TC
Hans e o gato das botas
(ou a ilusão dos cárceres luminosos gelados trespassados pela cultura científica da extrema esquerda reaccionária vistos pelos olhos de uma borboleta que nunca o foi, na sua vida ou infância, passada ou presente)


 










Vagueando pelas estações de metro, caminhando pelas linhas de metro, descansando em cima das carruagens de metro em andamento, voando sobre os fossos das linhas de metro, assim descansava Hans, enquanto via Rambo desdobrar-se em salamaleques sentado num assento acolchoado e adornado por finíssimas pinturas rupestres de inspiração urbana, ao dirigir ternas palavras a uma dama de seu nome abelha maia, que ali se encontrava a passar umas merecidas férias, após ter assinado poucos dias antes um contrato multimilionário com a conhecida estação de televisão SAT.2 que se gabava de possuir um dirigível, meio de transporte seguiríssimo, quase sem acidentes, com muitas cores, tantas como o próprio canal, oferecendo viagens aos transeuntes mais ousados, que pretendessem ver dos céus a linha do muro de Berlim, que assim se desenharia de forma mais perfeita e perceptível. Um dos candidatos ao voo tinha um nome parecido com o senhor Cunha, com mais um "l" apenso ao fim. Queria ver se era mesmo verdade aquela história de ser possível contemplar mais uma vez o estupendo muro das liberdades condicionais. Não lhe cobraram bilhete e convidaram-no amavelmente a entrar. Apontaram-lhe várias dezenas de câmaras, que existiam no interior do aparelho, prontas a dissecar ao mais ínfimo pormenor os actos, trejeitos, medos, esgares e convicções aprimoradas dos temporários habitantes da nave dos céus. "Obviamente, não confirmo nem desminto." "Olhe que sim, olhe que sim. Olhe que o muro foi uma das melhores coisas que se fizeram por aqui e pelo mundo fora. Se tal não fosse verdade, vocês não poderiam hoje estar a tentar ganhar dinheiro às minhas custas." E assim se estabeleceu um profícuo diálogo entre o cavalheiro e os seus carcereiros de voo. Lá de cima, a linha ténue do muro não era tão nítida como se esperava. Era necessária uma pequena lupa, que foi prontamente fornecida assim que solicitada pelo interessado. Que cousa bela era de se ver, assim marchetado de mágoa e de piadade, essa palavra arcaica, apartado de uma causa que não podia apartar-se. Lentamente, colocaram-lhe um pára-quedas e enquanto absorto no seu enlevo ideal, empurraram-no para fora do veículo. "É só agarrar com força a faca que roubámos ao senhor que ia sentado ao pé da abelha maia pela lâmina dentada e puxar. É tiro e queda." Obecedeu. Foi como se um tiro se disparasse pela sua mão. Reconfortou-o a cor do sangue que se mostrou: era a cor certa. A queda foi suave. Aterrou. À sua espera, estava um arrumador, que freneticamente fazia sinais inúteis. Estendia a mão despudoradamente. "Não tenho nada para te dar, a menos que queiras lutar pela causa." "Quero lutar pela causa." "Toma. Ofereço-te esta faca. O dono dar-te-á bom dinheiro por ela." E apanhou uma bicicleta que ia a passar. Pedalou cerca de 3,75km até chegar a um restaurante onde entrava Rambo, acompanhado pelos 3 porquinhos. Entrou. Pediu a ementa. Constavam pedras, cimento e outros pratos mais leves. Gostava de pratos da pesada, portanto pediu um saco cheio de pedras e muito cimento. Alguns quartos de hora depois, construíra um muro à sua volta, para se libertar.

A luz penetrava luminosa pelo cone envidraçado. Rambo, no cárcere, sentia-se invadir por uma sensação de liberdade, provocada pelo efeito libertador da luz. Optou por meter conversa com os três porquinhos.
         - Então vós sois grandes amiigos do Bronson. Há quanto tempo o conheceis ?
         - Aí há uns seis minutos e mmeio - respondeu o mais velho, que parecia ser o porta-voz.
         - És o porta-voz dos três porrquinhos ?
         - Não. É o meu irmão mais novo. Só que a polícia proibiu-o de transportar qualquer tipo de voz, sob pena de ver a sua pena agravada.
Rambo reflectiu pausadamente nas palavras que iria proferir em seguida, quando o porquinho o interrompeu.
         - Sinceramente, com toda a admiraç&ão que me mereces, tenho que te confessar que sempre te considerei uma besta, um animal desprovido de neurónios e um vampiro com balas em vez de dentes.
         - Obrigado pelo elogio, amigo ! - Rambo, eemocionado - Vamos comer ! Quero oferecer-vos um almoço. Ouvi dizer que há aqui vários bons restaurantes, nesta prisão. Estava a pensar ir a um restaurante muito especial ... deixa ver ... se calhar é melhor irmos vendo as ementas. Que dizeis ?
         - Bora
Desceram a rampa. Andaram cerca de 100 metros. O muros transparentes pareciam alargar-se, à medida que andavam um pouco mais. Rambo vislumbrou o que pareciam ser animais sentados em mesas transparentes. Ao aproximar-se, detectou que a sua primeira observação havia sido incorrecta.Tratava-se de uma série de restaurantes transparentes, com mesas transparentes, talheres transparentes, com pessoas ( e não animais ) a comer. Rambo confessou aos seus novos amigos que gostaria de comer no McDonalds transparente, ao que eles anuiram, sem hesitações. Entraram. Com alguma surpresa, constataram que não havia o habitual balcão para pedir a comida e que se tinham que sentar numa mesa, à espera de serem atendidos. Esperaram cerca de dez minutos. Ninguém os atendeu. Rambo pensou que devia ser do movimento, pois havia mais uma mesa ocupada. Os empregados só pareciam ligar à outra mesa e olhavam de esguelha para a mesa de Rambo. Passados mais alguns minutos, Rambo lembrou-se de chamar um empregado e pediu-lhe a ementa. O empregado fez um gesto com a cabeça, consultou os seus bolsos e atirou violentamente um grosso volume contra o rosto tisnado de Rambo, que, desviando-se ligeiramente, conseguiu agarrá-lo com os seus poderosos dentes.
 - Como pode ver pela espessura da nossa ementa, temos uma enorme variedade de propostas gastronómicas. Pelo tempo que levou a chamar pela ementa, pela sua lenta velocidade de leitura  e, com menor peso, através das estatísticas dos clientes anteriores, estimo que o senhor vai demorar pelo menos umas duas semanas para ler a ementa e mais uma ou duas para decidir o que vai tomar. Neste caso, daqui a mais ou menos um mês eu passarei aqui pela sua mesa, para recolher o seu pedido. Nessa altura farei as necessárias encomendas aos fornecedores e contratações de cozinheiros, pelo que tenho o gosto de lhe garantir, que no máximo daqui a dois meses poderá já estar a comer a hamburguesa da sua preferência. Tchüss.
Rambo achou que queria comer um pouco mais cedo, pelo que olhou para os seus companheiros e comunicou-lhes que iriam sair dali para um outro estabelecimento. Sairam. Rambo vislumbrou uma estação de metro. Era o metro prisional. Na placa que indicava a entrada do metro, havia indicações de outros locais úteis. Houve um que lhe captou a atenção: "Pedro dos Leitões Berlim". Não hesitou e apanhou o metro, decidido a levar os amigos porquinhos a um restaurante de qualidade. Apanharam o metro prisional, transparente, envidraçado. Rambo sentiu uma súbita necessidade de saber que horas eram. A Abelha Maia foi a vítima a quem Rambo apontou a sua faca, exigindo-lhe que lhe revelasse que horas eram. Satisfeita a sua lascívia, Rambo ficou contente por saber que àquela hora ainda serviam refeições. Deixou cair a faca no chão, em êxtase, e ficou num estado letárgico durante cerca de uma hora. Quando despertou, reparou que o combóio ainda não havia chegado. O seu olhar de águia, vislumbrou o fim da linha, a um quilómetro. "Senhores passageiros, daqui fala o comandante. Dentro de trinta segundos, as carruagens da frente, que como certamente já repararam, são de vidro, vão despedaçar-se contra o muro de vidro do fim da linha, de modo a que as de trás possam parar com segurança. Aconselhamos os passageiros das carruagens da frente a deslocarem-se para as de trás. Obrigado por terem viajado com o metro prisional.". Rambo reparou que se encontravam na carruagem da frente e disse aos seus amigos: "Não querem ir para as carruagens de trás ?". Os três porquinhos, resmungando, lá aceitaram o convite de Rambo. Caminharam calmamente até ouvirem um grande estrondo de vidros estilhaçados. O metro imobilizou-se e eles sairam. O "Pedro dos Leitões Berlim / Der Peterschweinsberliner" era logo em frente.
Entraram. Sentaram-se. Uma cara conhecida dirigiu-se a eles. Rambo não sabia dizer se seria o capitão Spock ou o almirante Spock, mas as orelhas não deixavam muitas dúvidas. Spock virou-se de costas para eles e entregou-lhes a ementa:
"Muito bom dia. O meu nome é general Spock e sou o administrador da sucursal berlinense do Pedro dos Leitões. Façam o favor de escolher"

