ESTUDO CITOLÓGICO DO LINFONODO PELO IMPRINT
INTRODUÇÃO E FINALIDADE DO ESTUDO
1. A LINHAGEM LINFÓIDE NORMAL
Etapa central
Etapa periférica
2. ESTRUTURA DO LINFONODO
Evolução do folículo linfóide primário para o secundário.
Estudo do material obtido pelo imprint.
Distribuição das células linfóides no linfonodo: correlação com a fisiologia do
estímulo antigênico
3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO CITOLÓGICO DO LINFONODO PELO IMPRINT
Coleta do material e confecção do imprint
Distribuição das células no material obtido pelo imprint
4. LAUDO DO IMPRINT DO LINFONODO
BIBLIOBRAFIA
Introdução:
Escrevi esse artigo em 1997 com a finalidade de
transmitir a minha experiência obtida durante muitos anos no Instituto Nacional de Câncer, RJ.
Esse artigo é dirigido aos hematologistas e anatomopatologistas que estão se iniciando no
estudo da patologia dos linfonodos.
É nossa intenção fornecer os conhecimentos básicos que propiciem a interpretação dos
achados no imprint do linfonodo, e facilitar o aprendizado que somente será consolidado no
treinamento ao microscópio.
Temos empregado de rotina, no Instituto Nacional de Câncer, a citologia pelo imprint
para auxiliar no laudo das biópsias de linfonodo.
Mantemos reunião conjunta na discussão dos achados da histopatologia, imunohistoquímica,
imunocitoquímica (citometria de fluxo) e citologia pelo imprint.
Finalidade:
A principal finalidade desse estudo é fornecer detalhes da
morfologia celular para complementação do laudo histopatológico. Isso se justifica porque cada
vez mais aumenta a necessidade de identificação das células, e conseqüente tipagem do processo
patológico, em particular dos linfomas e das leucemias.
Queremos ressaltar que nem de longe esse estudo se propõe a substituir o laudo
histopatológico, já que não podemos prescindir dos dados referentes às alterações que se
passam nas diversas estruturas do linfonodo: folículos, seios, sinusóides, estroma, vaso,
cápsula, tecido pericapsular, etc. O inverso muitas vezes é verdadeiro; com material de bom
padrão para estudo histopatológico podemos prescindir do imprint.
Algumas classificações como de Rapapport (11) e Working Formulation (10) levam em
consideração o tamanho das células e as características morfológicas, sem procurar
identifica-las e nem traçar uma correspondência com os elementos das linhagens normais.
Ao contrário, esse tem sido o objetivo das classificações de Kiel (7 ) , de Lukes e Collins (9)
e do International Lymphoma Study Group (4), para citar algumas.
Pelo imprint do linfonodo, estudamos apenas as células que se desprendem do material
obtido por biópsia quando tocamos, com discreta pressão, a superfície do corte na lâmina de
vidro. As células que predominam no material do linfonodo, reacional ou patológico, são da
linhagem linfóide. Por esta razão, é imperativo fazermos uma descrição sucinta da linhagem
linfóide normal antes de entrarmos no assunto.
Vamos nos ater à morfologia sem a preocupação de fazer referência aos marcadores
imunológicos para não nos afastarmos da finalidade principal do assunto.
Posteriormente, com o mesmo sentido, forneceremos uma descrição esquematizada do
infonodo para facilitação da exposição.
1. A linhagem linfóide normal
Consideraremos a linhagem linfóide em duas etapas distintas:
a) Etapa central: tem início com a diferenciação da stem cell pluripotente no
progenitor da célula linfóide. No ser humano, após o nascimento, essa diferenciação acontece
na medula óssea. Desse momento em diante, a célula linfóide será programada para as funções
de célula T ou B.
A célula programada para ser T (protimócito) desloca-se da medula óssea para a porção
subcapsular da cortical tímica, onde em contato com células do microambiente, e sob efeito de
diversas substâncias, sofre diferenciação à medida que se desloca pelo restante da cortical e
pela medular do órgão, até ficar em condições de reagir com o antígeno (T supressor ou T
auxiliar). Essas células "virgens" (ainda não ativadas pelo antígeno) migram para os órgãos
linfóides periféricos (linfonodo, amigdala, baço, formações linfóides do aparelho digestivo
e respiratório) e instalam-se em locais específicos. Muitas delas mantêm tráfego constante
nos vasos linfáticos e sangüíneos.
A célula linfóide programada como B é preparada na própria medula óssea. Pelos
estímulos do microambiente, passa por etapas distintas (pré-B inicial e pré-B tardia), até
alcançar o nível de célula linfóide B pronta para reagir com o antígeno. Do mesmo modo que as
células T, elas também têm seus locais específicos nos órgãos linfóides periféricos (veremos
posteriormente) e também trafegam nos vasos sangüíneos.
