Eu sou normal, acredite
Sentem-se,  o show vai começar
Proteja-se: você pode ser o próximo
Mudando um pouco seu dia-a-dia
Tudo que você sempre quis ser, mas tinha vergonha
Se quiser, ponha açúcar
Got popcorn?
Let's swing, babe
Plante uma árvore, tenha filhos, escreva um livro
POW! CRASH! TUM! SNIKT!
O que você está olhando?
Porque o importante é vencer
 : )
You're hot - come on in
Veja tudo que você nunca quis ver
Saiba quem são os culpados por isso
Seja experto! Gaste pouco e ganhe muito
Sugestões? Comentários?
Perdeu algo de bom? Garanto que não

Estorvo, narrando sonhos, ou não por Vivian Rangel


"Não estou entrando em nenhum lugar,
mas saindo de todos os outros"

(Estorvo, Chico Buarque)


Existem certos livros que deveriam ser obrigatórios para a formação de um indivíduo. Estorvo, o primeiro romance de Chico Buarque faria parte dessa lista. Ele foi escrito em 1991, em Paris e desde então, ganhou um prêmio Jabuti e foi transformado num belo filme, pelo cineasta Rui Guerra, indo ao festival de Cannes, inclusive. Como o próprio nome diz, o livro perturba, causa embaraço, atropelo, faz oposição.Capa do livro de Chico Buarque Estorvo voltou ao meu pensamento ao ver Cidade dos Sonhos (Mulholand Drive), filme que está causando um rebuliço no cinema. No fim dos créditos, várias pessoas reclamaram, do que elas diziam ser um total nonsense, outras simplesmente detestaram o filme. Eu permaneci estupefata olhando a tela e me sentindo uma ameba, porque eu havia entendido muito pouco. Foi a mesma sensação que tive ao ler Estorvo. O filme ainda não acabou, porque ele continua dançando cenas e me obrigando a pensar. Estorvo também não acaba, continua questionando muito tempo depois do fim da sua leitura.
Estorvo não é linear, não obedece ao tradicional início, meio e fim. E nem vai do fim ao início. A história começa com uma campainha insistente, um visitante inesperado. Ao receber a visita dessa pessoa ele sente que deve fugir. Não se sabe se o personagem principal sonha ou vive, ou a partir de onde sonha. O fato é que a angústia e o desespero do personagem, constantemente entre realidade e imaginação dominam o leitor, que passa a viver essa busca. Numa inquietude absurda , narrada em primeira pessoa, o personagem começa a fugir de alguém que não sabe quem é. Ele se envolve numa trama de suspense com traficantes e policiais corruptos e tenta buscar a proteção da irmã. Tenta rever a ex-mulher, a mãe, o velho sítio povoado por memórias da sua infância. Mas não consegue completar sua jornada e não se pode saber se houve fim pra sua busca. Até porque a busca não foi definida. Visitar sua mãe é doloroso e ele adia. Visitar sua irmã em busca de dinheiro é necessário. Sua ex-mulher olha pra ele com pena, amor e impaciência.
Em cidade dos sonhos acontece o mesmo. Pode-se interpretar o que é sonho e seguir doze pistas, publicada pelos críticos, para entender o filme (embora eu não tenha sacado várias delas), mas o filme provoca a mesma inquietude, angústia e medo. Não há final feliz. Não há ninguém pra nos acordar e dizer que é apenas um pesadelo. É um sonho-vida contínuo.
Algumas pessoas lerão estorvo e dirão que se trata apenas de um livro chato, lento e sem sentido. Outras assumirão ares de intelectuais, aplaudindo o brilhantismo de Chico Buarque . Aonde você vai, meu fillho?Mas no caso de estorvo é mais importante sentir do que entender. Mais que completar algum sentido, o livro toca e permanece. Tempos depois, ao ver David Linch dizendo que não faz filmes para que o público entenda eu me lembrei de Estorvo. Porque eu duvido que algum autor faça alguma obra que não pretenda tocar o público. Que não haja entendimento nos moldes tradicionais , tudo bem, mas algo tem que ficar, questionar, perturbar, mover.
Estorvo é um livro que não vai ser facilmente entendido , pelo menos aos reles mortais, que não freqüentam o seleto grupo dos intelectuais da literatura. Mas é um livro que vai ser sempre lembrado. Não é um romance que deixa um suspiro de alívio e inveja. É uma pergunta em aberto, é um questionamento infinito. Dessa vez , não se trata da Ópera do Malandro, com Geni sendo apedrejada, e saciando assim. a vontade do povo. Não há julgamento final, porque não há fim, seqüência ou limites, como nos sonhos.


Ficha técnica
Estorvo, Chico Buarque, Cia das Letras, 1991.
Cidade dos sonhos , "Mulholand Drive" , David Linch, 2001