A ESPECTROMETRIA
1- Definição e conceitos importantes
A espectrometria é um conjunto de recursos que nos permite identificar a estrutura das partículas que constituem as substâncias. Atualmente existem tecnologias tão avançadas que se torna possível descrever com precisão a estrutura exata de uma molécula. Os equipamentos modernos permitem detectar os tipos de elementos presentes no composto, a quantidade de cada um deles, a posição tridimensional de cada átomo e muito mais. Esses aparelhos funcionam basicamente a partir de feixes de onda eletromagnética incidentes sobre uma amostra do composto, que então, absorve energia em determinados comprimentos de onda. Os valores da energia e dos comprimentos de onda absorvidos são detectados no aparelho e transformados em um gráfico no computador. É então pela análise desse gráfico que se determina a estrutura da molécula.
Alguns termos básicos devem ser conhecidos:
Comprimento de onda (l) - Distância medida ao longo a linha de propagação entre dois pontos equivalentes que estão em fases adjacentes da onda.
Frequência (u) - Número de ciclos por unidade de tempo.
Transmitância (T) - Razão entre a energia radiante transmitida por uma substância e a energia radiante incidente nessa substância: T = Et/Ei
Absorbância ou Absorvância (A) - log (1/T)
Absortividade molar (a) - Relação descrita pela absorbância dividida pelo produto da concentração C da substância (amostra) e o comprimento óptico (c) percorrido pela radiação: a = A/(C . c )
2- A absorção de energia
Radiação | Comprimento de onda | Energia (kcal/mol) | Efeito causado nas partículas |
Raio Gama | < 120 nm | > 286 | ----- |
UV no vácuo | 100 - 200 nm | 286 - 83 | Transição eletrônica |
UV próximo | 200 - 380 nm | 83 - 36 | Transição eletrônica |
Luz visível | 380 - 800 nm | 83 - 36 | Transição eletrônica |
Infravermelho | 8 - 300 mm | 36 - 01 | Vibração e deformação |
Microondas | 1 cm | 10-4 | Rotação |
Radiofrequência | metros | 10-6 | Acoplamentos de spins |
4- Espectrometria no Ultravioleta
Quando a radiação eletromagnética da região do UV passa através de um composto que tem ligações múltiplas (duplas e triplas), uma parcela da radiação é, usualmente absorvida pelo composto. A quantidade de radiação absorvida depende do comprimento de onda da radiação e da estrutura do composto. A absorção ocorre pela subtração de energia do feixe de radiação provocada pela excitação dos elétrons de orbitais de baixa energia para orbitais de energia mais elevada. A espectrometria no UV, portanto, provocam transições eletrônicas. Logo, para que um composto possa ser detectado com radiações na região do UV, é necessário que esse composto possua elétrons capazes de serem excitados, ou seja, elétrons pi ou elétrons livres (não-ligantes). Os elétrons sigma não podem ser excitados, porque a transição de elétrons de uma ligação sigma acarretaria a quebra da ligação e, consequentemente, a perda da estrutura característica do composto.
4.1) O gráfico de absorção:
A energia absorvida por uma substância é quantizada e característica dessa substância, ou seja, ocorre em certos valores específicos. Assim, espera-se, num gráfico de comprimento de onda (x) em função da absorvância (y), picos lineares de maior intensidade de absorção. Entretanto, devido a outras absorções simultâneas, surgem bandas espectrais no gráfico. Na ilustração abaixo vemos os picos de maior absorção (em vermelho), que são aqueles pontos nos quais ocorreram as transições eletrônicas. Porém, as energias absorvidas nas rotações, vibrações e deformações das partículas também aparecem no gráfico, e por isso surgem bandas, em linhas contínuas geradas por integração da função. Quanto menor for a diferença entre o estado fundamental e o excitado, menor será a energia necessária para a transição eletrônica e maior será o comprimento de onda. Veja um exemplo de espectro no UV obtido a partir do 2,5-dimetil-hexadieno-2,4:
A posição da absorção corresponde ao comprimento de onda da radiação necessário para a transição eletrônica e a intensidade da absorção depende da probabilidade de interação entre a radiação e o sistema eletrônico. Depende também da diferença entre o estado fundamental e o estado excitado da partícula. A probabilidade da transição ocorrer é diretamente proporcional ao quadrado do momento de transição (equivale ao momento de dipolo). O momento de transição é proporcional à variação da distribuição de carga durante a excitação. Absorções fortes (E > 104) são acompanhadas de grande variação no momento de transição, o que não ocorre nas absorções fracas (E < 103). As transições de baixa probabilidade são chamadas transições proibidas, e são aquelas que não criam um momento de dipolo considerável entre o estado fundamental e o estado excitado. No entanto, elas podem ocorrer, gerando pequenos ombros no gráfico, ou picos de intensidade muito baixa.
