TERRA
— 2930
A população terrestre havia atingido o auge da evolução cultural e
técnica. As guerras há muito não mais existiam, embora os exércitos
continuassem. As nações se entendiam. Miséria, pobreza e descontentamentos
inexistiam. O homem vivia no mundo perfeito, num paraíso. A própria ciência
que tanto maltratara o planeta o recuperara. Por séculos que o total de
habitantes mantinha-se em cinco bilhões, resultado do próprio controle
individual.
Assim era o mundo dos humanos naqueles idos. O retrato da harmonia, que a
fatalidade ou destino haveria de rasgar.
Tudo começou quando os astrônomos perceberam alterações orbitais de Sírios
B, estrela anã que acompanhava Sírios A. Em cada cinqüenta anos a pequena
mas pesadíssima irmã da estrela maior se aproximava mais, sendo iminente o
choque das duas.
Contrariando os conceitos científicos, foi justamente o que ocorreu. O
grande impacto foi acompanhado. Sondas enviadas ficaram próximas ao
fenômeno e forneceram as imagens. Foi então que se viu a implodida estrela
se chocar e expandir dentro de Sírius A, tal como um artefato bélico que
caísse numa grande fornalha.
Estilhaços chamejantes venceram a força gravitacional da estrela maior e
passaram a orbitá-la. Um pedaço de Sírius B não seguiu a regra, como se
houvesse ricocheteado, adquiriu incrível velocidade e ganhou o espaço livre,
como a recusar aquela união.
O registro do desastre cósmico teria ficado como mais um dos acontecimentos
da astronomia, não fosse a conseqüência.
Continuando a acompanhar o bloco desgarrado, a ciência traçou a trajetória.
Como uma seta atirada para um alvo, a
pesadíssima matéria estelar, l.000 quilos para cada 2 centímetros cúbicos,
possuía uma direção. Depois de viajar pelo vazio sideral alcançaria o
sistema solar, atravessaria as órbitas planetárias e atingiria o centro do
astro rei. Na passagem colheria a Terra em 2 de julho de 3.210.
Nada impediria o intruso de cumprir o destino, nada poderia detê-lo, o fim
da humanidade estava marcado. Aquele pedaço de estrela era muitas vezes
maior que o próprio mundo dos terrestres.
A notícia alarmou as nações, mas os comentários sensacionalistas aos poucos
se aquietaram, afinal o fim não seria no dia seguinte.
Aquele fato cósmico surpreendera o homem, mas o homem evoluído, capaz de
pensar em soluções mesmo diante do irremediável. Por sorte, se é que pudesse
ser dito, o inevitável desfecho da civilização não fora no início do
terceiro milênio, época das “guerras”. O pânico seria incontrolável,
levantar-se-iam legiões de fanáticos religiosos. Abusos de toda ordem
aconteceriam, os alimentos seriam difíceis, a fome se alastraria. Conflitos,
saques e vandalismos estabeleceriam caos social. Mas, o tempo era outro.
Confirmada a situação, os governos das Nações se reuniram no Centro Mundial
de Solidariedade, em Paris. Os melhores cientistas do planeta estavam
presentes.
Presidentes e homens da ciência, durante um mês, em ambientes separados,
esmiuçaram o assunto e encontraram as respostas. A definição científica
acabou sendo a base de todo trabalho que viria a ser executado. Frank Stanis,
um dos mais conceituados membros do grupo de estudos, foi o porta-voz que
apresentou os motivos e o projeto de salvação da raça humana. Sua oratória,
desprovida dos chavões de reverência ficou registrada:
— Senhores,
Estudamos detalhadamente o assunto. Analisamos todos os ângulos e
encontramos a forma de evitar a extinção de nossa raça.
A única opção será a retirada de nossos descendentes. Para isto cerca de
trezentos grandes navios deverão ser construídos em órbita estacionária.
Elaboramos o projeto, serão pequenas Terras, com ambientes semelhantes ao de
um município, onde as pessoas poderão viver e procriar até chegarem ao
Sistema Alpha Centauri. Lá existem dois planetas com possibilidades para a
vida, conforme os arquivos.
Antes porém, é importante tecermos algumas considerações sobre nossa posição
técnica.
Como é do conhecimento de todos, ainda não nos aventuramos em viagens
estelares. Nossas naves tripuladas dominam o sistema solar, explorando o
turismo ou transportando minérios. Não estão preparadas para permanências no
vazio interestelar, essas incursões são reservadas apenas para sondas
equipadas com robôs.
A estabilidade de nosso mundo vem influindo no atraso da conquista de outras
estrelas, razão de não estarmos preparados para uma saída imediata. Por
outro lado, 280 anos nos separam da colisão. Tempo mais que suficiente para
a execução do projeto.
Os passageiros dessas naves viverão numa estrutura tubular com diâmetro
interno de dois quilômetros, seguindo-se por uma extensão circular de vinte
e cinco quilômetros.
Sobre o fundo interno das Rodas, residências, áreas de administração, de
comando, de laser, de plantios, de escolas, de comércio, de controle da
saúde, tudo que for necessário para o bem estar, serão edificados.
Cada
astronave poderá comportar um mínimo de 4.000 vidas, mas no embarque o
máximo deverá ser 2.5OO. Haverá uma simulação terrestre perfeita, com dias e
noites artificiais, até chuvas. Para que os aparelhos atinjam a perfeição,
calculamos 150 anos para o término das obras, que inclui as grandes bases.
