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Há
dois tipos fundamentais de mecanismos de compensação:
(1)
Cardíacos
(2)
Sistêmicos
Cardíacos
São
quatro os mecanismos cardíacos:
(1)
Taquicardia
(2)
Aumento do volume sistólico
(3)
Hipertrofia
(4)
Dilatação
Taquicardia
Pode
chegar a 180-200 bpm e compensar eventuais reduções de volume sistólico.
Aumento
do volume sistólico
Pode
se elevar dos 70 ml normais para até 160 ml nas insuficiências de alto
débito; isso é obtido agudamente através da modificação das
condições de carga imposta ao coração, via aumento do retorno venoso (venoconstricção),
aumento na força de contração decorrente de maior influxo de cálcio ao
miocárdio e incremento no sinergismo, além de melhoria nas propriedades
lusitrópicas.
Hipertrofia
Ocorre
em conseqüência do aumento da tensão na parede e corresponde a um
aumento na quantidade de miosina-actina dentro de cada fibra, de modo que
a tensão se distribua por um maior número de sarcômeros e permaneça
próximo ao valor normal para cada um.
Dilatação
Permite
o volume sistólico lançado na aorta em níveis adequados por algum
tempo, mesmo com uma fração de ejeção. Esse fenômeno torna-se mais
fácil de entender quando lembramos que uma redução pequena na
circunferência de uma grande esfera ejetará um volume muito maior do que
a mesma redução na circunferência de uma esfera pequena.
Como
você verá adiante, o maior tamanho diastólico favorece a contração
muscular porque um mesmo grau de encurtamento de cada fibra ejeta um maior
volume e há, além disso, uma redução de fricção no interior do
miocárdio.
Mecanismos
Sistêmicos
Modificação
no padrão de consumo de Oxigênio
Três
medidas diminuem a gravidade da insuficiência cardíaca:
(1)
A adoção do metabolismo anaeróbico pelas células equipadas com
aparelho enzimático capaz de realizá-lo;
(2)
Aumento de extração periférica de oxigênio, que explica a maior
diferença arteriovenosa de oxigênio, observada nos portadores de ICC;
(3)
Redução na afinidade da Hb pelo O2, facilitando a troca gasosa nos
tecidos periféricos.
É
de todo conveniente lembrar que temos uma reserva de 800 ml de oxigênio
(os cinco litros de débito de uma pessoa normal são capazes de
transportar 1.050 ml de O2, dos quais só utiliza cerca de 250
ml por minuto).
Redistribuição
do fluxo sangüíneo:
Presidida
pelo sistema nervoso autônomo, divisão simpática, porém necessitando
de outros sistemas vasoconstrictores locais e circulantes. A
redistribuição resulta no estabelecimento de prioridades na
distribuição do pequeno débito fornecido pelo coração, privilegiando
artérias cerebrais e coronárias e reduzindo precoce e
desproporcionalmente o fluxo sangüíneo para pele, rins, circulação
esplâncnica e esplênica.
A
lógica da redistribuição é que, como o débito cardíaco está
reduzindo na insuficiência cardíaca, não é mais possível oferecer a
cada órgão a parcela do fluxo sangüíneo que habitualmente era
fornecido; estabelece-se, então, uma espécie de
"racionamento", com redução desproporcional no fluxo
sangüíneo para órgãos como pele e rins, de modo a ser possível a
manutenção de fluxo normal para cérebro e coração, considerados
"prioritários".
Aumento
da Resistência Periférica Total (RPT)
Ocorre
tanto por descarga simpática quanto por ativação do Sistema
renina-angiotensina-aldosterona (S-RAA) e ADH-vasopressina.
A
diminuição da pressão de filtração glomerular resulta em ativação
do aparelho justaglomerular, que libera uma enzima de nome renina, a qual
atua sobre o angiotensinogênio produzido pelo fígado (requerendo para
esta síntese presença de glicorticóides e estrógeno).
O
angiotensinogênio é transformado em angiotensina I e esta, ao sofrer a
ação da Enzima Conversora existente no endotélio pulmonar e sistêmico,
é ativada formando Angiotensina II, (o mais potente vasoconstrictor
sistêmico de que se tem notícia) e Angiotensina III (poderoso estímulo
à liberação de Aldosterona e ADH-vasopressina, mas também
vasoconstrictor).
Esses
três sistemas (S-RAA, simpático e ADH-vasopressina) representam os mais
poderosos reguladores da estabilidade hemodinâmica, capazes de aumentar a
resistência periférica total e desse modo, impedir a queda na TA que
seria observada inevitavelmente em conseqüência do baixo débito
cardíaco (TA = Dc x RPT).
