Mal o ponteiro pequeno chegou no 10, a Patty deu um pulo da cama. Não havia conseguido dormir muito bem. Pudera, com o passeio conturbado da madrugada passada, quem conseguiria? Estava ansiosa, agitada, nervosa, insegura... Pelo jeito, o primeiro contato com todos e com tudo não tinha sido suficiente para faze-la sentir-se um pouco mais tranqüila.

            Bom, já que ela estava de pé antes que todos no apartamento, resolveu fazer o café. Colocou a mesa, esquentou o leite, fez torradas. Bateu-se um pouco para encontrar as louças, mas fuçando, fuçando ela achou tudo o que precisava.

            Alguns minutos mais tarde, lá estava a mesa, linda e formosa, prontíssima para ser usufruída. Tá, e agora? As amigas continuavam dormindo, ninguém para fazer companhia à Patty. O jeito era comer sozinha mesmo. Meio desanimada, a Futemminha sentou e preparou para ela um café bem gostoso. Então, um daqueles momentos que nós só temos quando estamos sozinhos. Aquelas horas que você resolve repassar mentalmente tudo o que ocorreu de relevante nas últimas horas. Mexendo a colher dentro da xícara, começou a pensar em tudo o que tinha acontecido. A Beatriz, eles dançando na pista e trocando olhares de vez em quando, o Taylor tendo um chilique porque a Patty não quis ir até a mesa dos seus amigos...

- Aliás, que discussãozinha mais cretina - falou sozinha. - "Você desfilar com ele pelo The SS, se abrindo e dando risadinhas...". Eu não estava me abrindo! Que absurdo. - Tomou um gole da bebida quente. - Ele pode ficar de frescura com aquela Beatriz, não é? Ele pode! Aquela... aquela... Puta que pariu, a garota não tem um defeitinho que eu possa usar contra ela. Que coisa mais irritante. - Mais um gole. - Sweetheart  pra cá, sweetheart  pra lá... Que tédio.

            A Patty tinha noção que tais pensamentos eram infantis. Mas ah, quem liga? Ela estava ali sozinha, conversando só com os botões dela... Ninguém ia saber.

- Falando sozinha, Patrícia Futemma? - a Belle chegou falando.

            Tudo bem, nada mais de botões.

- Oi, Belle. Bom dia. Pensei que fosse dormir até amanhã.

- Juro que dormiria... Se não fosse o detalhe de que hoje o nosso dia começa mais cedo.

- Por quê?

- Porque nós não podemos perder tempo. Você tem muitas coisas para fazer.

- Eu tenho?

- Deixe-me corrigir isso: você tem muitas pessoas para ver.

            A Patty continuou quieta, como se pedisse uma explicação. E ela foi atendida:

- O que eu quero dizer é que eu e a Lary temos consciência de que você vai querer sair com o Isaac, com o Zac e com o Taaaylor - ela prolongou o nome dele com uma voz cínica. A Patty riu. - Então nós passeamos pela parte da manhã, almoçamos juntas e depois, você liga para ele.

            Per-fei-to. Como os glúteos da Beatriz. A japonesinha sorriu grande:

- Valeu, Belle.

- Daria para juntar todo mundo também, se você quisesse... Tudo bem que aquele Zac-cara-de-azedo não é exatamente o que eu chamo de melhor amigo, mas...

- Mas poderiam se tornar, oras.

- Do Isaac eu gosto. Agora aquele Zac... Ele me brocha a vida. Só de olhar pra cara dele, já me dá constipação.

- Não fala assim, Belle... O Zac é legal.

- Defina "legal".

- Tudo bem, eu concordo que ele não é um exemplo de simpatia, mas depois que você conhece o Zac, você se acostuma com o jeito dele.

- Ah não, minha querida amiga japonesa... Esse negócio de se acostumar é papo. Eu não sou amolador de coice. Não a Bellezinha aqui.

            Sem a menor paciência para explicar o âmago do ser humano distinto que era o Zackito, a Patty jogou a mão para a frente, num gesto de "tá, que seja". E juntas, foram acordar a Lary que roncava feliz da vida.

 

...

 

- Falei que eu ligava primeiro?

- Patty, oi - o Isaac atendeu empolgado. - Eu só não te liguei antes porque eu acabei de acordar.

