Como em qualquer setor da medicina, aqui também é imprescindível lançar mão dos três meios de
coleta de dados para chegar a um diagnóstico: história da doença atual (HDA) com a história
pregressa pertinente (HP), história familiar (HF) e exames complementares.
Resolvemos comentar esse tópico considerando os três itens, concomitantemente, deixando de
trata-lo de forma didática, mas adotando uma postura prática e objetiva, obedecendo aquela
que o médico empregará para resolver tais problemas.
Ressaltamos que, apesar da importância dos dados coletados na HDA e na HF, nos distúrbios
hemorrágicos, os testes laboratoriais dirigidos para os componentes hemostáticos, são
prioritários. A razão para isso está em que, na maioria das vezes, somente com eles chegaremos
ao diagnóstico de certeza, e deles dependeremos para o acompanhamento do paciente quando houver
distúrbio hemorrágico.
Por estas razões, encaminharemos o nosso raciocínio tendo como base os exames para o estudo da
hemostasia e usaremos os dados obtidos pela HDA e pela HF para nortearmos as investigações.
Dividiremos esse tópico em dois itens:
1 - Exames de rotina : o número mínimo necessário de testes para descobrir anormalidade no
mecanismo hemostático, acompanhados da anamnese dirigida para distúrbios hemorrágicos. 2 -
Exames empregados para esclarecimento do defeito hemostático.
Os exames mais específicos para caracterizar as doenças e síndromes hemorrágicas mais
freqüentes, e mais raras, serão citados quando falarmos delas.
1 - Exames de rotina.
Como pode ser visto na Figura 1, consideramos como exames de rotina, para o fim citado, o
tempo de protrombina (TP), o tempo de cefalina, também conhecido como tempo de tromboplastina
parcial ativado (TTPa), o tempo de sangramento (TS) e a contagem de plaquetas (CPq).

Figura 1: Na área azul constam os fatores cujo defeito é
identificado pelo tempo de tromboplastina parcial ativado. Na área amarela estão os fatores
cujo defeito é identificado pelo tempo de protrombina. Observar que os fatores X, V, II e I
(fibrinogênio) quando alterados, prolongam os dois testes. HMWK = Cininogênio de alto peso
molecular. PK = Pré-calicreina. TF = Fator tecidual. Pq = Plaqueta. O FXIII está fora do
alcance desses testes. Detalhes no texto.
Na Figura 1, os fatores que fazem parte da área amarela, quando têm o nível reduzido ou algum
impedimento para o seu funcionamento (anticoagulante ou defeito na estrutura molecular), alteram
o TP. Já os defeitos dos fatores da área azul alteram o TTPa.
Vemos que os fatores X, V, II e fibrinogênio fazem parte das áreas azul e amarela, o que quer
dizer que quando têm defeitos, ou seus níveis estão diminuídos no sangue, alteram o TP e o TTPa.
O FXIII não é atingido pelos dois exames citados; faremos, posteriormente, comentários sobre a
identificação de sua alteração.
Visto isso, temos que considerar algumas exceções importantes:
a - Para cada fator da coagulação, a diminuição do nível somente altera o exame correspondente,
a partir de determinado limite. Como pode ser visto no artigo de Aledort e colaboradores (ver
texto integral em bibliografia), níveis de 15-18% de FVIII não alteraram o TTPa do hemofílico
estudado. Também foi normal o TTPa de um hemofílico com FIX de 23%. Nesses casos, dados obtidos
na coleta das HP e HF puderam despertar a suspeita de algum distúrbio no paciente.
b - Como pode ser visto na Figura 1, a diminuição do nível de FXIII não leva à alteração desses
dois exames. Nesse caso, suspeitaremos de defeito desse fator quando houver hemorragia no
momento ou nas HP e HF, particularmente quando os pais apresentarem consangüinidade.
c - Além do TTPa não se alterar com a variação do nível do FXIII, também não se altera com a
diminuição do nível do FVII.
d - O inverso acontece com os fatores XII, HMWK e PK. A diminuição sangüínea do nível desses
fatores altera o TTPa, porém, não há qualquer possibilidade de sangramento, espontâneo ou
induzido por cirurgia.
e - O nível baixo de fibrinogênio nem sempre altera o TP e o TTPa, entretanto, o tempo de
trombina (TT) e a dosagem do fator podem chamar a atenção para o distúrbio. Entretanto,
é importante lembrar que o TT ainda é normal até o fibrinogênio atingir o nível mínimo de
1000 mg/L.
Por fim, além dos exames citados, para completar os exames de rotina, citamos o tempo de
sangramento (TS) e a contagem de plaquetas (CPq).
O TS de maior sensibilidade é aquele em que se faz uma incisão no antebraço com tamanho e
profundidade uniformizados por um molde, ou por meio de um dispositivo que dispara uma lâmina.
Em ambos os casos, as incisões são feitas com um manguito mantendo a pressão em 40 mm de Hg.
Dependendo do método, o normal máximo vai de 7 a 10 minutos.