Rambo estranhou aquele objecto que se situava junto à sua perna, um prisma quadrangular com quatro cilindros cravados, semelhantes a barras de dinamite, e algumas lanças verticais apontadas para o alto. Analisou não duas, não três, mas uma vez, e pareceu-lhe algo tão estranho como perigoso. Pelo sim pelo não, apontou-lhe uma flecha com cabeça explosiva mas quando retesava o seu arco um dos sem-abrigo interrompeu:
- Ó João Rambo, é só uma cadeira e serve para os humanos se sentarem. Talvez não valha a pena destruir o bairro por tão pouco.
- Porquinho, para ti parece apenas isso, mas eu tenho muita experiência, já vi muitas coisas e nunca vi nada assim.
Teletransportado, o General Spock reconstruiu-se das milhões de luzinhas que formam a matéria viva e esfregou as mãos:
- Há aqui alguma coisa que não seja do seu agrado, caro senhor?
Rambo reflectiu profundamente, em silêncio, durante três minutos.
- Sim. Isto tudo. - e apontou para as cadeiras, as mesas, oss talheres, tudo menos o chão. Como o cliente tem sempre razão, o General, por uma taxa extra, arranjou cuidadosamente um local num descampado ali perto onde Rambo pôde caçar a sua própria comida e onde os seus amigos puderam chafurdar.

Depois do repasto um dos porcos, a boiar numa poça de lama, dissertou sobre o restaurante ideal, que uniria o serviço prandial a outros serviços igualmente úteis, como cortar o cabelo ou engraxar os sapatos. Como era bom um futuro em que houvessem restaurantes-cabeleireiro ou restaurantes-graxistas, pensava alto, enquanto do céu caía um balão cheio de palhaços de um estranho circo.
- Ai! - Disseram os palhaços em uníssono.
- O inimigo! - Respondeu João Rambo, enrolando prontamente uma tira de balas num braço e empunhando, com o outro, uma metralhadora da sua altura.
- Calma, João. - Gritou o porco prudente. - É apennas a campanha do Dr. Jorge Sampaio.

A pequena cabeça de João começou a rodar, a andar à roda. A força centrífuga da sua tontura enviava a sua consciência para fora dos limites dos seus escassos neurónios. Começou a recordar-se da sua infância ... ainda embrião, dado como inviável pelos médicos, fora adoptado por uma família de baratas, que o levara para viver por baixo de uma geleira, local quente e húmido. Lembrava-se com ternura, de como as suas irmãs baratas lhe costumavam sugar os seus neurónios em excesso e os digeriam amavelmente, sem esboçarem a mínima repulsa perante o consumo de tão abjecta substância. Recordava-se, também, das dificuldade de viver num local tão perigoso para baratas e embriões, sujeito a ataques químicos frequentes. As suas amigas baratas costumavam fugir nestas ocasiões de desastre, mas ele não. Ele resistia. Resistia e rejubilava, à medida que os produtos tóxicos iam queimando mais algumas das suas células nervosas. Um belo dia viu-se sozinho, pois as baratas haviam abandonado o seu lar, tendo deixado Rambo entregue a si próprio. Enternecia-se ao pensar na sua alegre história.
Mal sabia que havia sido abandonado pelo seu pai, o porquinho do meio: era fruto de uma relação incestuosa deste com a sua meia irmã. Receando cair em desgraça no meio suíno, procuraram livrar-se de Rambo, injectando-lhe recordações fictícias sobre o seu período de gestação. Como é óbvio, o porquinho do meio também não foi abençoado com uma grande dose de inteligência, pois Rambo não se parecia muito com um porco. Na verdade, Rambo era na verdade filho da tia do porquinho do meio e do lobo mau. O turbilhão aumentou de intensidade. Até os sonhos e pensamentos inconscientes pareceram querer afastar-se para muito longe. Pareceu-lhe a pêra da revolução, ao longe, rodando depressa, tão depressa que ele era incapaz de calcular o seu momento angular. A pêra afastou-se instantaneamente, para o infinito. A conservação do momento angular obrigou a cabeça de Rambo a parar de rodar, igualmente instantaneamente. A violência da desaceleração atirou Rambo ao chão, deixando-o consciente.
Uma figura de sobrancelhas grossas dirigiu-se a ele. Tinha o cabelo branco, grisalho.
 - O camarada parece ter visto a pêra da revolução. Avante camarada ! Acho que encontrei alguém a quem confiar um enorme segredo. Guarde isto. Estude bem o que encontrar lá dentro ! São ensinamentos importantes que recolhi durante as minhas viagens aos países irmãos do pacto de Varsóvia, à semelhança, aliás, do que fiz com os arquivos da polícia internacional de defesa do estado. Até amanhã camarada.
Afastou-se. Rambo sentou-se. Via-se com uma matriosca de vestido preto nas mãos. Era bem pequena por sinal, não mais que cinco centímetros de altura. A sua curiosidade, levou-o a abri-la. Abriu-a. No seu interior estava outra matriosca um pouco maior. Rambo apreciou a qualidade dos seus acabamentos. Abriu-a. No seu interior estava outra matriosca um pouco maior. Rambo apreciou a boa qualidade dos seus acabamentos. Abriu-a. No seu interior estava outra matriosca um pouco maior. Rambo apreciou a excelente qualidade dos seus acabamentos. Abriu-a. No seu interior estava outra matriosca um pouco maior. Rambo apreciou a óptima qualidade dos seus acabamentos. Este processo foi repetido por Rambo mais algumas vezes, até que uma das matrioscas revelou ser uma espécie de armário, mais precisamente um arquivo negro. Rambo ainda não sabia, mas havia encontrado os arquivos secretos de Elena Ceasescu.