- Isaac, é quase uma da tarde.

- Bom, em algum horário eu preciso dormir, concorda?

- Claro, claro - ela riu.

- Onde você está?

- Estou saindo de um restaurante com as meninas.

- E você está disponível agora?

- É, estou.

- Então vamos fazer assim: eu preciso de só um tempinho para me recompor. Sabe como é... Cara de sono, pijama... Essas coisas.

- Ahan - ela riu.

- Assim que eu estiver pronto, eu te ligo e passo te pegar. Pode ser?

- Pra mim está ótimo.

- Então a gente se vê daqui a pouco.

- Beleza. Bye.

- Bye.

            E desliga o celular.

- O que vocês combinaram? - a Belle perguntou.

- Que ele vai me buscar na sua casa em alguns minutos.

- A Patty vai ver o Tay-lor, a Patty vai ver o Tay-lor - a Lary cantava do banco do passageiro.

- Ai, Laryssa, pára com isso - a Patty protestou.

- Estou cantando alguma mentira? Diz que você não está nervosa porque sabe que vai revê-lo em uma circunstância mais calma, mais clara e mais normal do que dentro do The SS?

A Patty permaneceu calada, olhando pela janela. A Lary continuou a narração com um ar poético:

- No bar ontem estava escuro, a música alta... Não dá pra conversar direito. Mas hoje não... Hoje você o verá durante o dia. E isso significa que os olhos azuis dele estarão mais vivos. E quando eles direcionarem-se para você, só daí você entenderá porque demorou tanto para supera-lo. A voz do Taylor sairá sem esforços porque não haverá música alta. E cada poro do seu corpo vai desejar ouvir aquela voz rouquinha mais pertinho, no seu ouvido. Os cabelos dele...

- Tá, Lary, eu acho que a Patty já entendeu - a Belle interrompeu.

- Ah, Belle, a minha historinha estava ficando tão legal.

- Lary, por favor - a Belle pediu baixinho, para a Patrícia não ouvir.

            E ela não ouviu mesmo. Estava longe, olhando lá para fora, quieta, pensando nas coisas que a Lary disse.

 

...

 

- Eu demorei muito? - o Isaac perguntou, assim que a Patty entrou no carro.

- Não. Eu estava terminando de me arrumar quando você interfonou.

- Tudo bem? - ele sorriu, a beijando no rosto.

- Tudo. - Deu-se a partida no carro e eles começaram a andar. - E aí, pra onde nós vamos?

- Primeiro, nós vamos pegar o Zac e o Taylor.

            Tchãnã. O nome que abre as portas das bizarrices estomacais.

- Ok - ela concordou.

            Chegando na mansão dos Hanson, o Isaac apenas buzinou. Primeiro saiu o Zac meio correndo. Logo atrás veio o Taylor, naquela de tentar alcançá-lo. Pelo jeito, estavam apostando corrida. Muito maduro.

- Vamos, crianças - o Isaac brincou. - Senão vamos nos atrasar.

            Da janela, Diana acenava para seu filho mais velho que agora estava tão independente quanto ela própria.

- Hey mom - o Isaac gritou.

            Educadamente, a Patty meteu o carão no vidro e acenou também:

- Hello, Mrs. Hanson!

            Ela retribuiu, sorrindo.

            Durante todos esses acenos, o Zac e o Taylor chegaram no carro. A Futemminha olhava pelo retrovisor os dois entrando e ajeitando-se no banco de trás. Estava concentrada no Taylor, quando de repente, aquele beijo na bochecha. O Zac adiantou-se a beija-la antes mesmo de ela virar para cumprimenta-los. A Patty até se assustou ao sentir o beijo repentino e estalado em sua bochecha.

- Oi, Patoríxia - o Zackito falou.

- Oi! Oi, gente.

            Foi quando ocorreu o choque. A Patty foi virar-se para dar aquele oi geral, típico de quando amigos se encontram dentro do carro (ô lugarzinho terrível para cumprimentar os outros) sem saber que o Taylor vinha em sua direção no objetivo de imitar a atitude do irmão. Era uma vez duas testas...

- Ai! - o Taylor e a Patty exclamaram.