O TS alterado serve para indicar diminuição numérica das plaquetas ou alteração funcional.
Também aqui, temos que ter em mente que níveis de plaquetas até 50.000/µL podem
apresentar TS normal.
O dismorfismo plaquetário no esfregaço sangüíneo, pode oferecer indicio de distúrbio funcional
plaquetário.
Observações sobre os exames de rotina:
¤ Tempo de protrombina (PT)
Alguns laboratórios fornecem, apenas, o PT do paciente e fazem referência aos valores normais do
método.
Esse modo de informar deixa muito a desejar, e poderá acarretar sérios problemas para o
acompanhamento de pacientes que estão recebendo anticoagulação.
A razão para isso é que os resultados do PT variam na dependência da tromboplastina que está
sendo empregada no referido teste.
O PT é o tempo obtido após a adição de cálcio à mistura de tromboplastina com plasma a ser
estudado.
Acontece que a atividade da tromboplastina varia de fabricante para fabricante e, quando do
mesmo fabricante, a atividade varia de partida para partida.
Em outras palavras, a determinação do PT de um plasma dará resultados diferentes se usarmos
tromboplastinas de diferentes origens, ou de diferentes partidas.
Desse modo, com a finalidade de uniformizar os resultados do teste, a Organização Mundial de
Saúde apresenta uma tromboplastina que serve de referência para a padronização das
tromboplastinas empregadas no PT.
Assim, com essa tromboplastina padrão, os fabricantes de tromboplastina podem calcular o índice
de sensibilidade internacional (ISI: international sensitivity index). Os melhores índices são
aqueles mais próximos de 1. Com ISI mais afastado do padrão internacional, haverá maiores
diferenças nos tempos de protrombina. O ISI vem referido no frasco.
Para dar maior sensibilidade ao método, emprega-se a relação do tempo de protrombina do paciente
com o tempo de uma mistura de plasmas normais (5 ou mais plasmas). A esse resultado denominamos
relação tempo de protrombina do paciente com o tempo dos plasmas normais.
Adicionando-se o ISI a essa relação, teremos o INR (international normalized ratio).
Desse modo, empregamos a seguinte fórmula para determinar o INR que tem o ISI como expoente:
INR = (PT DO PACIENTE/ PT DA MISTURA DE PLASMAS NORMAIS)ISI.
Os valores normais do PT variam entre 0.9 e 1.2.
¤ Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa)
O TTPa (ou tempo de cefalina) recebe a denominação "tromboplastina parcial" porque ele é
efetuado com o emprego da cefalina, a qual é parte da tromboplastina, após extração por meio
de clorofórmio.
O TTPa é o tempo que o plasma leva para coagular após a mistura com cefalina (tromboplastina
parcial), caulim e cálcio.
Também deve ser fornecido como relação "tempo do paciente/tempo de plasmas normais". Os valores
normais variam entre 0.9 e 1.2.
¤ Tempo de sangramento (TS)
Para a determinação do TS, emprega-se um dispositivo descartável que, ao disparar uma lâmina,
produzirá uma incisão com 6 mm de extensão por 1 mm de profundidade.
O local da incisão é a porção ventral do antebraço, longe de qualquer vaso sangüíneo.
Esse teste é efetuado mantendo-se um manguito no braço com pressão de 40 mm Hg.
O tempo de sangramento normal não deve ultrapassar de 7 a 10 minutos.
¤ Plaquetometria
A contagem de plaquetas é efetuada em contador automático de células.
Os valores normais variam entre 150.000 - 400.000 /mm3
Baseados no que foi exposto, nos deparamos com as situações que nos obrigarão a tomar
providências; são elas:
a - Havendo alteração de um dos exames de rotina, temos que prosseguir com os testes de
esclarecimento, mesmo que não identifiquemos hemorragia anormal na HDA, na HP e na HF.
Com isso, passaremos para o item 2.
b - Se apenas na HDA, na HP ou na HF houver evidência de sangramento anormal, o estudo para
esclarecimento deverá ser efetuado, mesmo que os exames de rotina estejam normais.
2 - Exames para esclarecimento do defeito hemostático.
Sempre que houver alteração em um ou nos dois exames de rotina (TP e TTPa), devemos pensar na
possibilidade de decréscimo do nível de um ou de vários fatores. Para esclarecer, devemos
efetuar a dosagem dos fatores.
Os fatores a serem dosados são aqueles que estiverem relacionados ao exame alterado, conforme
referimos no item anterior.
Em continuação ao esclarecimento do defeito hemostático, caso haja alteração do TP e do TTPa, e
as dosagens dos fatores do caminho intrínseco e extrínseco, como também dos fatores X, V e II,
estejam normais, realizaremos o TT que, alterado, poderá indicar nível baixo de fibrinogênio. A
dosagem desse fator confirmará, ou não, a suspeita.
