre-se assim, como você é. Porque foi exatamente a sua sensatez que fez com que eu me apaixonasse.

      Se algum dia você passar por Tulsa novamente, não deixe de me ligar. Eu vou adorar te ver de novo. Você tem meu telefone e sabe onde eu moro. E tem o The SS também... Mesmo assim, se tiver problemas em me encontrar, é só perguntar para qualquer garota fútil e vazia da cidade. Com certeza ela saberá informar aonde eu estou. É, nem tudo mudou por aqui... Acho que é meu karma ser perseguido pelas mulheres estúpidas de Tulsa. A única que era realmente especial foi morar em outro estado.

      Te desejo boa sorte com a nova cidade, com os novos amigos e com os novos caras. Espero que você não me apague da sua vida assim que aparecer um cara mais bonitão do que eu. - A Patty riu. - Se cuide e tente sempre tomar as decisões certas, as que você julgar melhores para você. Desculpe se eu não soube respeitar isso quando você decidiu terminar comigo. Não é fácil perder quem a gente ama e às vezes demora um pouco para aceitarmos isso.

Um beijo. Saudades.

 

Com amor...

              Taylor.

 

...

 

- Brincos novos, Pá? - a Maria perguntou, quando viu os sóis na orelha da filha.

- É. Bonitinho, né?

            Maria se aproximou e analisou a jóia.

- Isso aqui é ouro. De quem você ganhou isso, Patty?

- De uma pessoa que já gostou muito de mim.

- O Taylor te mandou esses brincos?

- Como você sabe que foi ele? Que droga, eu queria fazer um mistério.

            Maria riu. E disse:

- São lindos, Pá. São lindos.

 

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