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A nossa trégua
por Guilherme Freitas
O
telefone toca outra vez, tornou-se um incômodo. Atendo com a voz mais
repulsiva possível, talvez assim nos deixem em paz. É o tal
Marcel, pela milésima vez. Digo que ela não está, porque
é o que tem que ser dito, e desligo sem me despedir. Assim que ponho
o fone de volta no gancho, começa a chamar de novo. O som estridente
faz a sala tremer a cada toque, abafando o som dos gritos que vêm lá
do quarto dela. Não atendo, porque sei quem é. Outra vez Marcel
ou Renato ou Flávio ou seja lá que outro nome de homem do outro
lado da linha, apenas mais um nome estranho violando a nossa paz consentida,
a nossa trégua.
Foram tempos difíceis depois que Estela se foi, mas agora, depois de
todos esse anos, posso dizer que somos quase como antes, uma família
normal. No princípio, ela me culpava por tudo. Ficamos só nós
dois naquela casa fria, os quartos muito longe um do outro, passávamos
dias sem nos falar, às vezes sem sequer nos ver. Ela se queixava de
mim pros tios, mas eu não podia fazer nada. Naquela época, eu
me sentia estranho, estava como que descolado das coisas, e preferi me afastar
dela. Não queria que me visse assim transfigurado. Ela também
não ajudava em nada, me olhando daquele jeito. Ouço o som do
telefone de novo, e com ele, os gritos. Não vou atender. Eles não
nos deixam em paz, não percebem que não têm lugar aqui.
Uma vez, um deles veio até nossa casa, tentou entrar à força,
eu quase fui obrigado a chamar a polícia. Lá no quarto, ela
se acalma aos poucos. O telefone ainda a deixa muito agitada. Estou pensando
em cortar a linha de vez.
Depois dos primeiros meses sem Estela, de todo aquele silêncio, da família
se metendo em tudo, aos poucos retomamos nossa rotina. Eu voltei a trabalhar,
ela voltou pra escola, e tudo ia bem, porque nada ruim acontecia. Nós
nos dávamos bem, não discutíamos e ela não me
olhava mais. Eu me acostumei a cuidar dela. Era eu que fazia o jantar, lavava
a roupa, dava o dinheiro. Às vezes, ela concordava em ir ao cinema
comigo. Eram dias felizes, apesar dela sempre reclamar dos filmes que eu escolhia.
Dizia que eram muito infantis. Mas ela era minha garotinha, e eu sabia que
isso era pura manha, só mais uma entre tantas.
Pela hora no relógio, imagino que ela deva estar com fome. Vou até
seu quarto e, através da porta trancada, pergunto se não quer
algo pra comer. Ela responde com gritos, tem sido assim ultimamente. É
esse telefone, eu sei. Mesmo assim, trago um pacote de biscoitos da cozinha
e coloco lá dentro, com cuidado pra não abrir a porta mais do
que o necessário. Não posso deixá-la sair desse jeito,
não até que eles parem de nos importunar. Minha garotinha é
muito sensível, e todos esses nomes de homem estão deixando
ela louca.
Foi no seu último aniversário que eu percebi tudo. Minha garotinha
estava fazendo 19 anos. Eu a convidei pra ir ao cinema, mas ela não
aceitou. Isso me deixou muito chateado. Comprei um bolo, velas e um presente,
saí do trabalho mais cedo pra poder estar lá quando ela chegasse
da aula, mas ela não voltou pra casa aquela noite. Fiquei transtornado.
Passei a madrugada inteira em claro, vigiando a porta, atento ao menor ruído
na rua. Ainda assim, acabei cochilando. Acordei com o sol já alto,
ela se esgueirando pra dentro de casa, andando na ponta dos pés pra
que eu não notasse sua chegada.
Mas eu notei e me levantei e perguntei o que tinha acontecido. Eu tateava
seu corpo em busca de arranhões, ferimentos, qualquer coisa que justificasse
aquilo. Ela me explicou que os amigos deram uma festa surpresa depois da aula.
Que amigos, eu perguntei, porque não conhecia nenhum. Minha garotinha
não tinha amigos, só tinha a mim. Depois que Estela se foi,
éramos só nós dois e a casa. Não havia lugar pra
mais ninguém. Ela me explicou que eram os amigos da escola, os amigos
de Marcel. Eu não conhecia nenhum Marcel, e ela disse que era porque
nunca tinha tido coragem de me apresentar o namorado. Começou a fazer
uma lista de nomes, os amigos, nomes de homens que eu não conhecia
e que ela também não podia conhecer. Não fazia sentido.
Minha garotinha estava ficando louca com todos aqueles nomes de homens. Eu
precisava fazer alguma coisa pra ajudá-la.
Nas semanas seguintes, ela passava cada vez menos tempo em casa, cada vez
menos tempo comigo. Dizia que agora que eu já sabia de Marcel, não
tinha mais razão pra fazer nada escondida. Eu não conhecia nenhum
Marcel, e ela disse que era o namorado de quem já tinha me falado tantas
vezes antes. Minha garotinha não estava bem. Um dia um homem apareceu
procurando por ela em nossa casa. Esse homem sabia o nome dela e sabia quem
eu era, ele sabia demais. Tentou ser gentil, perguntou por ela, mas eu disse
que ela não estava, porque era o que tinha que ser dito, e ele foi
embora.
A partir desse dia, não havia mais outra solução. Minha
garotinha precisava ficar em casa. Alguma coisa muito estranha estava acontecendo
lá fora. Tentei conversar, mas ela não me ouvia, me acusava
de coisas horríveis. Não me tratava assim desde a época
em que perdemos Estela. Às vezes não se pode discutir com essas
meninas, é preciso tomar uma atitude. Coloquei ela de castigo no quarto.
Tranquei a porta e guardei comigo a chave. Desde então ela não
saiu mais, e eu sinto que as coisas melhoraram. No começo ela gritava,
socava a porta. Os vizinhos ficaram preocupados, mas eu contei sobre a doença
e eles não se meteram mais. Minha garotinha parecia não entender
que o que eu fazia era pro seu bem. Um pai nunca faria mal a uma criança.
Depois de umas semanas, ela já tinha se acalmado. Estamos retomando
nossa vida normal. O único problema é o telefone. Ela ainda
fica agitada toda vez que ouve o toque, grita como louca. Todos aquele nomes
de homem do outro lado da linha perguntando por ela, os amigos, por que ela
não foi à aula hoje, por que não aparece mais, o que
houve com ela. Eu tento explicar a doença, mas eles também são
loucos, eles sabem demais. Um deles se chama Marcel e é o que mais
nos importuna. Um dia apareceu na porta da nossa casa, querendo entrar, eu
quase tive que chamar a polícia. Eles não entendem que minha
garotinha precisa descansar.
Passou-se mais de um mês, e agora as coisas já estão mais
tranqüilas. Poucos ainda ligam. Minha garotinha já não
grita como antes, acho que está recuperando a calma. Vou até
a porta do seu quarto e pergunto se ela está bem. Não há
resposta, é um bom sinal.
E-mails para esta coluna:gc_freitas@yahoo.com.br