Essa fase de formação das células linfóides T e B, que se passa na medula óssea e no
timo, é denominada central.
b)Etapa periférica:é a que mais se relaciona com o
nosso tema. Aqui, têm início as transformações das células linfóides T e B "virgens" após contato
com o antígeno. Essas transformações, que se passam nos órgãos linfóides periféricos, e serão
mais tarde detalhadas, têm como finalidade gerar as células efetoras (T e B) que reagirão
especificamente com o antígeno que deu início ao estímulo. Têm também a finalidade de ampliar
o clone, e gerar a célula memória para o antígeno correspondente.
Como o nosso assunto diz respeito ao imprint do linfonodo, nossa exposição será
referente, apenas, a esse órgão.
Diferentemente dos demais órgãos, os órgãos e tecidos linfóides não apresentam
estrutura estável em estado de normalidade, pois sofrem modificações a todo o momento quando
são estimulados pelos antígenos.
Parte das células linfóides dos linfonodos desloca-se no seu interior, sai do órgão
pelos linfáticos eferentes do hilo, e pelas vênulas pós-capilares de epitélio alto; circula
pelos vasos sangüíneos e linfáticos trafegando por todo o corpo, e retorna pelos vasos
aferentes que penetram na cápsula, e pelas vênulas pós capilares. Desse modo, o linfonodo
apresenta estrutura mutável decorrente do tipo, da intensidade e do tempo da estimulação
antigênica. Por esta razão, é importante ter em mente que o estudo histopatológico e
citológico do linfonodo reacional, corresponde a um dado momento de sua transformação.
Sempre que há estímulo antigênico as células linfóides T e B se transformam e
proliferam; o mesmo podendo acontecer com outros constituintes do linfonodo: macrófago,
histiócito epitelióide, vaso sangüíneo, fibra de reticulina e de colágeno, etc.
Surgiria então, nesse momento, uma pergunta: qual seria a estrutura real do
linfonodo que não tenha sofrido qualquer estímulo antigênico ? Essa resposta pode ser
encontrada no trabalho de Hansen e Good (3) que mostra a histologia de um linfonodo humano
não estimulado, de um estudo de Tsakraklides do Memorial Sloan Kattering Cancer Center: um
linfonodo de tamanho diminuto, contorno irregular, cortical esparsa sem centro germinativo,
com acúmulo de pequenos linfócitos não transformados, e proeminentes sinusóides linfáticos na
posição medular. Há uma foto do referido linfonodo.
Entretanto, na maioria das vezes em que um linfonodo é biopsiado, deve-se ao fato dele
ter aumentado de tamanho, o que o torna facilmente identificável. Isso se dá em conseqüência
de processo reativo a estímulo antigênico, ou porque ele foi comprometido por processo benigno
não reativo (lipomatose, histiocitose sinusal, hemangioma, etc.) ou maligno (linfoma,
carcinoma, etc.).
Forneceremos inicialmente uma descrição esquematizada do linfonodo "normal" (reativo)
com seus principais componentes, e faremos correlação com as funções imunológicas com base na
recomendação da Organização Mundial de Saúde (1).
2. Estrutura do linfonodo
Como pode ser visto na figura 1, o linfonodo é revestido por uma membrana fibrosa
(cápsula) que emite projeções para o interior do órgão (trabéculas). Na porção cortical
(I da figura 1) estão distribuídos os folículos linfáticos.

Figura 1: Estrutura esquematizada do linfonodo, I = Zona cortical, II = Zona paracortical,
III = Zona medular. 1 = Folículo linfático primário. 2 = Folículo linfático secundário, no
centro (claro) o centro germinativo, na periferia (escuro) o manto. 3 = Sinusóides. 4 =
Capilares. 5 = Trabécula. 6 = Cápsula. 7 = Linfático aferente. 8 = Seio subcapsular. 9 =
Seio paratrabecular. 10 = Linfático eferente. 11 = Veia. 12 = Artéria.
O folículo que ainda não sofreu estímulo antigênico não contém centro germinativo,
e é constituído, apenas, de pequenos linfócitos que preenchem uma rede de células reticulares
dendríticas (folículo primário).
O folículo secundário apresenta morfologia distinta resultante do estímulo
antigênico. É composto de uma parte periférica (manto), mais escura que a central devido ao
efeito produzido pelo aglomerado dos pequenos linfócitos, que eram os constituintes do folículo
primário. A parte central (centro germinativo), contrasta com o manto pela cor clara,
derivada do acúmulo de centroblastos (Cb), e centrocitos (Cc), que são maiores que os
linfócitos e têm cromatina delicada e hipocrômica.