Para se medir a quantidade de energia luminosa absorvida em cada comprimento de onda, na região do UV, usam-se instrumentos denominados espectrômetros. Nestes instrumentos, um feixe de luz é dividido em dois: uma das metades do feixe passa através de uma célula transparente que contém a solução do composto que será analisado e a outra metade do feixe passa através de outra célula, contendo apenas o solvente que está sendo utilizado. O instrumento opera de modo a fazer uma comparação entre as intensidades dos dois feixes em cada comprimento de onda da região. O instrumento dá a resposta na forma de um gráfico no computador, relacionando comprimento de onda e absorvância: o espectro de absorção.
Os espectros de absorção no UV mostram bandas de absorção geralmente largas, pois cada nível de energia eletrônica está associado a subníveis de rotação e vibração. Assim, as transições dos elétrons podem ocorrer a partir de um entre vários estados de vibração e de rotação de um nível de energia eletrônica para um entre diversos estados de vibração e de rotação do nível energético mais elevado.
OBS: Na região do vísivel também ocorrem transições eletrônicas, porém, essa parte da espectrometria está melhor detalhada no capítulo de complexos, que são, em sua maioria, compostos coloridos, pois as transições que ocorrem nestes compostos absorvem comprimentos de onda nessa região do espectro.
4.2) Cálculos teóricos de absorção
A partir da estrutura molecular da substância é possível prever, com pequena margem de erro, o seu máximo de absorção (l max), ou seja, o comprimento de onda máximo absorvido pelo composto. Antes de prosseguir, porém, devemos conhecer alguns conceitos fundamentais:
Grupo Cromóforo - Grupo insaturado covalente, responsável pela absorção.
Grupo Auxócromo - Grupo saturado que, quando ligado ao cromóforo, altera o valor do comprimento de onda e/ou a intensidade da absorção necessárias para a transição eletrônica. Essas alterações podem constituir um:
1- Deslocamento Batocrômico - deslocamento da absorção para um l maior;
2- Deslocamento Hipsocrômico - deslocamento da absorção para um l menor;
3- Efeito Hipercrômico - aumento da intensidade da absorção;
4- Efeito Hipocrômico - diminuição da intensidade da absorção.
Na estrutura de uma molécula a ser analisada no UV, consideramos diversas partes especiais, às quais se atribuem valores aproximados de l max. Para efetuar um cálculo de l max, primeiramente identifica-se o cromóforo principal da molécula, isto é, aquela parte da cadeia que possui o maior número de duplas conjugadas e/ou grupamentos funcionais. Tudo aquilo que estiver ligado ao cromóforo principal será tratado como "incremento". Assim, temos tabelas de valores de l max para alguns cromóforos mais comuns. Esses valores são chamados "valores base". Os alcenos e dienos não-conjugados têm, em geral, máximo de absorção abaixo de 200 nm, enquanto as moléculas que possuem ligações múltiplas conjugadas têm máximo de absorção geralmente acima de 200 nm. Isso significa que em compostos de duplas conjugadas a absorção de energia é menos intensa, já que o comprimento de onda é maior (lembre-se que e e l são grandezas inversamente proporcionais).
