M: De alguma forma o senhor se sente frustrado com o cinema ou o seu grande reconhecimento internacional continua sendo uma resposta aos críticos?

A.D: Nunca ninguém se sente frustrado com o sucesso, principalmente pelas vitórias conseguidas com a profissão que ama e tem vocação para exerce-la. Apenas me aborrecia com o ataque dos moleques, porém tinha pena da frustração deles, que desesperançados tornaram-se agressivos. Talvez, eu pensava, estão dando uma satisfação à família e justificando perante a mídia os seus próprios fracassos. Dificultaram o exercício da profissão aos colegas que não iam pela sua cartilha política. Queimaram a alegria dos poucos vencedores. Não sei como agüentamos esse sofrimento durante vinte anos, mas tudo passou. Eles tentaram subir por degraus humanos para alcançar a tão almejada notoriedade. Hoje são simpáticos e tristes.

FOTO/ REPRODUÇÃO  

ANSELMO exibe a Palma para os fotográfos em Cannes (1962)

M: O que o senhor pode falar sobre o cinema novo? 

A.D: Tudo o que tinha a dizer já foi dito.  Mas...(pensativo) quero acrescentar o seguinte: os cinemanovistas diziam que os prêmios não valiam nada. Que o festival de Cannes e a minha Palma D´Ouro eram merdas! Pois bem, no decorrer das décadas de 60 e 70 tentaram ganhá-la 23 vezes! Cacá (Diegues) tentou de todas as formas: realizou um filmes franco-brasileiro (Joana Francesa) com Jeanne Moreau, ficou íntimo do presidente do festival, Gales Jacob, que me disse gostar muito dele. Cacá disse que eu venci em Cannes porque tinha amigos dentro da direção do festival. Mas ele sabia da honestidade, da seriedade do maior festival do mundo. O filme dele nem passou da prévia no Festival de Paris. Não concorreu. Tenho em meu poder a bíblia de Cannes, o Cannes Memories, história dos 50 anos de competição, ano a ano. O Brasil compareceu oficialmente desde os primeiros anos, mais de 30 vezes, e nada! Apenas uma Palma de Ouro para o menino engraxate de Salto, como me chamavam os moleques do Rio, nas noitadas etílicas do chique e caro "Antonius" de Ipanema, e outros, onde se encontravam os "gênios socialistas" para arrotar inveja e ódio. Uma centena dos filmes deles nunca foram comercializados na Europa, e no Brasil, pouco e com prejuízo para o órgão oficial, a EMBRAFILMES, que eles chegaram a dominá-la até o encerramento. 

FOTO/ ARQUIVO JB  

A.DUARTE na sua casa, em Salto. Ao lado, foto em Paris (1960) durante externa do inacabado Le rapt.

Atualmente nem a televisão os quer. Somente podem ser vistos para estudo nas faculdades de comunicação. Dizem-me os jovens da nova geração de cinéfilos e estudantes, agora bem distantes daquele fogo de paixão e falsos elogios do passado, que os filmes são mal realizados, chatos e que não dá para assisti-los, saem no meio da projeção. Não entendem. Perguntam porque fizeram tanto oba-oba naquela época. Querem saber se era desrespeito, se era por problema político? Mas se eram militantes intelectuais porque não escreviam um livro em vez de fazer um filme? Creio que a resposta o Jabor (Arnaldo) deu há pouco tempo. ("Estávamos na década do protesto contra o governo, a sociedade, o cinema, a religião, os vencedores, a família, e os animais. Tudo valia. O Anselmo tem razão, demos uma esnobada nele e jogamos um pouquinho de pó para tirar o brilho de sua palminha de ouro"). Talvez o brilho os incomodasse. Estavam vivenciando os prazeres da noite.

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