Eu sou normal, acredite
Sentem-se,  o show vai começar
Proteja-se: você pode ser o próximo
Mudando um pouco seu dia-a-dia
Tudo que você sempre quis ser, mas tinha vergonha
Se quiser, ponha açúcar
Got popcorn?
Let's swing, babe
Plante uma árvore, tenha filhos, escreva um livro
POW! CRASH! TUM! SNIKT!
O que você está olhando?
Porque o importante é vencer
 : )
You're hot - come on in
Veja tudo que você nunca quis ver
Saiba quem são os culpados por isso
Seja experto! Gaste pouco e ganhe muito
Sugestões? Comentários?
Perdeu algo de bom? Garanto que não

Praia em dia de frio por Vivian Rangel

Foi andando pela praia achando que a paisagem cinza-claro-azulada estava tão linda que doía. Estranhamente as coisas mais tristes eram as mais surpreendentemente lindas. Um dia ensolarado jamais traria tanto sentimento. Estava finalmente aproveitando alguns momentos de paz. A agitação constante de todos os dias o deixava mal-humorado ou simplesmente servil e indiferente, mecânico como Chaplin, apertando parafusos. Precisava de intensidade e não se importava essa intensidade seria benéfica ou não. Mas que pudesse sentir. Que não tivesse que se conter. Simplesmente sentir. Pensar em coisas profundas ao lado de outras sem sentido. Sem ajuda, dessa vez. Precisava provar a si mesmo que podia ser o que quisesse, sem ajuda de maconha, álcool ou sexo. Precisava bastar a si mesmo.

Ia anoitecendo. As ondas batiam mais fortes. Ele deitou nos grãos de areia gelados e sentiu a sensação de espuma nos pés. Sentiu cócegas e se lembrou de sua infância. Ouviu as risadas de sua irmã ao decepar o rabo de uma lagartixa que continuava se mexendo. Um homem que tira a vida de outro perde totalmente o respeito por qualquer outra vida. Mas não era assim tão trágico. A irmã só matava lagartixas. E formigas. E talvez um gato ou outro. Nunca entendera esse sadismo gratuito. Uma onda mais forte chegou aos joelhos, molhando a barra da bermuda. Lembrou-se então do pai, batendo-lhe nas costas e dizendo-lhe para ser mais homem, mais agressivo. “- Meu filho, esse mundo é o das imagens. Não importa o que você é. Não chore, não fraqueje”. Em uma outra ocasião, voltando de uma festa, seu pai parou-lhe na sala de tv:

- Como foi a noite?
- Boa.
- Como boa? Só boa? Você tá chegando tarde. Alguma mocinha mais benevolente? Sua mãe falou que você saiu com uma menina..
- Ângela, pai. Não é uma menina, é minha namorada há dois meses.
- Não importa. Ela e você.. Vocês...
- Vou subir pai, com licença. Estou cansado.

Seu pai nunca lhe perdoou por não se interessar verdadeiramente por garotas. Para ele, conhecer mulheres era o que havia de fundamental na vida. Mas seu pai não era apenas retórico. Morreu aos sessenta de câncer de próstata. Sem chorar, sem demonstrar nenhum medo da morte. Deixando as duas amantes um bom dinheiro. À mulher e aos filhos, um bom seguro de vida.

Estava totalmente escuro. Na praia, só o barulho das ondas, que já lhe molhavam a cintura. Estava dormente, mas a sensação de formigamento era boa. Sentiu aquela pontada de urgência, aquele sentimento de culpa, de que precisava fazer algo. Mas por quem? Era domingo, não tinha trabalho, os pais estavam mortos e a assassina de animais estava casada e feliz, com uma prole de três. Ele não tinha ninguém. E hoje, não ter ninguém não era libertador. Lembrou-se da Ana, a namorada mais solícita que já tivera. Ana fazia tudo por ele. Faltava a qualquer compromisso, a cada pequeno sinal que ele desse, de estar precisando de algo. De sexo a lenços de papel. Era cômodo ter a Ana. Depois de alguns meses, Ana era uma sombra insuportável. Quando eles terminaram, ele foi ao Arpoador, subiu nas pedras e gritou : - Eu sou livre! , repetidas vezes. E isso o fez bem, o fez sentir-se dono de si e dono do mundo e de todas as suas novas oportunidades. Hoje o “eu sou livre”, havia virado “eu não tenho ninguém”. E a realidade era cruel: voltar pra a Ana não mudaria nada. As velhas e boas soluções não estavam servindo , aos novos tempos.

Levantou-se completamente molhado, tiritando de frio. Ainda era domingo, ainda era noite, embora todas essas lembranças parecessem ter ocupado muito tempo. Andou até o carro, passando por dois casais de namorados, em carros com vidros embaçados. Pediu uma dose de vodka num quiosque, incrivelmente ainda aberto. Agora podia. A catarse havia acabado. Além disso, era em nome do frio.

Entrou no carro e uma criança correu, em busca de um real. Baixou o vidro e perguntou, olhando nos olhos do menino, que não tinha mais que sete anos, o que ele faria com o dinheiro. “-É pra comprar pão, tio. Minha mãe não tem emprego”. Entregou cinco reais ao menino, que não sorriu, nem disse obrigado. Então gargalhou rindo de sua própria tentativa desesperada, de comprar o alívio com cinco reais. Seria mais decente comprar mais uma dose de vodka.

O carro deslizou pela orla da cidade maravilhosa e o corcovado o vigiava. A semana começaria, a rotina começaria, mas ele tomou uma grande decisão: não morreria de câncer. Cirrose talvez, câncer jamais. Estava cansado de fracassar em agradar o pai, enganando a si mesmo, fingindo que não se importava. O pai estava morto. E ele quase. Aos novos tempos, fez um brinde imaginário. Um novo personagem entra em cena. De agora em diante, fracassaria em ser si mesmo.

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