Entretanto,
a manutenção da estabilidade hemodinâmica às custas de hiperatividade
destes três sistemas pressores só é útil em curto prazo, uma vez que
sua hiperfunção crônica está associada à deterioração da
performance ventricular: a resistência periférica total é o principal
determinante da pressão sangüínea no leito arterial e da pós-carga
impostas ao ventrículo esquerdo, de modo que é cada vez mais difícil
para o ventrículo esvaziar seu conteúdo na aorta.
Na
insuficiência cardíaca congestiva moderada a grave, o sistema nervoso
simpático contribui com 35% na manutenção da estabilidade hemodinâmica,
o sistema renina-angiotensina-aldosterona (S-RAA) contribui com 40% e o
ADH-vasopressina responde por 25% do controle.
Com
a inibição de um desses mecanismos estabilizadores leva à estimulação
compensatória das demais, essas porcentagens correspondem a uma média,
existindo enorme variação na contribuição individual de cada sistema
de um paciente para outro.
Hipervolemia
O
aumento significativo no volume de sangue circulante constitui-se num dos
mais importantes mecanismos de compensação cardiovascular, uma vez que
visa manter níveis elevados de volume de retorno venoso, garantindo maior
enchimento diastólico e ativação do mecanismo Frank-Starling.
A
hipervolemia resulta do trabalho conjunto e sinérgico do sistema
renina-angiotensina-aldosterona e do ADH-vasopressina, que determinam
avidez renal respectivamente de sódio e água.
Essa
otimização na pré-carga cardíaca pode permitir manter razoável
desempenho cardíaco, porém às custas de aumento na pressão de
enchimento ventricular, que se transmite retrogradamente às veias; tal
regime de hipertensão venosa pode gerar sintomas congestivos como
dispnéia e sinais como edema.
É
importante salientar que, nas formas graves e avançadas de insuficiência
cardíaca, o aumento na volemia não se traduz em melhoria da performance
cardíaca, pois o sangue fica retido no leito venoso pela incapacidade
cardíaca de lançar esse volume de sangue na rede arterial. Isso
determina hipertensão venosa, com o desenvolvimento de edemas.
A
relação entre edemas e ICC foi descrita há 800 anos (século XIII),
porém só teve aceitação científica na década de 1940, quando se
constatou a hipertensão venosa na ICC. Por essa época, havia enorme
controvérsia se a causa de edema era a expansão de volume (hipervolemia)
ou venoconstricção.
A
dúvida somente foi dirimida quando descoberto o sistema
renina-angiotensina-aldosterona, responsável tanto pela hipervolemia
quanto pela vasoconstricção arteriolar e venosa observados na ICC. Na
década de 60 foram introduzidos os diuréticos no arsenal terapêutico
contra as manifestações edematosas da insuficiência cardíaca
congestiva.
Utilização
Progressiva dos Mecanismos de Compensação
Do
ponto de vista evolutivo, tentando dar cronologia à história natural da
insuficiência cardíaca congestiva, podemos estudar três tipos de
mecanismos:
(1)
Agudos
(2)
Subagudos
(3)
Crônicos
Mecanismos
Agudos
São
os mesmos utilizados rotineiramente por indivíduos normais durante
exercício:
(1)
Descarga simpática
(2)
Adoção de metabolismo anaeróbico
(3)
Aumento da extração de oxigênio
(4)
Redução da afinidade de Hemoglobina ao oxigênio
Atividade
Simpática
Quando
o coração falha como bomba, a distensão arterial é diminuída pela
queda na volemia eficaz; isso ativa os baroceptores do arco aórtico e do
seio carotídeo, determinando aumento na atividade simpática, com a
conseqüente liberação de nor-adrenalina intracardíaca e de adrenalina
e nor-adrenalina (catecolaminas circulantes) a partir da medula adrenal.
A
nor-adrenalina intracardíaca desempenha papel fundamental no
funcionamento do coração sadio e principalmente no patológico, na
medida em que aumentam a força de contração miocárdica (inotropismo) e
a freqüência cardíaca; desse modo, restaura o débito cardíaco (Dc =
Fc . Vs) e a perfusão dos tecidos periféricos.
Além
disso, a descarga simpática redistribui o fluxo de sangue da pele, rins e
órgãos esplâncnicos para os órgãos nobres como o cérebro e
coração; por fim, porém não menos importante, a descarga simpática
aumenta o tônus do músculo liso das veias, com elevação do retorno
venoso, o que permite enchimento diastólico mais completo, maior
distensão das fibras miocárdicas e ativação do mecanismo de
Frank-Starling do coração.
