A
Imaginação
Por
Lívia Petry
Ser homem não é somente estar no mundo junto com os outros,
limitado em sua existência corpórea, social, histórica, lingüística.
Ser homem é ser também capaz de transcendência, de transformar o
visto em algo novo, de buscar a unidade essencial da alma, de
conectar-se com sua subjetividade e trazer á finitude do mundo
fenomênico, o infinito do ser. E uma das formas de buscar esse
desvelamento do que é imortal, dá-se através da atividade
criadora. Através da criação de um poema, de uma estória, de uma
obra de arte o homem constrói a si mesmo, revela novos significados
aos materiais que já existiam antes dele, transforma o mundo em que
vive, busca a si mesmo e se auto-reconhece. Essa criação porém,
ocorre dentro de todo um processo ao qual a imaginação preside. É
a imaginação esta faculdade que se coloca além do espaço e do
tempo, a responsável pela criação de novas significações e
novas imagens dentro da linguagem. E segundo o dicionário Welster a
imaginação também é o ato ou poder de formar imagens mentais do
que não está realmente presente, do que jamais foi experimentado
ou de criar novas imagens e idéias pela combinação de experiências
anteriores. Assim, através da imaginação o indivíduo alcança um
mundo onde tudo é possível, onde os objetos, diferentes da
realidade da percepção, são vistos em sua totalidade, existem em
unicidade com seu criador, e dependem muitas vezes das lembranças
de quem os imagina. Porém na imaginação não existem limites e
nem tudo se revela como fruto do passado. Um exemplo disso é que
podemos imaginar um pégaso quando tudo o que conhecemos ou
lembramos do mundo real, são cavalos. Pois a imaginação é autônoma
e tão importante quanto a percepção e o pensar. Já que é “na
imaginação que o homem começa a criar seu universo através de
uma cadência rítmica criada pelo artista e que conduz á revelação
e ao reconhecimento.” Revelação
e reconhecimento dos próprios impulsos com os quais o indivíduo
comum não sabe como lidar e que o artista explicita em sua obra
dando a eles um tratamento que os resignifica. Desta maneira podemos
enxergar o artista como “o homem criador que consegue pelo poder
da imaginação, revelar o sentido oculto das coisas.”
Neste
contexto,encontramos a fala de Otavio Paz que citando o poeta inglês
Coleridge, nos diz: “a imaginação é o dom mais alto do homem
e em sua forma primordial a faculdade original de toda percepção
humana. A imaginação transcedental é a raiz da sensibilidade e do
entendimento que torna possível o juízo. A imaginação desdobra
ou projeta os objetos e sem els não haveria nem percepção, nem juízo,
assim, desdobra-se e apresenta os objetos á sensibilidade
e ao entendimento. Sem essa operação – na qual consiste
propriamente o que chamamos de imaginar- seria impossível a percepção.
Razão e imaginação não são faculdades opostas: a segunda é o
fundamento da primeira e o que permite perceber e julgar o homem.Porém
a imaginação é mais do que um órgão do conhecimento, mas também
a faculdade de expressá-lo em símbolos e mitos. Nesse segundo
sentido o saber que a imaginação nos entrega não é realmente um
conhecimento: é o saber supremo. Imaginação e razão, em sua
origem uma só e mesma coisa, terminam por se fundir numa evidência
que é indizível, exceto através de uma representação simbólica:
o mito. Desta forma, além de ser a condição necessária para toda
a percepção é também uma faculdade que expressa mediante mitos e
símbolos, o saber mais alto.”
Saber
este que leva o indivíduo ao reconhecimento de si mesmo. A imaginação
é assim, um órgão que não só possibilita o conhecimento do
mundo, mas também o auto-conhecimento.
No
processo de descoberta e crescimento, ao imaginar, isto é, ao criar
suas primeiras ficções a criança prepara-se para o diálogo. A
imagem e o símbolo são nela provisoriamente o outro
, uma forma de satisfazer seu instinto ainda não desenvolvido,
assim á linguagem comunicativa, junta-se a linguagem expressiva: a
criança não só deseja transmitir aos outros uma série de informações,
como também os segredos de sua interioridade. Para poder
expressar-se totalmente usa da linguagem simbólica, que fatalmente
nos levará de volta á nossas origens mais íntimas e míticas. Daí
podermos afirmar que um dos papéis da imaginação é o de criar
imagens que iluminam um espectro mais amplo da consciência. Desta
maneira a imaginação é o lugar de emergência do ser e do que de
melhor o homem tem, aquilo que faz buscar uma participação com o
Criador, originando obras de arte que falam do indivíduo, colocam
ordem estética ao mundo das coisas e transmitem os valores de uma
época, formando os elos significativos da corrente cultural que
prendem os homens ao seu passado e os permitem projetar-se no
futuro. Através da imaginação e da criação emergem os valores,
dando ao caos da existência, ordem e significado e elevando o homem
na sua busca por transcendência, fazendo com que sua criatividade
se expresse no que ela tem de eterna.
BibLIOGRAFIA
Consultada
FOBÈ,
Nair Leme – “ A imaginação e a fantasia no desenvolvimento da
criatividade”in
“REFLEXÃO” –Vol.16, pgs. 67-83,
Campinas
.
PAZ,
Otavio – “O Arco e a lira” – ed. Nova Fronteira, Rio de
Janeiro, 1982.
TREVISAN,
Armindo – “Reflexões sobre a poesia” – ed. InPress , Porto
alegre, 1986. |