Partindo da cortical, em direção ao hilo, estende-se uma zona sem folículos e de
aspecto homogêneo denominada paracortical (II da figura 1). Nas proximidades do hilo há uma
pequena zona (III da figura 1) para onde confluem os sinusóides que formarão os linfáticos
eferentes.
Os vasos linfáticos chegam ao linfonodo atravessando a cápsula (vasos linfáticos
aferentes) e desembocam nos seios subcapsulares. Percorrem a cortical e chegam à zona medular
onde confluem para formar os linfáticos eferentes que deixam o órgão pelo hilo.
Os vasos sangüíneos, que nutrem o linfonodo penetram pelo hilo, estendem-se na direção
da cápsula e ramificam-se em capilares. Em continuação aos capilares temos as vênulas,
com paredes especiais (endotélio cilíndrico), denominadas vênulas de endotélio alto. Esse local
é de grande importância para o tráfego dos linfócitos T e B, pois, essas células atravessam a
parede nesse ponto dos vasos, entre as células endoteliais. As vênulas dirigem-se para a
zona medular, constituindo vasos de maior calibre, e abandonam o linfonodo pelo hilo.
Como foi dito anteriormente, no início da estimulação antigênica, o folículo primário
transforma-se em folículo secundário. Os estudo acerca dessa etapa têm evoluído muito nos
últimos anos (5, 8) e merece, nesse momento, atenção especial já que os detalhes são
imprescindíveis ao entendimento do assunto.
Evolução do folículo primário para o secundário:
Como já referimos, o folículo primário diferencia-se do secundário por ser constituído,
apenas, de um aglomerado de pequenos linfócitos, em uma malha de células dendríticas
foliculares. Em contraposição, o folículo secundário apresenta um aglomerado de pequenos
linfócitos, formando um anel escuro devido ao contraste com a parte central, que possui
células que fornecem uma tonalidade mais clara. O anel escuro de pequenos linfócitos é
denominado manto. A parte central, ou centro germinativo, tem a tonalidade mais clara porque
é constituído por células maiores que o linfócito com cromatina mais clara (centroblastos e
centrocitos).
O manto de pequenos linfócitos que circunda o centro germinativo no baço, difere da
zona correspondente no linfonodo. No baço, esse manto é separado em duas camadas distintas:
uma interna envolvendo o centro germinativo que é composta de pequenos linfócitos e denominada
por coroa linfática (manto), e outra externa, com células linfóides de médio tamanho,
com maior espaço entre elas, designada por zona marginal.
Nos últimos anos as pesquisas têm demonstrado que a zona marginal pode ser identificada
também nos linfonodos (12).
O folículo primário possui células linfóides "virgens" prontas para reagir com o
antígeno, e o secundário, além dessas células que foram "empurradas" para a periferia
(formando um manto mais escuro que o centro), contém na zona clara células linfóides em
multiplicação e transformação (centro germinativo).
Sabemos hoje que as células linfóides "virgens" são ativadas somente na região extra
folicular. Isso se dá pela interação do linfócito B com o linfócito T4 e a célula reticular
interdigitante. Logo após a ativação, o linfócito B se transforma em célula linfóide blástica
que migra para o folículo primário (8).
O estágio inicial da formação do centro germinativo no folículo primário, decorre do
crescimento exponencial da célula blástica na parte central do folículo (figura 2). Em três dias
após a exposição ao antígeno, o número de blastos atinge 1 - 1,5 x 104 com um tempo de ciclo
celular de 6 horas. Após algumas horas, inicia-se a formação da zona escura que decorre da
transformação das células linfóides blásticas (também denominadas pequenos centroblastos)
em centroblastos (grandes centroblastos).

Figura 2: Folículo secundário. I = Zona clara apical. II = Zona clara basal.
III = Zona escura. IV = Manto. CBB = Célula blástica B, Cb = Centroblasto,
Cc = Centrocito, CDF = Célula dendrítica folicular, H = Histiócito, BMR = Célula
B memória não circulante, Ib = Imunoblasto. Detalhes no texto.
Esse acúmulo de células em proliferação e
transformação, apresenta disposição polar na base do centro germinativo. Os centroblastos
vão se deslocando e se transformando em centrocito cujo acúmulo delineará a zona clara do
centro germinativo. Nesse momento, na zona clara, inicia-se o processo de seleção das células.
Somente continuarão se transformando as células que tiverem receptores com grande afinidade
pelo antígeno apresentado pela célula dendrítica folicular.
As células com pouca afinidade pelo antígeno sofrerão apoptose (morte programada) sendo
conseqüentemente fagocitadas pelos histiócitos. Essa fase de aparecimento dos centrocitos e
aumento do número dos histiócitos se dá no quarto dia do estímulo antigênico (6).
O centrocito, selecionado pela célula dendrítica folicular para prosseguir a
transformação, diferencia-se em célula linfóide B-memória recirculante e migra para o manto.