Carregue numa matriosca para ter acesso aos arquivos secretos

Hans encontrava-se junto à parede de vidro. Parecia não se lembrar de onde vinha aquilo. Uma dúvida assaltou-lhe a mente: estaria do lado de dentro ou do lado de fora ? Ao ouvir passos na sua rectaguarda, voltou lentamente a sua cabeça na direcção dos mesmos. Era o imperador Adriano, que passeava por ali, alegremente, acompanhado por um pequeno grupo de jovens imberbes.
 - Imperador, estamos do lado de fora ou do lado de dentro ?
 - O meu amigo acha que eu iria estar juntamente com os bárbaros ? Acha que eu me misturo com essa gente ? Não faça perguntas imbecis: "Se não quiseres fazer parte da solução, farás parte do problema"
 - Quando é que farei parte do problema ? -perguntou Platão, antes que Hans conseguisse compreender o profundo significado oculto pelo imperador nas suas palavras.
 - E eu ? Também farei parte do problema ao mesmo tempo, ou será somente depois de Platão ? - perguntou Platão
 - Bem ... acho que serão os dois ao mesmo tempo, desde que ao mesmo tempo não queiram fazer parte da solução.
 - Acha mesmo que existem acontecimentos simultâneos, imperador ? - indagou Platão, ácido e implacável com a débil afirmação.
 - Será possível duas pessoas quererem, simultaneamente, fazerem parte de um problema ? Ou não será antes o caso de uma o querer antes da outra ? - perguntou Platão
 - Talvez ... - disse o imperador embaraçado
 - Ou não será que dois acontecimentos aparentemente simultâneos o são somente aparentemente ?
 - E não será a aparência desprovida de ser ?
 - Parece-me que tendes razão ?
 - Não será uma boa altura de repensarmos a sua frase, meu bom imperador ?
 - Não acha que é melhor rever a sua frase, majestade ?
 - Sim, naturalmente !
 - Então ?
 - Que tal : "Se não quiseres fazer parte da solução simultaneamente com outra pessoa, nunca farás parte do problema"
 - Qual problema ?
 - É uma frase genérica, é um problema genérico ...
 - Um arquétipo ?
 - A ideia de problema ?
 - O númeno ? - Kant juntou-se à conversa.
 - Sim, acho que deve ser alguma dessas coisas ...
 - O senhor sabe que as ideias existem, certo ?
 - De certa maneira ...
 - Será que o que existe poderá fazer parte do que não existe continuando a existir e o que não existe a não existir ?
 - Se calhar não ...
 - O senhor costuma frequentemente falar com algo que não existe ?
 - Recorda-se que só as ideias existem, certo ? O Sr. deve ter estudado isso na escola ...
 - Pensando bem, a minha frase começa a apresentar algumas contradições.
 - Pois é, pois é ! Não estava com atenção, não é ?
 - Acho que já sei. O que eu realmente queria dizer era "Nunca farás parte do problema pois não existes".
 - Assim é que se fala !
Hans, atordoado pela discussão, havia muito que tentava recuperar o fio à meada, quando ouviu um estrondo: era Bronson que,
arremessando um tanque de lavar roupa, tentava quebrar a grossa parede de vidro.

Hans assistia a tudo sem balbuciar uma palavra. Decidiu mudar. Não de forma de agir ou participar no cenário que os olhos observavam e que o espírito apenas vislumbrava, qual pena fugidia, ao sabor dos caprichos do vento, que vai perpassando o chão, sem no entanto o tocar. Havia ali perto uma paragem de autocarros dos cães cinzentos onde vendiam viagens para paragens longínquas, de estradas largas, poços de petróleo e bons bifes, sem priões. Ele nunca gostara do sabor dos priões e sempre sonhara possuir um poço de petróleo. O autocarro da hora partiria dentro de minutos. Não havia tempo a perder. Pediu um bilhete de ida. "O senhor tem a certeza que não deseja regressar? Olhe que não lhe fica mais caro comprar apenas um bilhete de ida! Pense bem. Pense duas vezes. Não pense em alemão". Perante esta afirmação, Hans manteve-se irredutível. "Quero um bilhete de ida e pronto. Se quero ou não voltar é um problema meu e não lhe compete a si soltar assim dessa maneira descaradamente sem pudor essa quantidade absurda de postas de pescada. Cale-se!" O homem, um pouco intimidado reagiu. "Olhe, vá falar assim para a sua terra ouviu? Amuei. Não lhe vendo mais nada e vou-me embora". "Ai é?", retorquiu Hans. "É." "Tem a certeza?" "Sim." "Então, vou abrir o envelope, para vermos sem tem tesouro ou não tem tesouro. Está bem assim?" Mas Hans já estava a falar sozinho. O homem fechara já a bilheteira e desaparecera sem deixar marcas da sua presença. A bilheteira desaparecera com ele. Um cão cinzento veio em auxílio de Hans e levou-o até ao autocarro. Felizmente, Hans aprendera a falar cão alemão e pôde dialogar placidamente com ele. "Para onde me levas?" "Para o autocarro.", respondeu o cão com naturalidade. "Ah, está bem." E assim foram os dois. À porta do autocarro, o cão pediu o bilhete a Hans. Este revelou que não possuía um. O caso mudava de figura. Se não tinha bilhete, tinha que trabalhar para merecer a viagem. Foi-lhe oferecido o posto de motorista. Aceitou. E guiou por muitos quilómetros, atravessando o oceano atlântico em excesso de velocidade. Algumas horas volvidas, sempre ouvindo os passageiros a praguejar violentamente, o destino foi alcançado. Chegara à terra das vacas sãs e dos marinheiros de água doce, protegidos da chuva por portentosos chapéus de aba vagamente circular, de cor branca, castanha ou preta, nos tons mais ou menos clássicos. Como não sabia onde era a paragem, deixou o veículo no meio da autoestrada e foi-se embora. Os passageiros saíram todos e fizeram explodir o autocarro, para poderem simbolicamente deixar explodir a sua raiva. Nisto, surge um oficial americano dos serviços de fronteiras indignado, acusando-os de terem mentido no preenchimento do formulário dos serviços de imigração. Prendeu-os a todos e levou-os para severo interrogatório, que se debruçaria principalmente sobre a primeira alínea do questionário. "Onde estavam os senhores entre 1933 e 1945?" Eram todos jovens entre o 15 e os 40 anos. Um deles confessou ter tropeçado num buraco negro, em 41, e ter aparecido dentro de um autocarro. 10 anos de prisão. Os outros, por nada terem confessado, foram condenados a prisão perpétua, até confessarem, pois no Texas a lei é dura, mas é sempre forte e lei.
 
