Esquizofrenia |
"Sua inteligência, característica de sua incapacitação psicológica [sic], A esquizofrenia é uma doença triste. Seu curso mais típico é o da pessoa normal até a adolescência ou adultidade jovem, quando acontece uma primeira crise ou surto psicótico. A psicose caracteriza-se pela desvinculação do sujeito com a realidade. A pessoa pode ouvir sons e vozes ou ver coisas e pessoas que não estão lá. São as chamadas alucinações. Tende a desenvolver idéias próprias, sem base na realidade, por vezes muito complexas (os chamados delírios, "descaminhos" ou formação de juízos imperfeitos). Durante o surto psicótico, é completamente impossível pensar racionalmente: o indivíduo não consegue estabelecer premissas válidas, nem encadear logicamente o raciocínio. Parte de idéias absurdas e chega a conclusões igualmente absurdas, por um caminho confuso e irracional. O surto tende a passar em algumas semanas, o que pode ser apressado com a medicação adequada. As medicações antigas causavam muitos efeitos colaterais graves (haloperidol, tioridazina). As novas drogas são muito melhor toleradas (ex.: olanzapina), um enorme avanço no tratamento. Coisa que a população tem de exigir nos Centros de Saúde. É impossível advinhar quando haverá um novo surto e ele só pode ser previsto com antecedência de, no máximo, poucos dias, o que torna importante o acompanhamento desses pacientes. Além de diminuir a duração de um surto, a medicação, muitas vezes, impede que aconteça um surto, ou seja, que ele se inicie. E, se acontecer, será muito mais suave, menos severo. Na grande maioria dos casos, passados um, dois ou três surtos psicóticos, o que resta é uma psique desestruturada, um "apagamento" da personalidade e um rebaixamento intelectual importante. É uma grande besteira, um conceito totalmente errado, portanto, o que algumas pessoas, incluindo o paciente que escreveu a frase na epígrafe deste texto, acreditam. Por incrível que pareça, conheço até um psiquiatra, muito conceituado lá na terrinha, que divulga essa bobagem: que os esquizofrênicos seriam muito inteligentes ou, até mesmo, que pessoas muito inteligentes teriam uma tendência, inerente, a desenvolver surtos psicóticos. O paciente com esquizofrenia não prima pela inteligência, muito ao contrário. Não é de se esperar, por exemplo, que alguém com esquizofrenia passe num exame vestibular, muito menos em primeiro lugar. Com o passar do tempo, os surtos podem se tornar cada vez mais raros ou podem acarretar um comprometimento tão grave da psique que o sujeito se torna incapaz de trabalhar ou realizar os atos da vida cotidiana, como tomar banho sozinho ou orientar-se na rua. A esquizofrenia é a clássica "loucura". O estado clínico de um esquizofrênico é uma demência, ou seja, um conjunto de disfunções cognitivas (cognição é a aquisição de informação, de conhecimento). Outros processos também levam à demência: doença de Alzheimer, infartos cerebrais (a chamada demência vascular), uso crônico de drogas (cocaína, álcool, LSD). Alguns esquizofrênicos têm delírios persecutórios: acham que estão sendo perseguidos, vigiados ou que estão colocando veneno em sua comida. Outros acham que estão controlando sua mente com um aparelho ou que mantêm contato com pessoas mortas ou seres de outros planetas. Enfim, qualquer delírio é possível. Surtos psicóticos não são exclusividade da esquizofrenia. Algumas pessoas que sofrem de outra doença, o transtorno bipolar, podem ter fases maníacas tão exacerbadas que o doente passa por períodos verdadeiramente psicóticos. Também há "surtos" causados em intoxicações por hormônios (hipertireoidismo) ou por substâncias como álcool, anfetamina, cafeína e alguns tipos de antidepressivos tomados inadequadamente: são drogas psicoativas, muitas vezes de fácil acesso (a cafeína está presente no café, em refrigerantes e em bebidas chamadas, comercialmente, de "energizantes"). A esquizofrenia tem, como base patofisiológica, um excesso de atividade entre os neurônios do sistema límbico (sinapses dopaminérgicas). As drogas anti-psicóticas antigas, ou seja, neurolépticos como o haloperidol e a tioridazina, diminuem a formação de estímulos nessas sinapses, o que diminui a atividade do sistema límbico. As drogas modernas, como a olanzapina, atuam nos sistemas dopaminérgicos e, também, nos sistemas serotoninérgicos (da serotonina, outro neurotransmissor). Como conseqüência do bloqueio dopaminérgico no sistema límbico e em outros circuitos do cérebro, a pessoa tem efeitos colaterais como sonolência, "espasmos" musculares, incapacidade de ficar parada, movimentos rítmicos do tronco ou da cabeça e das mãos ou dedos, podendo, o quadro, parecer doença de Parkinson, um "parkinsonismo" farmacológico. É incrível, mas até hoje ainda existem muitos médicos que não conseguem diferenciar os sintomas de um surto psicótico dos efeitos colaterais dessas próprias drogas que eles dão aos pacientes! Achando que os efeitos adversos seriam sintomas ("agitação"), aumentam a dose dos remédios e, em casos absurdos, mas infelizmente freqüentes, associam duas, três ou quatro drogas semelhantes, dadas simultanealmente. Muitas vezes, cada uma delas é dada numa dose bem acima da usual. Esse tipo de coisa costuma acontecer mais freqüentemente em hospitais psiquiátricos mal fiscalizados, com um corpo clínico obsoleto, feito de médicos criminosos. Mas não é privilégio de instituições públicas: ocorre, também, em clínicas privadas, incluindo instituições aparentemente filantrópicas, muito bem avaliadas pelo "competente" Ministério da Saúde brasileiro. Esse tipo de coisa deu ensejo a um movimento bem intencionado, chamado "luta anti-manicomial", mas que comete vários erros graves. As pessoas engajadas nesse movimento querem a extinção dos hospitais psiquiátricos. Mas os hospitais psiquiátricos são necessários. Não se pode acabar com eles. Existe uma percentagem da população que, realmente, não tem condições de viver na sociedade. São pessoas que precisam da ajuda do Estado na forma de internações mais ou menos prolongadas, às vezes muito prolongadas. A instituição de enfermarias de Psiquiatria em hospitais gerais e de centros comunitários de atenção à saúde mental, dispondo, até mesmo, de internação-dia, são grandes avanços, mas não atendem às necessidades de todos os casos. Um conhecido defensor dessa idéia, de abolição total dos hospitais psiquiátricos, foi o psiquiatra italiano Basaglia. O Partido Comunista Italiano, quando se viu na chefia do governo, na década de 1980, resolveu colocar suas idéias em prática e o que se viu foi uma tragédia. Esses pacientes desassistidos, completamente abandonados à sua própria sorte, passaram fome, não tinham onde dormir, saquearam, depredaram, causaram enorme prejuízo e insegurança à sociedade, além dos danos a si mesmos. O Estado não pode se omitir de seus deveres básicos, constitucionais. Necessário é que a sociedade possa fiscalizar, efetivamente, o que acontece dentro dessas clínicas e hospitais, os públicos e os privados.
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