            O Isaac fez uma cara de "ssss, isso deve ter doído". O Zac deu uma gargalhada. Não achando taaanta graça num primeiro momento, o Taylor caiu sentado no banco, com a mão na testa, gemendo de dor, variando sua expressão facial entre "Puta que pariu, tá doendo muito" e risos. Também com a mão cobrindo o local da batida, a Patty virou para trás e o olhou, totalmente sem jeito.

- Taylor, me desculpe. Eu não vi, eu...

- Não, imagina, desculpa eu. Eu deveria ter imaginado que você...

- Que idiota, eu deveria ter olhado pelo espelhinho e...

- Não, eu quem devia ter avisado que estava chegando...

            E o Zac se matando de rir.

- Foi mal, Taylor. Não, foi péssimo. Desculpe.

- Tudo bem, está doendo em você também. Não precisa se desculpar tanto.

- Ok, ok - o Isaac interrompeu. - Quem não entendeu que não foi de propósito, levante a mão. Great. Acho que já podemos seguir viagem.

            Algumas risadas, uns metros de asfalto percorridos, uns comentários sacanas do Zac e o clima ficou bem melhor. A testa da Patty continuava doendo, mas estava tão mais aliviada que as palpitações causadas pelo choque era coisinha de nada.

- E aí, o que a gente vai fazer? - o Zac perguntou.

- Mmm... - o Isaac pensou. - Patty? Alguma idéia?

- Eu não venho pra cá faz dois anos. Não tenho noção do que tem de novo pra fazer - ela respondeu.

- Nós podíamos dar uma voltas de carro - o Taylor se manifestou. - e depois, sei lá, cinema, shopping, aquele parque novo... E a noite, a gente sai jantar fora em algum lugar.

- Eu gostei - o Zac disse.

- Não é você quem tem que gostar - o Isaac retrucou. - Patty? O que achou?

- Parece ótimo.

- Então o dia está oficialmente programado - ele proclamou.

            E lá foram eles dar uma voltas de carro. O Isaac colocou a música Save Tonight, do Eagle Eye Cherry tocando baixinha para que a conversa pudesse rolar livre, e abriu bem os vidros das janelas para que o vento entrasse. Os primeiros rolamentos de papo foram bastante limitados, mas depois de um tempo, o negócio fluiu. A Patty não parava de rir, o Zac não parava de falar, o Taylor em compensação falava pouco e o Isaac sorria ao ver que sua amiga estava se sentindo feliz.

            Era até esquisito andar pelas ruas de carro com os Hanson sem nenhuma garota mexendo, sem mulheres provocando, sem o povo todo olhando como se o veículo fosse ponto turístico.

As coisas mudaram um pouco por aqui, a Patty pensou.

            Andaram no parque, conversaram muito, tomaram sorvete, riram. O clima estava ótimo: quatro amigos que não se viam há tempos e que nunca tiveram complicações um com o outro. Era bom acreditar nisso por alguns minutos pelo menos. A Patty não queria pensar no sentimento mal-resolvido que continuava alimentando pelo Taylor, nem na Beatriz, muito menos que ia embora em dois dias.

            Em alguns momentos, se pegava observando o Taylor. E em outros, era surpreendida com os olhares azulados dele em sua direção. Às vezes os olhos apenas se cruzavam e a Futemminha ficava sentindo-se meio perdida. Outras vezes, ficavam se olhando por segundos inteiros. Na tentativa de acabar com esse tipo de climinha, o Isaac sempre estava ali para descontrair, para tirar a atenção da Patty daquela situação.

            A tarde que passaram juntos foi mais do que divertida: foi marcante. Era certo que todos ali jamais esqueceriam das conversas animadas, do Zac cortando as poucas meninas que ainda teimavam em tentar se aproximar, do Isaac cantarolando qualquer coisa engraçada e do Taylor... Ali. Ele estava ali. E nada mais do que isso era necessário para que a Patrícia ficasse bem. Cada vez que o Cumprido sorria, era uma lembrança que vinha à tona na mente da Patty.

            Começara a anoitecer. Sentaram juntos assistir ao pôr do sol e depois de mais conversa, decidiram que era hora de jantar fora. No caminho para o carro, conversavam:

- Liga para a Ló - a Patty sugeriu.

- Ah, não. A Lynne come muito - o Zac falou.

- O quê? - a Patty deu sua famosa gargalhada sem som.