 





 














O autocarro continuava imóvel no meio da autoestrada. Uma fumaça amarelada começou lentamente a jorrar pelas janelas gastas.
Hans, que recuara em relação ao percurso do autocarro, deparava-se com o estranho desaparecimento de pedras, em pouco sonoros estalidos. Pegou no seu espectrómetro de massa, e tentou descobrir o que se passava. Notava um certo desvio para o vermelho, mas não encontrava uma relação entre o efeito de Dopler e a cor das cenouras. Alguém lhe dirigiu a voz. Era uma figura bem apresentada, sem barba, gravata, fato, sapatos, pasta de executivo.
 - O meu nome é Avladimir Aulianov, empresário de sucesso e consultor executivo do ministério das finanças. Costuma investir na bolsa ?
 - Não, nem por isso ...
 - Isso não vem ao caso. Diga-me: costuma conduzir não é verdade ?
 - Agora que fala nisso, acabei de guiar aquele autocarro que estava ali parado

 O fumo amarelado turvava a vista a Hans, que observava Avladimir através da névoa, Dir-se-ia que a sua pêra inexistente havia sido apagada pelo nevoeiro. As pedrinhas estalavam e desapareciam, à medida que chocavam umas contra as outras. Um outro vulto desconhecido mas familiar, aproximou-se. Vestia uma toga majestática, enfeitado por múltiplos anéis de pedras preciosas, colares de ouro, rolexes e botas de crocodilo. Hans reparou que não possuia barba ou cabelo. Pensou que talvez fosse careca.
 - Quantos carros tem ? - perguntou o homem de costas largas.
 - Eu ? Eu não tenho carro ...
 - Seu malandro, pirata ! - a voz gordurosa de Avladimir - acha isso bem ?
 - Mas não vê que isso é mau ? Você deve preocupar-se com as coisas materiais ! Eu sempre disse que as ideias não existem. O que existe é aquilo que pode ser tocado, medido, vendido. Toco logo existe ! O que é que você tem estado a fazer estes anos todos ? Não me diga que também não tem conta bancária ?
 - Não ... quer dizer, tenho conta mas não tenho dinheiro.

 Avladimir parecia fazer contas.

 - Vou-lhe dizer mais uma coisa: a reminiscência não existe ! Você nasce vazio. Vazio nas suas ideias e nas suas posses. Por mais que eu lhe tente fazer descrever algo que você não conhece, que você nunca viu, você nunca vai conseguir fazê-lo. Por outro lado, assim que eu o deixar ver, tocar, sentir, você passará a conhecer o objecto. Ou, pelo menos, a pensar que conhece. Porque o conhecimento é impossível sem a posse. E a posse é impossível sem o consumo. É isto que eu lhe estou a tentar dizer ! Consuma ! Compre ! Seja feliz ! Vamos todos construir uma sociedade capitalista mais justa para todos, especialmente para aqueles que como eu, foram os inventores do capitalismo selvagem radical. Vamos apoiar a propriedade privada !
 - Amigo - a voz pegajosa de Avladimir - quantas infracções ao código da estrada cometeu durante o último ano ?
 - Eu ? Nenhuma !
 - Como consultor ao serviço do estado, tenho poderes para lhe passar uma multa por conta, pelas infracções que cometeu e que não foram detectadas.
 - Mais ainda, os atenienses decidiram por unanimidade que, pelas mentiras que proferiu nesta audiência e que, apesar de não terem sido detectadas, poderão ser muito graves, terá que pagar uma coima por potencial falta à verdade. Condenam-o ainda a pagar o valor dos carros que já podia ter comprado e que ainda não comprou, sendo este um grave crime de lesa-estado.
 - O senhor vende carros ?
 - Aplatão não vende carros.
 - Dobra a tua língua quando falas com o primeiro capitalista, infiel ! Nunca leste "A Monarquia", de Aplatão ? Ou alguma das minhas obras como "O manifesto Capitalista" ou "A ditadura do capital a caminho do Amarxismo-Aulianovismo" ? Inculto ! Boçal ! A revolução capitalista triunfará !
 - Sabe o que é isto ?
 - Ahh !!!!!! - o grito de Avladimir - Uma foice e um maartelo !
 - Tome esta foice e este martelo, que eu lhe dou.
 No instante em que os objectos tocaram a roupa de Avladimir, esta desapareceu com um estalido familiar, juntamente com a foice, o martelo e todos os outros objectos pertencentes a Avladimir.
 - É um deus ! Ele conseguiu fabricar matéria, quimera de todos os materialistas reduzidos à tirania da anti-matéria !
 Avladimir e Aplatão puseram-se de pernas para o ar, em sinal de respeito e adoração. A névoa amarela transformou-se em nuvens escuras e carregadas. Começou a chover. Só que era uma chuva diferente. Choviam carros. Não faziam barulho ao tocar no chão, não magoavam Hans ao baterem violentamente contra a sua cabeça. Caíam, simplesmente. Quando Hans voltou a olhar para os seus novos seguidores, já mais algumas dezenas se lhes haviam juntado, todos com os pés no lugar da cabeça. O tédio tomou conta dele. Pegou num dos carros e foi-se embora, em direcção ao buraco negro.