Cromóforo principal | Valor base (nm) |
Benzeno (Ar) | 255 |
Ar - COR | 246 |
Ar - CHO | 250 |
Ar - COOH | 253 |
Ar - COOR | 253 |
*dieno homoanular | 253 |
*dieno heteroanular | 214 |
* Dienos homoanular é um dieno conjugado dentro de um mesmo anel e dieno heteroanular é um dieno conjugado com cada dupla em um anel diferente.
Veja abaixo uma tabela de valores para incrementos no Ar-COG (G é um grupamento qualquer ligado ao oxigênio):
Incremento | l max | |
-OH, -OR | o- m- | +07 |
p- | +25 | |
-O- (oxiânion) | o- | +11 |
m- | +20 | |
p- | +78 | |
-Cl | o- m- | 0 |
p- | +10 | |
-Br | o- m- | +02 |
p- | +15 | |
-NH2 | o- m- | +13 |
p- | +58 | |
-NHCOR | o- m- | +20 |
p- | +45 | |
-NHR | p- | +73 |
-NR3 | o- m- | +20 |
p- | +85 |
Veja abaixo uma tabela de valores para incrementos de um dieno conjugado:
Incremento | l max |
grupo alquila / resíduo de anel* | +05 |
ligação dupla em extensão de conjugação** | +30 |
dupla ligação exocíclica*** | +05 |
dieno conjugado homoanular | +39 |
-OR | +06 |
-SR | +30 |
-Cl, -Br | +05 |
-NR2 | +60 |
* Qualquer cadeia carbônica saturada (grupamento alquila) ligada ao cromóforo principal, não importando o tamanho desse grupamento, tem o mesmo valor de incremento (+5 nm). No caso de anéis, esses grupamentos são chamados de resíduos de anel, e também têm o mesmo valor de incremento (+5 nm).
** Qualquer dupla ligação ligada ao cromóforo principal, sendo conjugada com este, é considera uma extensão da conjugação desse cromóforo e tem valor de incremento +30 nm.
*** Dupla ligação exocíclica é uma dupla que utiliza um carbono do cromóforo principal mas não está dentro do anel do cromóforo. Imagine a molécula de ciclo-hexanona. A dupla =O é exocíclica ao anel, pois utiliza um carbono desse anel, mas está dentro dele.
Quando o espectro no UV é feito utilizando a amostra em determinados solventes, é preciso acrescentar um valor no cálculo de l max (correção do solvente):
Solvente | Correção (nm) |
Etanol | 0 |
Metanol | 0 |
Dioxano | +05 |
Clorofórmio | +01 |
Éter | +07 |
Água | -08 |
Hexano | +11 |
Ciclo-hexano | +11 |
Vejamos dois exemplos para cálculos teóricos de absorção (confira com os valores nas tabelas dadas):
Outro grupo cromóforo importante é a carbonila, especialmente quando se encontra conjugada com uma dupla ligação. Esse sistema é chamado a,b-insaturado.
Cromóforo principal | Valor base (nm) |
Cetonas acíclicas a,b-insaturadas | 215 |
Cetonas cíclicas a,b-insaturadas (em anéis de 6 átomos) | 215 |
Cetonas cíclicas a,b-insaturadas (em anéis de 5 átomos) | 202 |
Aldeídos a,b-insaturadas | 210 |
Ácidos carboxílicos e ésteres a,b-insaturadas | 195 |
Veja abaixo uma tabela de valores para incrementos de uma carbonila em sistema conjugado:
Incremento | l max | |
ligação dupla em extensão de conjugação | +30 | |
grupo alquila / resíduo de anel | a | +10 |
b | +12 | |
g e maior | +18 | |
dupla ligação exocíclica | +05 | |
dieno conjugado homoanular | +39 | |
-OH | a | +35 |
b | +30 | |
d | +50 | |
-NR2 | b | +95 |
-Cl | a | +15 |
b | +12 | |
-Br | a | +25 |
-SR | b | +85 |
-OAc | a,b,d | +06 |
Veja um exemplo de cálculo de absorção envolvendo o cromóforo carbonila:
Química 2000 - Wagner Xavier Rocha, 1999