- Você ri porque você nunca teve que leva-la para jantar - o Zac lamentou. - Sem exageros, ela come mais que eu. Não sei, não, mas eu suspeito que na vida passada ela tenha nascido na Somália.

- Zac, Zac - a Patty pegava fôlego, tentando se recuperar das risadas. - Você está me dizendo que não quer levar a Ló para jantar com a gente porque ela come muito?

- Pô, eu sei que eu sou rico e posso pagar várias comidas para ela. Mas e a minha dignidade? Onde fica?

- Zac, que isso - o Taylor reprovou. - Liga pra ela. Ela é sua namorada.

- E o que é que tem que ela é minha namorada?

- Como assim, o que é que tem? - o Taylor se indignou. - Você não pode ter vergonha dela. Tem que leva-la para todos os lugares com você - falou com pose de O Namorado Perfeito.

- Ah é, sabidão? Então por que você não liga para a Beatriz, hein? - o Zac revidou.

            Neste momento, fez-se um silêncio mortal. O Isaac, que já previa o final trágico daquela conversa, apenas tossiu. E o Taylor... Bom, se falasse alguma coisinha de nada, só pioraria tudo. E ele sabia disso. Optou então pelo silêncio. Saída sábia, já que com o Zackito ninguém podia. Já era ótimo na arte do cutuco sem intenção. Intencionado então, vixi. Ele conseguia desmontar qualquer um só levantando uma sobrancelha ou fazendo uma simples cara de bunda.

            Entraram no carro e o assunto foi esquecido. Mas a Patty não teve como não pensar em que interessante resposta o Taylor arranjaria para a pergunta do Zac...

            Durante a ida para o restaurante, os olhos do Taylor passaram a observar a Patty mais freqüentemente. Pelo retrovisor, eles faziam longos contatos visuais. Mas não aqueles maliciosos, como quem paquerava. Não. Era como... Como se um não acreditasse que estava vendo o outro novamente. Pelo menos a Patrícia sentia assim, uma forte vontade de ficar olhando o Taylor e observando seu rosto, seu jeito, seus sorrisos. Queria voltar a reparar nele com calma. Mas claro, não tinha como vidrar o olho nele assim, na maior. Então o que ela fazia? Sempre que podia, dava uma espiadinha. Por isso quase morria de vergonha quando ele a pegava o olhando.

- Está todo mundo com fome? - o Isaac perguntou.

            Todos responderam que sim.

- Zac, não quer aproveitar e passar pegar a Ló? - o Isaac sugeriu.

- Tá, vai... Eu ligo pra casa dela e a gente passa lá então.

            Assim que a Ló atendeu, deu para ver pela voz do Zac ao falar que a garota estava chateada. Como ninguém conversava no veículo, todos acabaram ouvindo-o com a namorada no telefone:

- Que isso, Lynne... Eu não esqueci de você. - Pausa. O Zac suspirou. - Lynne, baby... Listen to me. - Pelo jeito, era grave o negócio. Para ele ser tão carinhoso... - Não é nada disso, Lynne... Claro que eu senti sua falta. Malinha, não fica assim, por favor. - Pausa. - Não precisa chorar também. Calma. Eu estou te ligando justamente para dizer que eu estou passando aí. É. A gente vai jantar com a Patty. Como assim, você não vai? - A Patty e o Isaac se olharam. - Mas Lynne, eu já disse que não te esqueci, é que eu saí com eles e... - Ele parou de falar para ouvi-la. - Malinha, deixa eu explicar. Lynne, pára de chorar, por favor - o Zac pedia, meio sem jeito. - Lynne? Lynne? - Guardou o celular. - Desligou.

- O que aconteceu? - a Patty perguntou.

- A Lynne teve um ataque histérico porque eu não liguei hoje pra ela.

- Ai, Zac - a Patty lamentou. - E agora?

- E agora a gente vai jantar e depois eu dou um jeito de ir para a casa dela.

- Quer ir agora? - o Isaac perguntou.

- Não, se eu for agora ela vai me pegar pelo cabelo e vai me expulsar de lá. E sabe como eu amo os meus cabelos super sedosos, não é? - ele fez voz de madame. Todos riram. - Espera ela se acalmar. Depois eu vou.

- Eu devia ter ligado para ela - a Patty sentiu-se mal pela situação.