Virando-se para o lado, Hans tentou imitar algo que aprendera num passado não muito remoto com um grande camarada seu de primeiro nome John, nome do meio desconhecido e nome do fim Rambo. John Rambo, filósofo bélico de profissão, dono de invejável compaixão. O tratado que este escrevera desaparecera quase instantaneamente dos escaparates. Nunca tinha sido explicado convenientemente ao público em geral se a fugaz permanência no nundo visível desta obra impenetrável se devera a uma avidez inexorável dos consumidores, perfeitamente justificada por uma qualidade ímpar da abordagem aos assuntos tratados, ou se se simplesmente acontecera por motivos diametralmente opostos, de natureza de ausência de qualidade ou de interesse escasso e fracamente abundante. Fosse como fosse, Hans não tinha dúvidas que se tratava de uma obra marcante. A ele tinha-o marcado profundamente. Tentara em vão repetidamente encontrar a obra nas janelas vazias de casas lúgubres e cinzentas, nos caminhos ínvios de florestas mal podadas, em mares já navegados e poluídos, nas encostas desabrigadas de montanhas, em cascatas secas e sem água, em charcos imundos e enternecedores, em vielas estreitas estriadas pejadas de ovos estrelados e mexilhões, em canais oblongos e afunilados, pelos caminhos tristes do mundo trilhados sem vontade, mas com ardor. Nunca lograra alcançar o seu objectivo. Mas isso não o impedia de guardar sempre um carinho especial para a obra desconhecida. Objecto de desejo inconsciente. O fruto proibido, que o destino proibira. Aprendera
muito com Rambo. A perseverança fora uma grande lição que traria sempre consigo. Mas agora, o mestre falava com ele, dizendo-lhe que a perseverança sem temperança não era nada. Hans estavo calmo e contemplava os monges budistas modernos que se entregam a desportos de
rede e raquetas, com bolas e penas saltitantes, de índole vagamente profana, mas apenas um pouco vagamente, diga-se. Não resistem também a
escutar as vozes das cantigas de grupos de inspiração duvidosa, de musicalidade discutível, de melodia indiscernível. E assim vão os
claustros orientais, com a cumplicidade inocente do sol poente que do horizonte se vai erguendo a pouco e pouco. Ao contemplar os monges, ao
contemplar-se a si mesmo, via-se despojado num espelho de vidro quebrado em mil pedaços, em mil pequenas facetas fragmentárias que
unidas em coligação democrática unitária trabalhavam para construir a imensidão una do seu ser. Sim, Rambo tinha-o ajudado. E não o tinha
ajudado pouco. Tinha-o ajudado muito. Não duvidava profundamente dos seus ensinamentos. Limitava-se a aceitá-los, placidamente, sem hesitar
e deixando que um sopro de leves penas o elevasse qual técnico de levitação aplicada. E viajou sozinho por eternos instantes,
relembrando paisagens que nunca vira e visitando paragens inexistentes. E depois ergueu-se, rejuvenescido, para voltar à realidade.

Hans pediu que o desculpassem por alguns instantes. O encontro com Avladimir e seus apaniguados revelara-se bastante exigente para as suas parcas forças. Caminhou um pouco e entrou num restaurante de seu nome "Abelha das maçãs", onde, pelo nome, deveriam servir
apetitosas iguarias para o espírito. Aguardou alguns instantes, até que uma empregada viesse até si, transportando um grande sorriso nos lábios. "Olá, o meu nome é Idun, sou a guardiã das maçãs da juventude. Serei responsável por si esta noite. Em que posso
ajudá-lo?". Perante tão amável e jovial voz, Hans só pôde responder: "Bem, eu queria uma mesa voltada para os mares das descobertas introspectivas das jornadas de autodescoberta. Pode ser?". "Os seus desejos são ordens para nós. Mas infelizmente, só temos uma mesa.
Não se importa de a partilhar com os presentes? Tentamos que os nossos comensais se sintam como fazendo parte de uma grande família de  comilões. Pode ser? Pode?". Hans pediu alguns instantes para reflectir. O nome Idun parecia-lhe familiar. Parecia-lhe um nome lendário e mitológico,
ligeiramente próximo de um outro de uma senhora que tecia nuvens e que já tinha atravessado o seu caminho havia alguns episódios atrás. Ousadamente, na sua opinião, optou por aceitar. "Aceito." "Fez uma excelente escolha. Quer um lugar para fumador ou para não fumador?" "Desculpe, mas não me tinha dito que só havia uma mesa?" "É verdade, mas gostamos de dar aos clientes a ilusão de poderem escolher. E no fundo podem, pois um dos lados da mesa tem o sinal de não fumadores em cima, enquanto que o outro lado não tem. Tem pois a hipótese de escolher de que lado da mesa deseja ficar." "Olhe, deixo isso ao seu critério. Tem ar de moça atilada e ajuizada. Está bem assim?" "Obrigado senhor. Venha comigo." E ele foi com ela, seguindo-a qual cego fora da estrada, esperando alcançar o verdadeiro caminho que procurava, mas sem nunca lograr encontrá-lo. Fê-lo  sentar-se e deixou-o com a ementa. Ao seu lado, estava um sujeito de ar agressivo e maciço, mas ao mesmo tempo um pouco macilento e condescendente. Apresentou-se: "O meu nome é Hans e o seu?". O outro olhou-o atónito e retorquiu: "O meu nome é Vili. Sou irmão de Odin. Esse palerma aí ao seu lado chama-se Ve e também é irmão de Odin. Quanto a esse terceiro que vê à sua frente é Vidar." "Também é irmão de Odin?" "Não, estólido, é filho de Odin. Você tem propensão para a blasfémia, não tem? Senta-se num banquete divino e nem conhece os seus anfitriães?" "Perdão, mas eu só vim aqui para comer. Se quisesse apregoar e praticar a blasfémia não teria vindo para aqui. Aliás, foi Idun quem me convidou. Mas já que aqui estou, talvez me possam ensinar qualquer coisa. Têm alguma coisa para me ensinar?" As divindades ficaram um pouco baralhadas com a pergunta e viraram-se para Bragi, o deus da eloquência, ao que este respondeu: "A forma mais eloquente de respondermos a esse energúmeno é mantermo-nos calados, para que aprenda a medir as distâncias. Ele tem que aprender a utilizar o sistema métrico. Os demais estão fora de moda, decadentes e obsoletos. Passo a palavra a Forseti, tendo a certeza que fui eloquente." Hans ficara muito impressionado com a intervenção cabal e
revolucionária do deus da eloquência e iria escutar a voz daquele que recebia agora o testemunho da palavra. Mas nenhuma palavra sonora se fez escutar. Apenas uma onda de meditação invadiu a sala, arrebatada pelo silêncio. Forseti era o deus da meditação e falar não era um hábito que pertencesse ao seu quotidiano. Hans sempre fora um bom meditador, mas o seu estômago insistia em não aceitar o silêncio. Idun, adivinhando
o seu pensamento, trouxe-lhe um pouco de Hidromel, acompanhado por uma cabeça de borrego frita como galinha, à boa moda do texas, adaptada aos gostos mais divinos, da divina casa de Aesir. Hans vomitou antes de provar e não pagou, embora tenha deixado uma pequena gorjeta, para homenagear a boa vontade da sua anfitriã. Os deuses continuaram em meditação letárgica, enquanto o plebeu ficou novamente com
vontade de regressar à companhia de Avladimir e abandonou o templo da guardiã das maçãs da juventude.