Outra célula derivada do centrocito é a célula linfóide B-memória não recirculante que migra
para a zona perimanto (marginal). Por fim, outro caminho percorrido pelo centrocito é a
transformação em imunoblasto, o qual migrará para a medula óssea e originará os plasmócitos,
responsáveis pela síntese das imunoglobulinas G e A nesse local.
O máximo de transformação celular, com distinção das diversas regiões nessa reação do
centro germinativo, é atingido entre 1 e 3 semanas. Após 3 semanas, o centro germinativo
torna-se pouco reativo. praticamente não há quase centroblasto e centrocito, e tão somente
pequeno número de células linfóides blásticas. Tudo leva a crer que essas células blásticas
mantêm a resposta imunológica por cerca de 1 ano, pois resultam da constante transformação,
nesse local, dos linfócitos memória recirculantes. Desse local derivam os plasmócitos da medula
óssea, com vida média de 4 semanas, que mantêm a produção de IgA e IgG por longo tempo. O
estímulo da célula memória por longo período decorre da apresentação dos imunocomplexos fixos
à membrana das células dendríticas foliculares.
Distribuição das células linfóides no linfonodo e correlação com a fisiologia do estímulo
antigênico:
Fornecidos os principais dados referentes à arquitetura do linfonodo e as diversas
etapas de transformação linfóide no centro germinativo, estamos aptos a entender a etapa
periférica, ou seja, a etapa de transformação e multiplicação das células linfóides na resposta
ao estímulo antigênico.
Vamos, pois, fazer um apanhado geral dessa etapa a partir do estímulo antigênico,
determinando as posições das células nas diversas estruturas do linfonodo (figura 3).

Figura 3: CID = Célula interdigitante, T = Linfócito T, B = Linfócito B,
CBB = Célula blástica B, Cb = Centroblasto, Cc = Centrocito, Ib = Imunoblasto, TM = Linfócito
T memória, CMR = Célula linfóide B memória recirculante, BMN = Célula linfóide B memória não
recirculante, Pb = Plamablasto, P = Plasmócito, Pt = Linfócito plasmocitóide, TH = Linfócito
T auxiliar (helper), TS = Linfócito T supressor, Ag = Antígeno. Detalhes no texto.
O antígeno chega ao linfonodo, carreado pelas células vilosas, através dos vasos
linfáticos aferentes que entram pela cápsula e desembocam nos seios subcapsulares, ou pelas
vênulas pós capilares de endotélio alto.
As células vilosas que derivam das células de Langerhan da pele, originam as células
reticulares dendríticas interdigitantes que habitam a porção extra-folicular (paracortical).
Também, as células reticulares dendríticas foliculares, com antígeno na superfície, participam
da ativação das células linfóides B, porém, apenas do linfócito que veio da paracortical ou,
posteriormente, do linfócito memória. O linfócito "virgem" não é ativado nesse local.
Após contato com o antígeno, que é apresentado pela célula dendrítica interdigitante
extrafolicular ou pela célula dendrítica folicular, as transformações que ocorrem têm como
finalidade: ampliar o clone, formar as células efetoras T e B e gerar a célula memória. As três
metas são dirigidas especificamente para o antígeno que serviu de estímulo.
A ativação do linfócito T tem lugar somente na região extrafolicular. Após contato com
o antígeno apresentado pela célula interdigitante, o linfócito T sofre transformação (aumento
de tamanho da célula e da faixa citoplasmática, a cromatina fica mais delicada e os nucléolos
se destacam) indo até a etapa de imunoblasto. O imunoblasto multiplica-se ampliando o clone e
origina os linfócitos efetores (T auxiliar e supressor) e o linfócito memória.
Já o linfócito B segue dois caminhos distintos na ativação. O primeiro passa-se também
na zona extrafolicular: em associação com o antígeno apresentado pela célula interdigitante e
o linfócito T auxiliar verifica-se a transformação até imunoblasto. Essa célula diferencia-se
em plasmócito de vida curta que é responsável pela síntese de IgM na zona medu-lar do linfonodo,
e no linfócito memória. O segundo caminho trilhado pelo linfócito B após ativação pelo antígeno
na célula interdigitante, na presença do linfócito T auxiliar, passa-se no interior do folículo.
Dessa ativação origina-se a célula linfóide blástica que migra para o centro germinativo onde
também são chamados de pequenos centroblastos. Aí proliferam e diferenciam-se nos grandes
centroblastos que se dividem e se diferenciam em centrocitos sem contudo aumentar em número.
Em seguida, os centrocitos passam pela seleção, referida anteriormente, e originam os
linfócitos memória e o imunoblasto, que migra para a medula óssea e gera plasmócitos
responsáveis pela síntese das imunoglobulinas G e A.
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