- Não, Patty, quem devia ter feito isso é o Zac - o Isaac observou.

- Tudo bem, tudo bem, eu já entendi. Eu sou o culpado. Eu fiz a menininha meiga chorar - o Zac declarou. - Eu estou me sentindo mal, não se preocupem - ele disse.

- Quer que eu tente falar com ela? - a Patty ofereceu.

- Nah... Ela provavelmente vai ficar falando mal de mim para você por umas duas horas. E durante mais umas 48 para o pai dela - o Zac explicou. - Enquanto isso, a gente janta e eu vou pensando em como me desculpar com a minha Malinha Sem Alça... - suspirou. - ...que eu amo tanto - sussurrou, para ninguém ouvir.<

O restaurante escolhido por eles era um pequeno, confortável e caro restaurante de Tulsa, localizado mais no Centro, especializado em... Ter de tudo. Não tinha pratos específicos, tinha de tudo mesmo. Porém o que encantava sobre o lugar era a estrutura aconchegante e decoração agradável. Era tudo rústico, iluminado por velas, muitas velas, nas paredes e nas mesas. A Patty assim que pisou na porta do lugar, não conseguiu segurar o sorrisão empolgado.                                        

- Gente, que coisa mais linda - ela exclamou.

- Abriu no final do ano passado - o Taylor contou.

- Nossa, é lindo aqui. E tem um jardim de inverno - ela comemorou, apontando para a lateral esquerda do lugar. - Que perfeito.

            O Zac estava um pouco longe mentalmente nessa hora, mas como ele era O Machão, era parte de sua carreira disfarçar sentimentos que o fragilizavam.

- Vamos sentar? - o Isaac sugeriu.

- Eu quero sentar perto do jardim de inverno - a japonesinha exigiu.

- Você quem manda - o Ike sorriu.

            E foi o que fizeram, deslocaram-se para a mesa mais próxima, e vazia, perto do tal jardim de inverno. Pegaram uma mesa para quatro. Zac e Patty em uma das laterais, Isaac e Taylor na outra. Só para esclarecer, Patty e Taylor de frente um para o outro, ao lado do vidro protetor do jardim invernal. O ambiente estava agradabilíssimo: suave, achegado e romântico. Não demorou muito, um garçom se aproximou e cada um fez o seu pedido.

- E aí, Zac? Você é o único que ainda não decidiu - o Isaac falou.

- Ah, sei lá, me vê qualquer coisa... - disse, desanimado.

- Zac, pede direito.

- Isaac, não enche o meu saco.

            E eles foram embora com a discussão.

            Como música ambiente, tocava Simon & Garfunkel, com a música The Boxer.

            Para sentir melhor todos os odores e sons daquele lugar magnífico, a Patty fechou os olhos e respirou profundamente. O cheiro era daqueles que parecem ter cor e textura, os quais ao entrarem pelo nariz, tomam posse completa de todos os outros sentidos. E por ser um restaurante pequeno, os aromas se espalhavam ainda mais depressa. Podia-se sentir os temperos mais variados. Páprica, curry, cheiro-verde...

            E o Isaac e o Zac discutindo.

- Eu não sei o que estão cozinhando, mas eu espero de coração que seja o meu prato - a Patty comentou, saboreando de olhos fechados aquela fragrância.

- A sua boca não enche de saliva sentindo esse cheiro? - o Taylor perguntou.

- Nossa, e como - ela sorriu.

            Sério, o Taylor permaneceu olhando fixo para ela. A Patty ficou sem jeito. Aquele papo de boca, saliva... Ih, não ia dar certo.

- O que foi? - ele perguntou.

- Nada, por quê?

- Não sei, você ficou quieta de repente.

- Não, nem é nada... Estava aqui torcendo para ser o meu prato este que estão cozinhando.

            O Taylor riu. E disse:

- Quem sabe...

            Silêncio. E o Isaac e o Zac discutindo. O garçom se encheu e pediu que o chamasse assim que se decidissem.

- E então, como está a faculdade? - o Taylor tentou puxar papo.

- Está ótima. O pessoal é muito legal, fiz grandes amigos...

- Por isso quer voltar logo?

- Eu não quero voltar logo.

- Não?

- Eu preciso, é diferente.