Um dia Hans apanhou o vírus da imortalidade e esteve doente durante três mil milhões de anos. Durante esse tempo sobreviveu a três cataclismos
planetários e uma guerra nuclear a larga escala. Pôde observar então, com calma, a regeneração da vida na Terra desde o primeiro ser monocelular até ao Dr. Jorge Coelho e reparou que era tudo demasiado lento, monótono e determinístico para o seu gosto, para além de não haver grande diferença
entre as pontas da evolução.

Toda a história se repetia inevitavelmente dando um pontapé às excitantes teorias da imprevisibilidade. Hans cuspiu para o chão indignado com todos
os que tinham um discurso de luta e de mudança. "- MALDITA CHUSMA DE HIPÓCRITAS!!!!!", ponderou calmamente. Mas o Sol estava a despedir-se. Depois de tanto tempo activo estava prestes a explodir, como uma verdadeira estrela. Hans suspeitou e foi beber uma Cola.

Adormeceu. Sonhava com o mito do eterno retorno. "Einmal ist kein mal", pensava pensar ( "Uma vez é nenhuma vez" ). A sua leveza elevava-o ... mas
quanto mais alto, maior a queda, visto que a energia potencial aumenta, e mesmo que seja leve, quando bater no chão leva um grande chapão, devido à
elevada quantidade de movimento.
Acordou repentinamente. Estava num lugar húmido, fétido, escuro. Aranhas, baratas e outros familiares passeavam alegremente à sua volta. Encontrava-se sentado, cordas velhas amarravam-no à tábua de madeira desconfortável, as das mãos estranhamente cortadas por uma fina lâmina. Pareceu-lhe já estar ali havia imenso tempo, pois o seu corpo encontrava-se sujo e cheio de pó.
Soprou contra o pescoço. Uma nuvem de poeira se levantou. Libertou os braços das cordas velhas e reparou que não tinha nada vestido. Procurou afastar a sujidade do seu peito. Agulhas picavam-no, ligadas a tubos finos ligados a um pequeno pote contendo um líquido vermelho escuro, espesso por baixo, líquido por cima. O pavor tomou conta de Hans que num frenético furor arrancou as agulhas e partiu as cordas com os braços atrofiados. Com grande esforço, conseguiu cair da tábua, que se encontrava elevada um ou dois centímetros do chão. Ainda mais esforçadamente, dirigiu-se ao que lhe pareceu ser uma porta providencialmente aberta. Uma porta após outra ele atravessou, até alcançar uma saída. Chovia. Um rio corria nas proximidades. Desmaiou na margem oposta.

Hans acordava agora, lentamente. Imagens difusas e claras apareciam-lhe agora à vista desarmada, cuja nebulosidade se foi progressivamente
desvanecendo, até que uma voz lhe disse:
     - Bem vindo ao mundo real !
Era uma figura que vestia um hábito de monge, com um capuz que lhe cobria o
rosto. Ao puxá-lo para trás, revelou-se a face pacífica de João Rambo.
     - Onde estou ? O que faço aqui ? Onnde estava eu ?
     - Agora estás connosco, irmã;o. Estás na caverna dos monges solipsistas. Estás aqui para salvar o mundo.
     - Salvar o mundo ? De que falas, esp&eacutte;cie de barata sem cérebro ?
     - Compreendo que a irritaçãoo e a ansiedade tomem conta de ti, mas este, é o mundo em que realmente vives. Um mundo de trevas. Na realidade,
não vives no século XXI como pensaste durante toda a vida, mas no século XVI, num mundo onde os senhores da inquisição criam seres humanos para alimentarem a sua sede de sangue. Mantém-nos em cativeiro em masmorras escuras, fazendo-os sonhar através de monges copistas trabalhando a tempo parcial como contadores das histórias que eles próprios copiaram, e através de doses maciças de LSD concentrado. Ao mesmo tempo, sugam-te o sangue, para se deleitarem com arroz de sarrabulho humano a todas as refeições, pois acreditam que isso os tornará imortais. O vírus da imortalidade, foi apenas uma história que eu te contei ao ouvido para saber se concordavas acordar para o mundo real. Como apanhaste o vírus na tua mente, sabia que querias sair. Fazendo-me passar por monge copista, cortei as cordas que amarravam tuas mãos. E arranjei forma de pôr os monges a dormir um pouco. Depois tu fizeste o resto, como eu já calculava. Porque eu sabia que tu eras "O Ele" !
     - "O Ele ?" O que queres dizer ?
     - Tu és aquele que nos vais salvar ! O teu nome verdadeiro não é Hans, mas Vlad, príncipe da Roménia e Transilvânia e desceste ao mundo para
resgatar a honra dos verdadeiros vampiros !

