8- Os espectros de absorção no visível

          Considere um íon Ti3+, de configuração d1, no centro de um campo octaédrico, como, por exemplo, o [Ti(H2O)6]3+. O elétron d ocupará um orbital t2g. A irradiação com luz de frequência igual a 10Dq/h, onde 10Dq é a diferença de energia entre t2g e eg e h é a constante de Planck, poderá provocar a absorção de um quantum de energia pelo íon e a conversão desta energia na transferência do elétron do orbital t2g para um orbital eg. A banda de absorção que resulta desse processo encontra-se na região visível do espectro do complexo [Ti(H2O)6]3+ e é responsável pela sua coloração violeta. Duas são as características importantes desta banda: sua posição e sua intensidade.

          As transições d-d geralmente têm valores de absortividade molar menor que 100, enquantos outras transições possuem valores superiores a 100. As bandas que surgem no espectro de absorção de um complexo podem estar relacionadas a vários fatores:

          As transições proibidas (veja mais detalhes na espectrometria no UV) têm intensidades muito baixas (formam apenas ombros no gráfico, e não picos) ou podem não ocorrer. A princípio deveríamos imaginar que as transições proibidas, por definição, nunca deveriam ocorrer. No entanto, em uma transição d-d, outros fatores não considerados perturbam ligeiramente as suas conclusões. Num complexo não existem apenas orbitais d. O metal também possui orbitais p, que apresentam lobos semelhantes aos dos orbitais d. Algumas vibrações dos ligantes permitem a mistura de alguns traços de orbitais p nos orbitais d. A transição, portanto, não é d-d pura, pois tem um pouco de intensidade característica das transições p-d ou d-p. As bandas correspondentes às transições d-d são sempre fracas, pois são proibidas, e a pequena intensidade que apresentam é proveniente dos desvios em relação ao caráter puro d-d.

picos e ombros no espectro

          As transições permitidas têm, em geral, absorvância da ordem de 103 até 104. Foram estabelecidas duas regras para se determinar se uma transição é proibida ou permitida: As transições permitidas devem respeitar pelo menos uma dessas regras (Veja mais detalhes sobre os termos de Russel-Saunders):

          Permissão por spin - A soma total de spins (S) dos orbitais envolvidos com a transição no complexo deve ser igual a zero: DS = 0

          Permissão de Laporte - A soma dos números quânticos azimutais (l) dos orbitais envolvidos com a transição no complexo deve ser igual a 1: Dl = 1

          Vejamos um exemplo para ilustrar essas regras:

          Suponha o seguinte complexo: [Mn(H2O)6]2+. Sabemos que o manganês tem configuração 3d5, e o complexo é octaédrico, portanto, tem desdobramento t2g eg. Considerando uma transição d-d, teríamos a seguinte possibilidade:

             orbitais eg   
                   orbitais t2g   
   
           orbitais eg   
                    orbitais t2g   

S = 2,5                                                        S = 1,5

          Perceba que a soma de spins (S) foi alterada de 2,5 para 1,5. Logo, a diferença entre os dois estados é diferente de zero. A transição é proibida por spin e também por Laporte, já que a transição é d-d, ou seja, o número quântico azimutal não irá variar, pois o elétron saiu de um orbital d (l = 3) para outro orbital d: A soma 3 + 3 é diferente de zero. No caso de uma outra transição, s-p, por exemplo, ela seria permitida por Laporte, pois o elétron sai de um orbital s (l = 0) para um orbital p (l = 1), e a soma 0 + 1 é igual a zero.

          Os íons com apenas um elétron d apresentam apenas uma banda espectral, pois possuem somente uma transição eletrônica possível. Nos íons com mais de um elétron, os espectros têm mais de uma banda e a interpretação exige um desenvolvimento mais minucioso da teoria. Podemos, no entanto, adiantar que, nas espécies com mais de um elétron, ocorrem acoplamentos de spins e de orbitais, que alteram as energias dos orbitais e, por isso, surgem bandas de diferentes intensidades no gráfico.


        9- Os orbitais moleculares nos complexos

          Antes de prosseguir com o texto, veja a base da Teoria do Orbital Molecular (TOM), para entender melhor a aplicação dessa teoria nos compostos de coordenação (complexos). Enquanto a Teoria do Campo Cristalino (TCC) supõe que as ligações metal-ligante têm caráter iônico, a TOM incorpora a ligação covalente. Considere um elemento da primeira série de transição formando um complexo octaédrico, como, por exemplo, o [Co(NH3)6]3+. Os orbitais atômicos do Co3+ usados para formar orbitais moleculares (OM) são os orbitais 3dz2, 3dx2-y2, 4s, 4px, 4py e 4pz. Um orbital atômico de cada NH3, contendo um par de elétrons, também participa da formação dos orbitais moleculares. Há, pois, 12 orbitais atômicos que se combinam para formar 12 orbitais moleculares (seis OM ligantes e seis OM antiligantes). Os 12 elétrons provenientes dos seis pares isolados dos ligantes são colocados nos seis OM ligantes, o que explica as seis ligações formadas.