- Então não tem ninguém te esperando em Albuquerque?

            A Patty percebeu a finalidade da pergunta, mas decidiu levar na esportiva para não ficarem climas chatos:

- Claro que tem. Meu pai, minha mãe, minha tia Midori...

            Ela não era muito boa com improvisações. Mas parece que funcionou, porque o Taylor riu mais relaxado. Tudo bem que tinha ficado algo meio no ar, uma dúvida sutil, mas para a Patty era exatamente esse o objetivo. Também, que Taylor folgado! A Futemminha podia chegar em Tulsa e dar de cara com uma namorada saradona chamada Beatriz, mas não podia ter ninguém esperando por ela em Albuquerque. Revoltante. Durante uns cinco segundo, a Patty pensou sobre isso. Ai, como ela queria ter um namorado em Albuquerque, só para divulga-lo mundo afora.

- Você podia vir mais vezes, Patty. Demorou tanto para aparecer... Dois anos é muita coisa - comentou.

- Eu sei, mas é que lá é tão corrido... Não vim antes por falta de tempo mesmo.

- Tá, tá - o Zac se entregou aos berros, interrompendo a conversa dos dois. - Eu escolho!

- O que aconteceu? - o Taylor quis saber.

- E daí se eu estou um pouco sem fome? - o Zac protestou.

- Zac, você quer que eu te deixe na casa da Ló? Você mudou de ares desde que falou com ela no telefone - o Isaac disse.

- Eu estou bem.

- Gente, calma - a Patty pediu. - Nós ainda somos da civilização.

- Zac, está tudo bem mesmo? - o Taylor perguntou com jeitinho.

- Está, não esquenta.

            O Isaac chamou o garçom e fizeram o pedido restante.

            Durante a refeição, mais uma vez conversaram como quatro matracas. O único emburrado acabou também se soltando e esquecendo um pouquinho da briga com a namorada. A Belle ligou no celular da Futemminha uma vez para saber se estava tudo bem e a Lary uns segundos mais tarde para especular sobre o Taylor. Discreta, a Patty respondeu:

- Está tudo normal.

            E estava mesmo. A única coisa mais diferentinha que ocorria vez ou outra eram os encontros de olhares e o estômago da Patty que não cansava de mostrar para ela mesma o quanto estava ansiosa. Fora isso, o papo estava descontraído, todos muito empolgados, a comida uma delícia, a música maravilhosa. Aliás, a que tocava agora era Simon & Garfunkel, com Bridge Over Troubled Water. O minúsculo espaço em frente à cozinha transformou-se rapidamente em uma pista de dança, onde alguns poucos casais intrometeram-se a dançar. No mesmo instante, o Taylor olhou para a Patty e, hesitando, perguntou:

- Você quer...?

- O quê? - a lerdeza da Patrícia impediu que ela pegasse de primeira.

- Dançar. É que eu gosto dessa música e... - como se tentasse justificar o convite.

- Ah, claro, claro.

            O Isaac e o Zac assistiram ao convite do começo ao fim como se fosse uma espécie de curta-metragem. E afastados um do outro, a Patty e o Taylor se encaminharam para a pistinha.

            Pararam e, totalmente perdidos, se aproximaram, sem graças. Após alguns segundos de constrangimento, o Taylor segurou a cintura da Patty com firmeza. A outra mão, ele mantinha segurando a da japonesinha em seu peito. E eles se olhavam. Com um sorriso, a Futemminha tentou disfarçar o nervosismo. E correspondendo ao gesto, o Tay a fez sentir-se um pouco mais calma.

- Eu acho que alguém gosta muito de Paul Simon lá na cozinha - o Taylor comentou.

- É... - a Patty sorriu. - As músicas têm a ver com esse restaurante.

            Silêncio.

- Patty, eu acho que eu preciso me desculpar com você de novo. - Ela ficou quieta, esperando ele falar. - Ontem, no The SS, eu gritei com você e...

- Taylor, eu não quero falar disso, tá?

- Ah, claro... Desculpe.

- E...

- Fala.

- Não, não era nada. Quer dizer, até era, mas...

            Atrapalhada com as idéias, a Patty o olhou e calou-se ao ver a expressão do Taylor. Seu sorriso estava sereno e seus olhos... Seus olhos estavam cheios de carinho e fitavam a Patty com um certo mistério e... Ele estava tão bonito... Ai, a Patty sentiu um arrepio percorrendo toda a sua espinha.