Não lhe entrava na cabeça. O seu nome verdadeiro não podia ser Vlad. Estava a ser difamado, com a agravante de lhe tentarem lavar o cérebro com água suja. Tal infâmia não poderia ser tolerada de ânimo leve. As gerações vindouras teriam que estar cientes dos perigos das más línguas e das calúnias infundadas. Depois de muito reflectir, ponderada e eficazmente, Hans, sim, era esse o seu verdadeiro nome, resolveu processar a inquisição. O seu advogado era o mesmo que defendera o diabo em muitos casos já registados nos anais do direito penal infernal. De seu nome Luiz Cífer, conduzia brilhantemente as audiências a que era chamado. As suas actuações como actor de um circo de feras mal domadas, envolto numa multidão em turbilhão de exaustão afadigada, apupando-o, insultando-o e vilipendiando-o, enchiam-lhe
1t  a alma de uma paz indizível. Estava consciente do seu valor e foi com essa consciência e também com aquela do dever pecuniário para com o seu novo constituinte que aceitou o caso com prazer. Iriam processar a inquisição. A queixa foi apresentada nas instâncias adequadas e foi feita chegar ao inquisidor mor local. De seu nome Torquemada, cedo se prestou a servir como magistrado máximo durante o julgamento da inquisição. Como havia uma certa onda de contenção de custos no âmago do santo ofício, Torquemada ofereceu-se para actuar também como advogado de defesa, papel esse que o juiz aceitou. Hans foi apresentado a tribunal, na qualidade de réu. Torquemada abriu as hostilidades.
     - Caro amigo Hans. O senhor é acusaado de comparecer neste tribunal com a veleidade de acusar a santa inquisição de acções ímpias. Faça o favor de explicar.
Hans, um pouco aturdido com as palavras que lhe chegavam aos ouvidos, resolveu responder.
     - Meretíssimo. Com todo o respeito que me desmerece, não o autorizo a chamar-me amigo.
     - Não se considera portanto amigo dda Santa inquisição.
     - Não me considero nem amigo, nem aa considero Santa. E já agora, ponho também em causa a sua autoridade e imparcialidade para julgar este caso.
     - Porquê?
     - Conhece Luiz Pereira de Sousa?
     - Sim, é um apresentador de televissão do futuro. Conheci-o na obra de Nostradamus. Porquê? Tem alguma queixa contra ele? Há algo que ele tenha feito que contrarie as directivas impostas pela santidade da nossa Santa inquisição? Diga! Fale! Não se cale!
     - Não sou douto nesses assuntos, maas acredito que ele esteja inocente, pelo menos por agora. Não era aí que queria chegar, meretíssimo Tomaz de Torquemada. Só lhe queria dizer, citando esse nobre cavalheiro do futuro, que as minhas dúvidas são apoiadas em razões óbvias.
     - O senhor vai ser multado por desrespeitoo ao tribunal. Advogado de defesa. Ordeno-lhe que chicoteie o acusado.
Luiz Cífer, a quem ainda não fora dada a palavra, titubeou um pouco, mas anuiu. Pegou num chicote e lançou-o sobre Tomaz.
     - Palhaço!! O que está a fazzer? Agride assim o sumo pontífice da Santa inquisição?
     - Mas, eminência... não foi oo que me ordenou?
Hans, sorriu para dentro e resolveu levantar as queixas.
     - Meretíssimo. É só ppara lhe dizer que vou abandonar o tribunal.
     - Tão cedo? Mas o julgamento ainda não tinha acabado, meu caro. Temos piras lá fora que precisam de ser acesas. Temos tochas acesas que precisam de tocar na madeira, para a contagiarem com o seu fluxo amarelo alaranjado, com tons azulados de fumo branco. Não está interessado?
     - Não.
     - Olhe que eu abro o envelope do tesouro. Tem a certeza que não quer?
Hans hesitou.
     - O que quer dizer com tesouro?
     - O tesouro da sabedoria. Nós os innquisidores também lemos Confúcio, antes de queimarmos os seus livros. Agora somos os únicos que o conhecemos.
Mais uma vez, Hans hesitou.
     - Acho que vou pedir a ajuda do púbblico.
Ao ouvir isto, Luiz Cífer, dirigiu-se à multidão, para recolher as opiniões, que cada um deitava secretamente numa caixinha oblonga, de cor acastanhada, com um ranhura para introdução de voto. Luiz revelou ao magistrado:
     - Eminência. O apuramento do escrut&ínio levará ainda alguns instantes, a menos que...
     - A menos que quê, seu palhaç;o? Não pense que eu o perdoei. Eu não tenho medo de ninguém e a mim ninguém me cala.
     - A menos que os monges copistas nos empreestem os seus computadores imaginários.
     - Bem pensado. Consinto.
E assim foi. O público esmagadoramente aconselhava Hans a ficar com o envelope.
     - Quero que abra o envelope. Presumo que ffico com o que está lá dentro, não é?
     - Sim. É verdade. Abro-o?
     - Abra-o. Quero o conhecimento. Quero conhhecer. Quero saber.
     - Vou abrir.
E puxando lentamente as pontas coladas com o lacre vermelho da inquisição, Torquemada abriu o sobrescrito.
     - O amigo acaba de ganhar uma viagem para a Roménia, onde deverá continuar a sua jornada de auto-descoberta.
Hans reagiu mal.
     - Não quero! O meu nome não é Vlad! Não quero ir para esse sítio! Tirem-me deste filme. Era isso que eu vinha provar a este tribunal! Não me chamo Vlad!
Torquemada sorridente e com uma aura paternal e seráfica voltou-se para ele e disse-lhe, fazendo um gesto para os seus sequazes portadores de lanças:
     - Levem Vlad para o coche forte e ordenem aos cavalos que só o deixem sair em Bucareste.
 
 
 

Entrou no coche forte a contragosto. Os portadores de lanças gritaram em uníssono:  "Cavalos, ordenamo-vos que só os deixeis sair em Bucareste". Os equídeos anuiram, fazendo que sim com a cabeça, e fizeram-se à estrada.
Hans ainda um pouco aturdido, ouvira o plural na frase dos portadores de lanças: "OS DEIXEIS". Esta frase pusera-o a pensar que talvez houvesse mais alguém no cofre forte.Num lampejo de perspicácia, ocorreu-lhe que talvez pudesse confirmar esta suspeita se olhasse para a frente em vez de olhar para chão. Olhou em frente. Vislumbrou vários vultos. Um deles, de capuz, ajoelhou-se e beijou-lhe a mão:
                         - A tua benção, Vlad, pr&iaccute;ncipe dos vampiros - era João Rambo.
                         - Mas ?! Que melga ! Já disse que nnão sou Vlad ! - e afastou-o com um esgar.
                         - O teu destino cumpre-se ! Regressas agorra ao teu reino, coberto de glória - exclamou um desconhecido.
                         - Coberto de glória ? Preso num carrro forte da inquisição ? Mas onde é que você aprendeu a pensar ? Sabia que pode processá-los por o terem enganado ?
                         - Ainda bem que me dizes isso. Estou mesmoo a precisar de indemnizações. Achas que eles podem pagar em sangue em vez de dinheiro ?
                         - Quem é você ? Deve ser o hoomem-disparate, porque cada vez que abre a boca não sai nada de jeito !
                         - O meu nome é Nosferatu, um teu huumilde servo, ò nobre príncipe. Desculpa-me se o meu discurso te desagrada mas a tua cólera só prova que nós temos razão.
                         - E porquê ?
                         - Porque estás a ser mau. E Vlad Drraculia só pode ser mau.
                         - Desculpem a interrupção, mmas eu preciso de interrogar Vlad sobre os seus sonhos - exclamou uma nova e misteriosa personagem de barbas e de barrete comprido. - Diga-me, que guerras importantes é que você pensa que aconteceram no século XX ?
                         - As duas grandes guerras mundiais, variaddíssimas outras mais pequenas ... uma que me lembro que aconteceu recentemente foi a guerra do Golfo, que ocorreu depois de um déspota ter invadido um país vizinho.
                         - Perfeito, perfeito. E diga-me: houve alggum dirigente importante que tenha sido assassinado ?
                         - Sim, vários ... por exemplo o Kennnedy, em 1963.
                         - Hum, compreendo. Algum tirano que ache pparticularmente relevante ?
                         - O Adolfo Hitler, que após ter subbido ao poder, provocou uma guerra de proporções mundiais ... mas porque me faz essas perguntas ?
                         - É que eu estou a escrever um livrro de profecias e achei que você seria uma óptima fonte de inspiração. O meu nome é Nostradamus, e vergo-me perante o vosso poder e majestade - ajoelhou-se e beijou-lhe a mão.