          O íon Co3+ possui outros orbitais d: 3dxy, 3dxz, 3dyz. Estes orbitais formam OM não-ligantes, e não contribuem em nada para as ligações. Como vemos no diagrama abaixo, todos os OM antiligantes estão vazios. Podemos prever que o composto seja diamagnético, já que todos os elétrons estão emparelhados. O composto também deverá ser colorido, já que é possível a transição eletrônica d-d dos orbitais não-ligantes para os orbitais antiligantes eg*.

diagrama de orbital molecular para o [Co(NH3)6]3+

          Um diagrama semelhante de OM pode ser construído para outros complexos, como o [CoF6]3-, por exemplo. Contudo, as energias dos orbitais 2p do F- são muito menores que as energias dos orbitais correspondentes do N no NH3. Isso altera o espaçamento entre os níveis de energia dos OM. Como vimos anteriormente, na série espectroquímica dos principais ligantes, o fluoreto é um ligante muito mais fraco do que o NH3. Também vimos que os ligantes de campo fraco normalmente geram complexos de spin alto (veja mais detalhes aqui). Assim, no [CoF6]3-, os elétrons d não-ligantes não se emparelham como no [Co(NH3)6]3+, porque haveria um ganho de energia se os elétrons fossem emparelhados. Por causa disso, o [CoF6]3- apresenta quatro elétrons desemparelhados (paramagnético). Serão, portanto, quatro OM semipreenchidos: dois OM não-ligantes e os dois OM formados a partir dos orbitais atômicos 3dz2 e 3dx2-y2 do metal.


          9.1) A força dos ligantes nos complexos:

          O grande êxito da TOM aplicada aos complexos é poder explicar com facilidade como metais em baixos estados de oxidação (por exemplo, no [Ni(CO)4], onde o Nox do níquel é zero) podem formar complexos. É impossível explicar qualquer força de atração entre metal e ligante nesses complexos utilizando a TCC, por causa da inexistência de carga no metal. A TOM também ajuda a explicar a posição de alguns ligantes na série espectroquímica. Ocorrem dois casos:

          Receptores pi - Os ligantes podem atuar como receptores de elétrons pi do metal. Ligantes como CO, CN- e NO+ possuem orbitais p vazios, com a simetria correta para permitir interação com os orbitais t2g do metal, formando ligações pi. Esse fenômeno é conhecido como retro-ligação. Normalmente os orbitais p dos ligantes têm energia maior do que os orbitais t2g dos metais. Ligantes que atuam como receptores pi localizam-se à direita da série espectroquímica.

          Vamos exemplificar o mecanismo da retro-ligação com o ligante monóxido de carbono (siga a ilustração abixo). O CO tem um par de elétrons livres em sua estrutura, que então podem ser coordenados a um metal (1). Ocorre também a doação de outro par eletrônico proveniente da ligação coordenada C-O (2), pois a estrutura formada é mais estável. Como dissemos anteriormente, o CO tem orbital p* vazios (veja aqui o diagrama de OM para o N2, que é o mesmo para o CO), que podem comportar pares de elétrons. E como sabemos, os metais têm maior tendência em se oxidar (perder elétrons). Por isso, ao receber o segundo par eletrônico do CO, o metal os "devolve" para o ligante, através de uma ligaçao pi (3). A estrutura metal-ligante então fica em ressonância: M-CO <---> M=C=O (4). Ora, uma estrutura ligada por ligação dupla e que apresenta ressonância torna-se muito mais estável. Daí o ligante CO ser um dos mais fortes e estáveis da série espectroquímica.

retro-ligação

          Doadores pi - Os ligantes podem atuar como doadores pi, transferindo elétrons para o metal através de interações p bem como de interações s. Ligações pi desse tipo ocorre geralmente em oxoíons de metais em estado de oxidação elevado. Ex: [MnO4]- e [CrO4]2-. Os orbitais p dos ligantes têm energia menor do que os orbitais t2g dos metais. Ligantes que atuam como doadores pi localizam-se mais à esquerda da série espectroquímica.

Série espectroquímica:  CO > CN- > fosfino > NO2- > fenil > dipiridino > en > NH3 > CH3CN > NCS- > oxalato > H2O > OH- > F- > NO3- > Cl- > SCN- > S2- > Br- > I-


<< Anterior



Química 2000 - Wagner Xavier Rocha, 1999