- O que foi? - o Taylor perguntou, ao sentir a tremidinha da Patrícia.

- Não, nada. Acho que está esfriando.

- Quer o meu casaco? Eu pego pra você se quiser.

- Não, tudo bem, não precisa - ela sorriu. - Obrigada.

            O assunto entre eles era completamente escasso. Mas aquilo era tão bom... Aquele nervosismo, a falta do que dizer, a preocupação com o que vai ser dito, o arrepio gelado quando um sequer ameaçava tocar no outro, a troca de olhares tímidos... Eram coisinhas tão pequenas, mas que tinham todo um significado.

- Você vai ficar em silêncio até a música acabar? - o Taylor brincou.

            A Patty riu e disse:

- Eu não sei o que falar.

- Então talvez nós não devêssemos falar nada mesmo.

            Foi aí que aconteceu o que os alpinistas chamariam de "ponto alto" da dança. O Taylor a puxou para bem pertinho e colou sua bochecha na da Futemminha. Ela passou os braços pelo pescoço do Cumprido e, abraçados, eles dançaram o restante da música em silêncio. O calor do corpo dele continuava o mesmo de dois anos atrás e a sensação de proteção que aquela afabilidade causava, fazia a Patty nunca querer sair dali. Enquanto o Taylor descansava seu queixo no ombro da Futemminha, ela ia sentindo o perfume vindo do pescoço e dos cabelos loiros. Ai, que gostoso que estava... O Taylor era tão bom de abraçar... E ele abraçava tão forte...

            O Isaac e o Zac observavam de longe.

- É, meu amigo... - o Zac começou. - Não sei, não, mas eu acho que está rolando alguma coisa entre o Cumprido e a Dona China in Box.

- Você acha? - o Isaac perguntou.

- Quase certeza.

            Uns com quase certeza de lá e outros com quase certeza daqui. É que a Patty tinha a quase certeza de ter sentido, muito de levinho, o Taylor beijar seu ombro. Ela estava tão em transe com o corpo dele naquela proximidade e tão ligada em cada movimento, que tinha medo de estar começando a sentir coisas. Então fechou os olhos e começou a prestar atenção no momento.

            A dança corria bem, calorosa, cheia de expectativas... Até que o Taylor passou a ponta de seu nariz pelo pescoço da Patty, escondendo-se então nos cabelos da japonesa. Abraçou-a mais forte. Sussurrou no ouvido da Patty coisas que ela não conseguiu entender, mas não tinha importância porque o sussurro em si fora suficiente para arrepia-la de novo a espinha.

- E você tem alguma dúvida ainda? - o Zac disse.

- A Beatriz não vai gostar disso - o Isaac previu.

- Foda-se a Beatriz.

- Bom, a Patty deve saber o que faz - o Isaac lamentou.

            Então a música acabou. Os dois se separaram, a Patty sorriu tímida e eles voltaram para a mesa.

            Depois disso, não teve mais como disfarçar a inquietação. Ela não tinha certeza do que estava acontecendo, mas sabia que algo se sucedia. E a ansiedade triplicou.

            Porém, após dança, foi estranho porque o Taylor parece que esqueceu do assunto. A Patty, que tinha quase certeza que tinha alguma coisa acontecendo, desanimou feio com a frieza do Taylor depois do tal do ponto alto. Não que ele estivesse a ignorando ou a evitando, mas era esquisito... Parecia que ele tinha encarnado o amigão-com-namorada. Os olhares pararam de se cruzar e não tinham mais climinhas. Ela não conseguia entender.

            Bom, como a Patrícia não podia simplesmente ficar puta e nem reivindicar nada, ela resolveu atropelar o tópico e mostrou que sabia encarnar papéis também: a de garota-super-segura. Mesmo sendo mentira, porque segurança era tudo o que ela não sentia, precisava mostrar que não iria estragar sua noite por causa de um imprevistinho como aquele.

            E mais uma hora, todos já haviam comido. O Isaac pediu a conta, pagou e, na ida para o carro, sugeriu:

- Vocês não querem ir para o meu apartamento?

            Todos aceitaram.

 

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