Subitamente, os cavalos pararam. Começaram a relinchar, parecendo querer dizer que haviam chegado ao destino.
As portas abriram-se. João Rambo saiu. A desolação e irritação estampadas no rosto:

                         - Bolas ! A inquisição &eacuute; mesmo estúpida: fiar-se no sentido deorientação dos cavalos ...

Haviam chegado a Vladivostoque.

Hans havia chegado a Vladivostoque. Uma multidão de vampiros aguardava-o. Enquanto esperavam, estavam a ver o Drácula de Bram Stoker, na versão realizada por Coppola. Um deles, lia em voz alta, em simultâneo com a película, o texto integral da obra, de modo a aferir a fidelidade da adaptação. A noite dominava o cenário, iluminado apenas por uma dúzia de fogueiras grandes, alaranjando os rostos na escuridão. De súbito, Nostradamos e Nosferatu, gritaram em uníssono:

                        - Que as trevas se abatam sobre vóss, oh infiéis, se não vos prostrardes aos pés do vosso príncipe.
                        - Vlad ! - gritou um coro de 7645 vozes doo tipo baixo profundo, a carruagem a estremecer.
                        - Seus estúpidos! Vocês achamm mesmo que eu sou príncipe de alguma coisa?
                        - Vlad! Vlad! Vlad! Vlad! Vlad! Vlad! Vladd! Vlad! (...) -depois das palavras de Hans, o coro continuou incessantemente a repetir o seu nome, apoteoticamente.
                        - Isto é real?  Antes que se aapercebesse que a pergunta não era com ele, Nostradamus respondeu:
                        - É, mestre.
                        - Diga-me Nostradamus, você faria tuudo o que eu lhe pedisse?
                        - É, mestre.
                        - Anuncie a esta chusma de imbecis, que euu só aceito reinar aqui, se você me responder a uma pergunta simples, em menos de um minuto.

O futuro profeta pegou então numa trombeta e bufou com todas as suas forças. A seguir, um silêncio glaciar.

                        - Amigos, o nosso príncipe pediu-mee para vos anunciar que só reinará aqui se eu lhe disser qual é a raiz quadrada de cinco.
                        - ? - Disse Hans, espantado.>
                        - Reinar ? - gritou o coro, que parecia teer ensaiado durante semanas - Olha lá o pulha! Ainda agora chegou e já quer reinar! Viva a anarquia! Abaixo a ostentação burguesa! Abaixo o poder monárquico e déspota que aqui se estabeleceu!
                        - Mas - Hans baralhado - eu prometo que o meu regime será de esquerda!
                        - A raiz quadrada de cinco é 22.
                        - Vlad I ! Vlad I ! Vlad I ! Vlad I ! Vladd I ! Vlad I ! (...) - o coro recomeçou incessantemente a repetir o seu nome,
apoteoticamente.

Sem que Hans reparasse que tudo corria ao contrário do que pretendera inicialmente, Nosferatu e Rambo  coroavam-no Rei.

O rei Hans ficou um pouco surpreendido com o seu novo título e pediu provas que comprovassem a veracidade da afirmação de todos aqueles que o rodeavam. Nostradamus, experiente com situações desde tipo, não se mostrou nem incomodado, nem incomodado. Apenas um pouco impaciente.
- Mestre, a prova que quereis, chegará  pelas mão daquele missionário que vedes ao longe, naquela montanha. Conseguis divisá-lo?
Hans, olhou atentamente para o horizonte, mas nada conseguiu ver. Em seu bolso, havia um par de binóculos de longo alcance. Retirou-os do bolso e apontou-os para o local que Nostradamus lhe apontara.
- Sim, vejo um cavaleiro cavalgando pela esquerda, trazendo uma bolsa bojuda. Queres explicar-me o que contém a bolsa?
- Não.
- Mas eu sou o rei. Exijo saber.
- Está bem, mestre. O vosso desejo é uma ordem para todos os vossos súbditos. É um mensageiro do papa, que transporta a bula papal que vos confirma como rei deste imenso império.
- Perfeito. A partir do instante em que a bula seja lida, posso tomar posse, não posso?
- É assim, mestre.
- E a partir dessa altura, posso também tomar medidas acertadas e agir despoticamente como um rei, não posso?
- Se para tal a vossa razão vos orientar, é claro que podeis mestre. Sois um monarca de direito divino, por decreto papal.
- Então, aguardemos o mensageiro, enquanto preparo as minhas primeiras acções como rei deste bando de ineptos.
Algumas horas se passaram até que o mensageiro, esfomeado e de garganta seca, se aproximasse o suficiente para ouvir a multidão clamar pela leitura clara, imediata e cabal da tão aguardada bula.
- Estou cansado - disse - deixai-me repousar alguns instanntes.
E parou, deixando o cavalo prosseguir caminho, levando a bula no seu dorso. Hans, não esperou pelo mensageiro e dirigiu-se ao cavalo, que entretanto se aproximara, retirando-lhe a bula. Pediu a Nostradamus que a lesse.
- "Eu, papa, abaixo assinado, declaro que Hans é o novo rei. Pontificamente, o Papa". Sois rei, mestre.
- Obrigado, amigos e amigas, que tão calorosamente me acolhestes neste mar sujo, que é esta hedionda floresta vermelha. Agora, que monarca me tornei, não por vontade própria, mas alheia, sem me ter candidatado a qualquer cargo, como alguns que andam por aí na Bulgária e arredores, vou agir como rei que sou.
- Dizei mestre, aguardamos os vossos desejos.
- Sim. Não demorarei mais a transmitir-vos os meus desejos. Abdico a favor de Nostradamus e ordeno que seja rei contra a sua vontade.
- Com prazer, mestre. O vosso desejo é uma ordem. Só não sei se estarei à altura do cargo.
Hans já desaparecera pela porta das traseiras, com a ajuda do puro sangue que lhe trouxera a bula papal. Atrás de si escutava a multidão extática aclamando o novo rei Nostradamus, como príncipe eterno da classe vampira. Cavalgou durante longas horas, longos dias, longas noites, semanas e meses. Quando as suas forças já quase se esgotavam, colidiu com a muralha de Adriano, que ali estava havia muito tempo para impedir a entrada de estranhos. O cavalo recusou-se a entrar e foi-se embora, apanhar ar, banhar-se num qualquer rio das proximidades. Hans, não se sentiu ofendido e saltou para o outro lado da muralha, onde a relva era mais verde e as rochas mais rochas. Parou. Contemplou a paisagem, inalando um pouco de ar fresco e pensou que gostava daquele local. Estava com fome. Não comera desde que saíra da reunião no reino estranho sem nome. Ouviu uma voz que gritava:
- Haggis! Haggis fresquinho, acabado de fritar!
 

....continua

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