a clínica nos tempos pós-modernos

A clínica psicoterapêutica, como qualquer outra área das relações humanas, está inserida nas modificações culturais da pós-modernidade. Tentaremos abordar alguns destes aspectos, com a intenção de levantar algumas questões. É nossa opinião que se faz urgente a revisão de alguns pressupostos teóricos que regulam o trabalho psicoterapêutico, mesmo nos ambientes mais avançados culturalmente, já que as relações entre as pessoas se alteraram grandemente desde que eles foram estabelecidos. As mudanças teóricas ocorridas desde então, embora profundas, são ainda insuficientes. Como todo campo dinâmico, quase totalmente apoiado na conduta de seus participantes, a psicoterapia, principalmente falando das orientações teóricas psicanalíticas, é tremendamente dinâmica em seu formato e tende a se alterar no exato instante em que seus participantes mudam.

Vejamos então alguns destes pontos.

A psicopatologia corre atrás dos tempos. A enfermidade emocional, desconsiderando a imprecisão do termo, é um produto emergente em constante produção e destruição, acompanhando o passo do indivíduo, da cultura e de outras influências, de ordem biológica, religiosa, etc. Na época em que Freud trabalhava em seu consultório de psicoterapia os casos predominantes eram as histéricas e os obsessivos graves. A maioria dos psiquiatras hoje diagnosticariam seus casos como fronteiriços, ou borderline, conforme a terminologia que se convencionou adotar internacionalmente (DSM-IV e CID-10). Freud, na sua época, os considerava neuróticos. Seria questionável considerar este diagnóstico errado, ou que seja só um problema de imprecisão. Em seu tempo Freud não dispunha das teorias de abordagem, principalmente psicanalíticas (que ele apenas estava criando), de que agora dispomos. Numerosos trabalhos mostrando as características dos chamados pacientes fronteiriços surgiram nas últimas duas décadas, categoria nosológica que nem existia então. As características destas patologias, que têm como uma delas justamente serem extremamente polimórficas, por outro lado, se encaixam com bastante coincidência nas características da pós-modernidade.

Mais além deste ponto, como costuma acontecer, após o estudo de uma nova patologia, alguns a consideram uma forma de organização da personalidade, já então falamos de desvios ou distúrbios estruturais, que fazem parte do tronco principal da personalidade. Um passo mais e falamos de um modelo, de uma forma de ser e viver, algo que é diferente de outro algo considerado o mais freqüente, o normal, mas que começa a perder a condição de patologia, tornando-se algo que se pode identificar, como uma fase evolutiva (é indispensável para a psicopatologia psicanalítica localizar no desenvolvimento emocional as raízes de qualquer entidade clínica), como um recurso de self, ou uma qualidade de recursos adaptativos, presentes no indivíduo normal. Aqui introduzimos a nossa questão. Se limparmos a lente (Lhullier, 1994) da observação psicopatológica, não estaremos às voltas com expressões no indivíduo das qualidades dos tempos pós-modernos? Dito de outra maneira, estaremos olhando o fenômeno pelo seu lado avesso?

Essa é a primeira questão que pretendíamos levantar.

Examinaremos este ponto através das características e elementos propedêuticos para seu diagnóstico, definidos por Otto Kernberg. Na tabela 1 vemos uma síntese destes elementos e as características comparáveis da pós-modernidade:

 

Tabela 1. Comparação entre características e expressões da pós-modernidade e características diagnósticas dos pacientes borderline ou fronteiriços segundo Otto Kernberg(1991).

Pós-modernidade

Características para o diagnóstico da personalidade borderline segundo Otto Kernberg(1991):

1) Derrida: desconstrução do self; perda dos limites do self; identidade baseada na função do momento.

1)Difusão de Identidade: sensação subjetiva de vazio; percepções contraditórias de si-mesmo e do objeto; comportamentos contraditórios que não podem ser integrados com experiências emocionais;

2)Fragmentação, superficialidade e idolatria do simulacro; descontextualização do passado, vivido como show no universo midiático; práticas de consumo que ignoram os padecimentos das populações dos países manufatureiros.

2)Mecanismos de Defesa Primitivos: cisão; idealização primitiva; identificação projetiva e projeção primitiva; negação (de tipo fronteiriço): lembranças de percepções, pensamentos ou sentimentos acerca de partes cindidas do self ou outros sem relevância emocional; ausência de preocupação, ansiedade ou reação emocional em relação a sérias pressões de necessidades, conflitos, ou perigo; onipotência; desvalorização; controle onipotente

3)Busca frenática do momento (nada autística) e da informação adequada. A sociadade da informação valoriza acima de tudo a qualidade desta.

3)Teste de realidade: presente

4)Relações fugidias e laços menos fixos.

4)Qualidade das relações objetais: temor ao objeto, controle do objeto ou medo de abandono

 

 Talvez estejamos observando um lado negativo do fenômeno de desconstrução, descrito por Derrida. Cabe dar uma olhada nas fotografias de Cindy Scherman, nas quais, observadas em série, servem como expressão simbólica da desconstrução da representação do corpo. Do leve sorriso da primeira das três fotos resta só a dentadura na terceira, desafiando a terra que ameaça cobri-la.

É de considerar entretanto, que este pode ser um fenômeno exclusivo dos países periféricos, ocorrendo de forma diferente nos chamados países centrais.

 

Outra questão a abrir seria quanto à sobrevivência da subjetividade e a expressão do indivíduo nestes novos tempos.

 a modo de conclusão


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