Por sua vez, as bases estarão presas às rodas através de eixos especiais.
Neles, um sistema móvel de elevadores se encaixará para acesso a elas, ou
delas para os aros de interligação. Como podem ver no desenho: materiais,
bens de consumo, estarão sob processo de conservação permanente. Lugar para
veículos e naves auxiliares, militares ou não. São quilômetros para
depósito de tudo aquilo que possuímos. Somente não poderá ser ocupado o
local dos propulsores principais.
Bem,
vamos limitar os detalhes, basta dizer-lhes que interna e externamente serão
adaptados tudo o que for necessário, já criado ou a ser criado pela ciência.
Metais especiais, duríssimos, constituirão as carcaças e os invólucros
protetores dos navios, o suficiente para que possam permanecer mais de mil
anos no espaço.
Cronologicamente, distribuímos o trabalho por etapas, que deverão ser
cumpridas com rigor, assim:
1 — até 2.935, um ou dois parques fabris de enorme envergadura deverão ficar
prontos em cada continente. A área para este fim deverá ser grande o
suficiente para comportar a criação de vários centros de treinamento, de
escolas e acomodações para os futuros tripulantes.
Paralelo aos empreendimentos, deverá ser criado um processo educativo
mundial, para controle da natalidade. Apenas 7.500.000 poderão ser
embarcados, entre jovens, cientistas e instrutores, o restante que
permanecer no planeta não poderá continuar a procriar, também não poderá ter
idade suficiente para alcançar o final.
Nosso plano visa a extinção do homem na Terra alguns anos antes da
catástrofe.
2 — Até 3.O35, após a implantação dos pólos de produção das peças, o
trabalho será executado em terra e no espaço, para a construção das
espaçonaves. O tempo se justifica diante da técnica a ser aplicada em cada
detalhe dos componentes metálicos.
Durante o mesmo período a produção agrícola e de bens de consumo será de
máxima importância. Os excedentes deverão ser levados para grandes câmaras
de suspensão degenerativa. Servirão para suprirem as naves e para os que
ficarem.
3 — A última etapa, partindo de 3.035 vai até 3.080, ano em que a Terra
enviará seus filhos para a grande viagem.
Neste espaço de tempo, todos os jovens e crianças do mundo, com idade máxima
de vinte anos, deverão ser encaminhados para os centros de treinamento.
Somente eles irão gerar, sob controle, os representantes humanos que
conhecerão o vazio sideral.
Completando a explicação, o cientista observou que logo após a partida
das naves, os últimos habitantes da Terra ainda teriam 130 anos para
usufruírem do planeta. Como os mais novos não iriam ter menos de trinta,
mesmo com a média etária de 150, nenhum deles veria o dia do apocalipse,
desde que cumprissem com determinação um rígido controle de natalidade.
Sobre a viagem: alcançariam Alpha Centauri em 500 anos aproximadamente, uma
vez que a velocidade média do comboio seria de 3.000 quilômetros por
segundo.
Terminada a exposição, o projeto foi colocado em votação. Nenhum chefe de
Nação optou contra, a aprovação foi unânime.
Ainda, naquela assembléia, foram decididos pontos fundamentais, como
liberalidade de fronteiras, estabelecimentos das áreas para os futuros
parques, padronização do trabalho, das peças e linguagem única.
O controle de natalidade foi um dos fatores mais debatido, no entanto,
diante do equilíbrio que os próprios habitantes mantinham, ficou resolvido
apenas partirem para um sistema universal de orientação e acompanhamento. Se
necessário, outras medidas seriam tomadas.
Terminada as negociações, em menos de trinta dias foram iniciadas as grandes
construções em terra. Assim, no Planalto Central, começaram as implantações
da grande Base que serviria a América do Sul. O mesmo nos Estados Unidos,
China, França, Austrália, África do Sul e Índia.
Após cinco anos, os grandes complexos estavam prontos. Iniciava-se a
produção das grandes peças.
Os anos passaram, naves com minérios especiais da região dos asteróides e
das luas de Júpiter desciam e voltavam, permitindo obtenção de ligas
duríssimas.
Enormes vigas não paravam nas plataformas, uma a uma iam sendo enviadas para
engates. As carcaças dos grandes navios, gradativamente tomavam forma.
Os trabalhadores em órbita viviam nas diversas estações requisitadas.
Andróides manipulados se misturavam com os humanos na grande tarefa.
Em terra, cumpria-se fielmente as instruções governamentais, os excedentes
de produção iam abarrotando os armazéns.
De tempos em tempos, os astrônomos conferiam a trajetória do grande
meteoro, o resultado era sempre o mesmo.
Grandes metrópoles se ergueram a volta
dos parques. O jovem trabalhador do início das obras estava centenário,
alguns já haviam partido.
Os “colossos”, externamente, ficaram prontos, trezentos e sessenta no total,
muito mais do que determinava o projeto. As “rodas” giravam, estavam criadas
as forças gravitacionais para a sobrevivência humana. Nelas tudo funcionava
com perfeição, inclusive o oxigênio ambiental. Iniciava-se o trabalho
interno, o acabamento, a formação das condições terrestres.