Caso os exames de rotina, e os de esclarecimento estejam normais, devemos suspeitar de
anormalidade do FXIII. Para esclarecer efetuamos um teste simples de solubilidade do coágulo de
plasma em solução de uréia. Se o nível de FXIII estiver baixo, a ligação covalente entre os
monômeros de fibrina não se fará e, conseqüentemente, a fibrina gerada será solúvel na solução
de uréia. A dosagem do fator confirmará o diagnóstico.
Além de pensarmos em nível baixo de fator quando o exame de rotina estiver alterado, é
imprescindível que afastemos a possibilidade da presença de um anticoagulante circulante.
Para tal, efetuamos o tempo de recalcificação da mistura do plasma do paciente com plasma normal,
em partes iguais. Caso o tempo da mistura não seja maior que 4 segundos do tempo do plasma
normal, dizemos que houve correção e, nesse caso, estará afastada a possibilidade de
anticoagulante. Como há anticoagulante com ação tempo-dependente, devemos realizar o exame após
uma hora da mistura.
Também podemos realizar, no lugar do tempo de recalcificação da mistura dos plasmas, o TP ou o
TTPa, escolhendo o alterado ou o mais alterado no exame de rotina.
Prosseguindo o nosso raciocínio, caso os exames de rotina, para coagulação, estejam normais,
mas o TS apresenta-se aumentado, a plaquetometria confirmará, ou não, a trombocitopenia.
Na ausência de trombocitopenia, ou quando o nível da trombocitopenia não justificar a alteração
do TS, pesquisaremos defeito funcional plaquetário e Doença de von Willebrand.
Para esses esclarecimentos devemos contar com exames que somente são realizados em laboratórios
especializados no estudo da hemostasia. Vários deles utilizam aparelhos mais avançados e
técnicas bioquímicas, que na maior parte das vezes somente são efetuadas em laboratórios que se
dedicam à pesquisa.
Vamos fornecer maiores detalhes sobre os aparelhos e as técnicas diagnosticas usadas mais
freqüentemente no diagnóstico dos distúrbios funcionais plaquetários, incluindo a doença de von
Willebrand.
Um novo teste, prático, está sendo empregado para o diagnóstico da vWD - é o tempo de oclusão.
Para tal, é empregado um aparelho, o PFA-100 (Platelet Function Analyzer, Dade International,
Massy, France) para pesquisar defeito de adesividade e agregação plaquetárias, particularmente
na vWD.
O sangue total citratado é aspirado, sob alto "shear rate" (5000-6000 dyn/cm2 através
de um tubo capilar para uma abertura central (diâmetro de 150 µm) de uma membrana revestida
com colágeno e com agonistas plaquetários (epinefrina e ADP). O tempo requerido para obter
oclusão da abertura, por um trombo plaquetário, é denominado tempo de oclusão (TO) ["closure
time"].
O analizador é bem adaptado para testes de rotina, tendo as vantagens da simplicidade, da
fácil execução, do emprego de variado "shear rate/stress", reprodução do ambiente "in vivo",
e demonstrou grande sensibilidade e especificidade (ver bibliografia).
Outro exame importante é o estudo da agregação plaquetária por meio do agregômetro. Nesse exame,
pela transmissão de luz, obtem-se um registro da agregação plaquetária com o emprego de indutores
fisiológicos como: colágeno, epinefrina, ADP, trombina, e não fisiológicos como a ristocetina.
Mostramos na Figura 2 a curva de agregação plaquetária produzida pelas referidas substâncias.

Figura 2: Registros da agregação plaquetária obtidos com diversos agonistas.
A = curva normal bifásica. B = curva anormal demonstrando ausência da agregação pelo indutor
endógeno. C = curva anormal demonstrando ausência de resposta aos indutores exógeno e endógeno.
Detalhes no texto.
Na figura 2 a curva A é normal e de tipo bifásica produzida por indutores fisiológicos como a
epinefrina ou o ADP. As concentrações das substâncias, usadas no teste, podem variar na
dependência da finalidade do estudo. A primeira parte da curva é gerada pela ação direta da
substância empregada; já a segunda parte decorre da ação de substâncias excretadas pelo sistema
canalicular aberto, e derivadas dos corpos densos (reação de liberação) no momento em que a
plaqueta é ativada.
Fica fácil entender que se houver deficiência de substâncias do "pool" de armazenamento, ou
defeito das reações decorrentes da ação do indutor sobre seu receptor na membrana plaquetária, a
segunda parte da curva estará ausente já que não serão liberadas as substâncias responsáveis pela
agregação endógena. A curva característica desse tipo de resposta é a B. Esse tipo de curva
é visto nas deficiências de substâncias do "pool" de armazenamento e nos distúrbios da
transdução de sinais.
Na curva C, a curva é plana em virtude da ausência de resposta aos indutores externos e internos.
Esse tipo de resposta é encontrado na Trombastenia de Glanzmann com o emprego dos indutores
fisiológicos e na doença de von Willebrand com o emprego da ristocetina.
Outros testes, mais específicos para determinados distúrbios, serão comentados no tópico
correspondente.
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