A fabulação como
instrumento formador
Por
Denisson Beretta Gargione
Contar
histórias, fabular, antes de mais nada, é criar o efêmero, é
fazer uso da mimese para apropriar-se de um texto e transmiti-lo a
outros. Entre inúmeros efeitos que podemos citar, talvez o mais
intrigante seja o caráter que a fabulação exerce sobre o homem.Além
do potencial terapêutico verificado no tratamento de patologias psíquicas,
a tradição oral de contar histórias nutre uma diversidade
transformadora que se embriaga nas fontes do lúdico para compor os
mitos.
Os
mitos, por sua vez, são responsáveis por criarem os imaginários
sociais, e estes, por determinarem simbolicamente valores e normas.
Contudo, o elemento simbólico na vida social é (pre)conceituado
como uma construção de menor importância, sendo somente acolhido
se elucidado sob a ótica da filosofia ocidental. Quiçá deva-se
essa visão a uma sociedade que tem a gênese de sua lógica na
tradição pré-socrática e, portanto, tem necessidade de demarcar
os limites do simbólico. Tarefa árdua, visto que, segundo
Cornelius Castoriadis, "todo simbolismo se edifica sobre as ruínas
dos edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus
materiais" (1982, p. 144).
Logo,
toda fabulação contribui na criação dos símbolos sociais que
exercem poderes peculiares sobre o sonho individual. Então os símbolos
deixam de ser somente símbolos, para desenhar-se em símbolos oníricos.
Segundo uma perspectiva junguiana, o sonho tem vital papel compensatório,
sendo uma ferramenta de equilíbrio das influências que sofremos
conscientemente. Conseqüentemente, sob este ponto de vista, os
sonhos são realidades vivas que precisam ser saboreadas e a fabulação
é um caminho orgânico para atingir este fim.
Entretanto,
a fabulação já foi alvo de ressalvas, afinal de contas trata-se
de uma dicotomia: por um lado, é um jogo metafórico, uma sublimação
das dificuldades, por outro lado, apresenta muito diretamente dramas
e medos humanos. Tal idéia deve-se à presença de arcaísmo nas
histórias sob a forma de personagens e situações assustadores,
que durante séculos foram atenuados das narrativas ou até
apagados. Sabemos que hoje tal ato de negação, justificado pelo
comportamento politicamente correto, só tem por resultado mascarar
a conversação com as fantasias humanas mais violentas. Quanto ao
drama incluído nos contos, pode-se dizer que seu efeito é catártico
e essa purgação constantemente liberta o indivíduo de seus dramas
pessoais.
Enfim,
devemos lembrar que contar histórias, antes de mais nada é um ato
de ludismo, hedonista, onde pais, filhos e netos podem se reunir
para construção de utopias.
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA
CASTORIADIS, Cornelius. A
Instituição Imaginária da Sociedade. 2ª ed., trad. de Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982.
PRIETO,
Heloisa. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo da criança.
São Paulo: Angra, 1999.
|