Na
insuficiência cardíaca descompensada, a freqüência cardíaca está
invariavelmente elevada. Essa taquicardia compensatória é muito
importante porque mantém o débito cardíaco em níveis normais, apesar
do volume sistólico estar diminuído e fixo por causa da insuficiência
cardíaca. Entretanto, apesar dessa óbvia vantagem, a taquicardia afeta
desfavoravelmente o miocárdio, pois não só aumenta o consumo de O2
pelo miocárdio (MVO2) (quanto maior a freqüência cardíaca,
maior o MVO2) mas, também, potencialmente reduz a oferta de
oxigênio ao miocárdio (já a taquicardia encurta o tempo diastólico no
qual ocorre o fluxo coronariano para o ventrículo esquerdo).
As
descargas simpáticas estão associadas à inibição do tônus
parassimpático vagal; estas divisões do sistema nervoso autônomo
possuem sensores estrategicamente situados na circulação, os quais são
ativados pela distensão do mesmo. São os:
(1)
Baroceptores aórtico-carotídeos
(2)
Baroceptores cardiopulmonares
1.
Baroceptores aórtico-carotídeos
São
terminações nervosas mecanicamente sensíveis que respondem à
deformação das paredes vasculares, com despolarização que deflagra
reflexos capazes de minimizar elevações agudas da pressão arterial.
Isso á feito mediante diminuição da freqüência cardíaca e da
resistência vascular (e, portanto, da RPT). Elevações crônicas na
pressão sangüínea arterial, contudo, fazem com que este baroreflexo
seja perdido.
Por
outro lado, quando ocorre hipotensão arterial, a menor distensão das
paredes arteriais resulta em descarga simpática, com taquicardia e
aumento na RPT e normalização da pressão sangüínea no leito arterial.
2.
Baroceptores cardiopulmonares
Enquanto
os corpúsculos aórtico-carotídeos são de "alta pressão" (os
baroceptores são estimulados por uma elevação na pressão arterial
sistêmica), os receptores cardiopulmonares são de "baixa
pressão", pois são estimulados por elevação na pressão venosa
central.
Os
baroceptores aórtico-carotídeos regulam a descarga simpática, enquanto
que os cardiopulmonares regulam a descarga vagal.
O
ganho ou sensibilidade de um mecanismo é aumentado quando o outro é
reduzido ou eliminado; entretanto, quando os sistemas são ativados
simultaneamente, como se dá na postura de pé, seus efeitos sobre a
resistência periférica total (RPT) são sinergísticos.
O
baroreflexo cardiopulmonar determina vasodilatação e reduz a TA durante
as condições em que há aumento agudo no retorno venoso, mas é perdido
numa situação crônica, como quando há hipertrofia cardíaca ou
qualquer outra causa de insuficiência ventricular diastólica.
O
coração de pessoas sadias do ponto de vista cardiovascular pouco depende
desse apoio adrenérgico em seu funcionamento normal, já que nada ocorre
nesses indivíduos com o uso de beta-bloqueadores.
Contudo,
se há insuficiência cardíaca congestiva, estabelece-se uma franca
descompensação hemodinâmica após o uso de beta-bloqueadores
adrenérgicos, o que denuncia o importante papel desempenhado pelo sistema
nervoso simpático na manutenção da performance cardíaca desses
pacientes.
A
enorme importância do simpático como mecanismo de compensação
cardiovascular foi percebida durante a explosão de pesquisa científica
em cardiologia dos anos sessenta. O fato ficou definitivamente comprovado
em meados da década de setenta, quando se tornaram freqüentes os casos
de ICC refratária a diuréticos, e que di-gital e morfina são úteis ao
cardiopata e que alfa-bloqueadores podem melhorar agudamente a performance
de corações insuficientes, efeito que é perdido em pouco tempo devido
ao fenômeno da taquifilaxia (perda da sensibilidade).
Manifestações
clínicas decorrentes de mecanismos agudos
Diante
de uma instabilidade hemodinâmica aguda, as acima citadas alterações
clínicas que poderão denunciar ao médico atento a ocorrência de
insuficiência cardíaca latente. Clinicamente, pacientes que se
apresentam com insuficiência cardíaca compensada através do uso desses
ajustes agudos exibem apenas taquicardia com ou sem palpitação, tremor
de extremidades, sudorese fria, ansiedade; enfim, todas as manifestações
de descarga simpática.
Treinar-se
em reconhecer à beira do leito o uso destes mecanismos de compensação
agudo revela-se particularmente útil na detecção precoce de
catástrofes hemodinâmicas como a representada pela síndrome do choque,
cuja fase I (choque compensado) se expressa pelas manifestações de
atividade simpática aumentada.
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