A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS
DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA -
CONTEÚDO E ALCANCE
IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS - CONCLUSÃO
Encerramos nosso trabalho, concluindo que as imunidades tributárias não são princípios: são vedações ao poder de tributar, justificada a supressão da exação por encerrarem as normas imunizantes valores prestigiados pelo ordenamento jurídico e colocados em hierarquia superior àquelas que por sua vez determinam valoração à necessidade do Estado em auferir receitas para se manter.

Em razão de seu conteúdo negativo inibitório do poder de tributar, as imunidades exteriorizam-se através de normas escritas e proibitivas, colecionadas da realidade pelo constituinte num dado momento histórico, orientadas segundo diretrizes positivas – que são os princípios – apontando para um norte que determina o sentido do que a Constituição quer ver alcançado.

Tais vedações constitucionais, diversamente dos princípios que denotam alto grau de imprecisão semântica, consubstanciam-se em normas restritivas ao exercício do poder tributário do Estado, que devem ser analisadas em seu aspecto ontológico.

Porém, essa constatação não significa que as regras imunizantes não devam se sujeitar também ao processo interpretativo. Isso porque a própria linguagem humana, em si mesma, é informada por termos vagos, lacônicos, imprecisos, não sendo capaz de traduzir a complexidade e a riqueza da realidade.

Assim, na interpretação de uma norma, o intérprete tenderá a hierarquizar e ponderar valores, segundo critérios próprios, informados por sua experiência e ideologia; abre-se campo para que o exegeta interprete a norma segundo graus de relevância que ele próprio estabeleça em relação aos valores já consagrados pelo ordenamento jurídico.

Nem por isso, esse subjetivismo é condenável no processo interpretativo; pelo contrário: é através da interpretação que o sistema normativo se oxigena, de forma a atender à evolução da realidade histórica, assumindo o intérprete a condição de verdadeiro partícipe no processo de produção normativa.

O que se quis indagar, com este estudo, foi a questão: qual o limite do intérprete no processo da produção normativa? Até que ponto pode o exegeta avançar e não colocar na moldura da lei hipóteses que ela não pode contemplar ?
A interpretação envolve um elemento subjetivo, mas o desafio é não permitir que ele se transforme em arbítrio ou abuso.

Por essa razão existe impropriedade ao se afirmar que as normas imunizantes mereçam interpretação ampliativa, quer consideradas princípios, ou – como querem alguns – restritiva, quer sejam tomadas como exceções à tributação. Não existem fórmulas simplistas em interpretação.

O grande desafio da interpretação jurídica neste final de milênio é o de reconhecer que o seu objeto não é unívoco e que nem mesmo o produto da interpretação pode ser uma afirmação absoluta fixada nos binômios certo x errado; sim x não. Interpreta-se o mundo partindo da idéia de que tudo forma uma só unidade, que as coisas são e não são ao mesmo tempo e o que poder ser detectado são apenas nuanças resultantes dos graus de cada componente; ou então, continuar-se-á a enxergar, pelos olhos de uma interpretação restrita, uma realidade que verdadeiramente não existe e criar conceitos e categorias que só acentuam distinções e oposições fruto de uma concepção abstrata e distanciada da realidade.

E, no tocante à tributação, a realidade brasileira nos aponta para um sistema constitucional que – simultaneamente - de um lado, elege a tipicidade estrita como forma de não agressão ao patrimônio do contribuinte pelo Fisco – valorando a correção de uma função distorcida dos agentes do Estado a partir de excessos cometidos no campo da exação, e de outro, privilegia esse mesmo Estado suprindo-o com mecanismos eficazes na geração e arrecadação de recursos para o Tesouro – sendo aí encarada a tributação como instrumento de reequilíbrio das desigualdades sociais e econômicas.

A interpretação tributária haverá que sopesar o papel do Estado-Fisco, não apenas sob a perspectiva de um poder que deva ser limitado em razão dos excessos e distorções de que é passível o poder de tributar, mas também tendo-se em mente que a exação justa é imprescindível à garantia de princípios que visam a assegurar o próprio Estado Democrático de Direito.

Ora, se assim é verdade no campo da tributação, no campo da desoneração tributária a sistemática não pode ser diferente. As vedações ao poder de tributar não visam somente preservar determinadas situações, bens ou pessoas da propalada “voracidade fiscal”, impondo-se-lhes compulsoriamente interpretação extensiva, como forma de “pôr a salvo” o maior número de hipóteses que encerrem algum valor constitucionalmente protegido. Ao se desprezar o elenco constitucional eleito de imunidades tributárias, ampliando-se a cadeia de situações ao infinito dentro da moldura da norma imunizante, estar-se-ia estendendo a hipóteses que devam ser tributadas a não-tributação, olvidando que o Estado, através da exação, deve cumprir seu papel essencial de assegurar a participação de todos no rateio das despesas, ou num “instrumento de solidariedade e fraternidade”, nas palavras de Marco Aurélio Greco. O mesmo se diga da interpretação restritiva, guardadas as devidas proporções argumentativas.

Em conclusão do estudo, temos que as regras imunizantes não implicam exegese quer restritiva, quer ampliativa. Deve-se-lhes apreender o sentido ontológico e teleológico. A interpretação das vedações constitucionais – um constante desafio para a ciência do Direito – deve ser criteriosa, fiel ao texto, garantidora dos valores, coerente com o sistema, informada pelos princípios constitucionais. Não se deve desprezar seu aspecto dinâmico, a merecer constante interação do exegeta no contexto de interpretação das normas, sem que isso assuma nível tal equivalente a legislar-se por meio da hermenêutica. Deve ser finalística, sem que, entretanto, isso implique na criação de uma limitação maior do que a do próprio poder que se pretende ver limitado, nem que se despreze a fórmula verbal da norma constitucional.


São Paulo, março de 2000.



MARIA CRISTINA NEUBERN DE FARIA
Orientanda


Prof. EDGARD NEVES DA SILVA
Orientador
Página Inicial          Natureza e Escopo         Conteúdo Principiológico                A Interpretação das Normas

 
As Imunidades Constitucionais       Limites de Interpretação das Normas Imunizantes             Conclusão

  
Curriculum da Autora          Artigos Tributários             " Frases " Tributárias                  Links Tributários