VERSIONES 19

Año del Tigre - Abril/Mayo de 1998


Director, editor y operador: Diego Martínez Lora.
Versiones se elabora desde la ciudad de Vila Nova de Gaia, Portugal


Luís Morais:
A propósito de Fernando Botero...


Quem teve a sorte de passar por Lisboa, ou melhor, pelo Terreiro do Paço, nos últimos meses reparou, certamente, nas várias estátuas que lá se encontram em exposição. Exposição gratuita, note-se! O escultor, Fernando Botero, e a Câmara Municipal de Lisboa ofereceram à cidade e ao seu povo, sem quaisquer distinções de classe, raça, credo ou condição sócio-económica, uma obra que não só é visível (quer pelo tamanho, quer pela impossibilidade de causar no transeunte um sentimento de indiferença) como também é palpável.
Sobre esta exposição escrevia-me, há dias, uma amiga: «(...) há algumas noites, vesti-me de transparente e fui ao Terreiro do Paço. Era de madrugada. As gordas tinham descido dos pedestais e conversavam umas com as outras. O cavalo sacudia as patas e o pássaro alisava as penas. As gordas não tinham perdido a magia nem a graça mas estavam aborrecidas com as chuvas e os pássaros que lhes estragavam os cabelos. Claro que na realidade o problema era... outro. (...) Já ninguém as visita tanto nem as admira como quando chegaram a Lisboa. Perderam um pouco do brilho e do sorriso, ao mesmo tempo ingénuo e lascivo. Acho que emagreceram. Quanto aos homens, o que neles era já de si pequeno, mais se atrofiou. Sem a alegria e a vida das mulheres, estão parvos de todo. (...)»
A primeira vez que vi as esculturas era também madrugada. Algumas ainda se mantinham secretamente dentro dos caixotes de pinho que as trouxeram da sua anterior mostra. Por barco, claro. Talvez os mesmos barcos (encarnados) que essa mesma amiga, sempre que os via ao largo de Carcavelos, dizia: «Apareceram agora para me dar prazer!!!» Mas passado algum tempo, nem os barcos nem o prazer são importantes... A quietude das esculturas, passado o efeito da novidade, funde-se com a falta de pasmo dos transeuntes, e tirando um ou outro turista ainda maravilhado com o prazer que lhe é oferecido aos olhos, a multidão cansada que passa pelo Terreiro do Paço já não respira o mesmo ar que invade as narinas das gordas. Não voa no mesmo céu do pássaro nem monta o cavalo que outrora a transportou em sonhos. O vazio do dia-a-dia volta a encher de melancolia os eternos passantes que unem as duas margens do Tejo, na mais incompreensível migração diária que um povo pode suportar. A mim, tanto se me dá. Graças aos céus ainda vivo no Porto (tranquilamente...) e o meu pasmo ante as gordas não perdeu nada daquele sabor inicial que provei pelas três horas da manhã.
As gordas de Botero tiveram o condão de se tornarem as minhas musas iniciáticas na arte visível e palpável... Privado de mais uma das minhas virgindades, fica-me delas a doce recordação de momentos de paixão à primeira vista, facilmente transformados numa amizade que perdura! Não é apenas a relação sensual (deveria dizer, talvez, sexual) com as gordas que me enforma: delas me fica a certeza de que mesmo aos 30 anos é possível fazer amigos... V


(*)Luís Morais, economista e escritor português. Mora provisoriamente no Porto




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