Até 28 de Julho, O Estado Novo e as Mulheres
vai ocupar o espaço de exposições da Biblioteca-Museu
República e Resistência, em Lisboa. É um olhar
documentado sobre as políticas do género no regime
ditatorial que governou o país durante 48 anos, assente
em testemunhos bibliográficos, iconográficos,
fotográficos e outros com destaque para o ciclo de
conferências/debates que começará em meados de Junho.
        O que esperar desta exposição, que confirma o
papel do Museu da Resistência no resgatar das memórias
ligadas à consciência política e social - essa mesma
consciência que alimenta a vontade de lutar e resistir?
Para uns, será o revisitar de um sistema elaborado de
códigos e valores que ajudaram a sustentar um país
orgulhosamente só. Para outros, o encontro distanciado
com um mundo que parece impossível de viver, à luz da
liberdade conquistada.
        Vejam-se algumas das obrigações da mulher,
consagradas pelo regime jurídico de então: em 1927, logo
a seguir ao Golpe Militar de 28 de Maio que instaurou o
Estado Novo, é decretado o regime de separação de sexos
nas escolas, ao mesmo tempo que a disciplina de Economia
Doméstica incide nas tarefas de coser, bordar,
cozinhar, olhar pelo asseio da casa, talhar, cozer e
conservar as peças de vestuário da sua família e o
valor da higiene.
        Em 1931, é reconhecido o
direito de voto às mulheres que possuam cursos
superiores ou secundários, embora os homens apenas
necessitem de saber ler e escrever para exercer o mesmo
direito de cidadania.
        Em 1936, no mesmo ano em
que é criada a Legião Portuguesa, o Ministério da
Educação passa a decidir a autorização do casamento das
professoras, sendo condições sine qua non o bom
comportamento moral e civil e o usufruto vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados.
        O Código do Processo Civil de 1939
vem asfixiar a autonomia jurídica da mulher, submetendo-a
ainda mais à tutela do marido. Às mulheres é interdito
o poder de afiançar, exercer comércio, viajar para fora
do país, celebrar contratos e administrar bens sem a
autorização escrita do marido. Mais: em 1942, proíbe-se
o casamento às enfermeiras e às hospedeiras da TAP,
medida que se soma à proibição anterior que atingia as
telefonistas da Anglo Portuguese Telephone Company e as
funcionárias do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
depois revogada.
        Este apertado sistema jurídico foi uma das
estratégias encontradas pelo Estado Novo para consagrar
o lugar da mulher na manutenção do programa
político-ideológico de Salazar, sob a aparência de uma
falsa igualdade: Duquesas, mães de família,
proletárias, burguesas, a todas o mesmo destino a
mulher mãe, o mesmo domínio a mulher
casa, a mesma missão a mulher pátria
escreve Helena Neves no primeiro capítulo do catálogo
que acompanha a exposição.
        Iguais aos olhos do
Salvador da Pátria as mulheres são mobilizadas para
as frentes civis de apoio ao regime, sob a forma de
organizações como a Mocidade Portuguesa Feminina, criada
em 1937. Objectivo prioritário: estimular nas jovens
portuguesas a formação do carácter, o desenvolvimento da
capacidade física, a cultura do espírito e a devoção ao
serviço social no amor de Deus, da Pátria e da Família.
        Em Portugal, a questão do género é, por
conseguinte, uma questão de Estado à semelhança do que
se passa noutros regimes ditatoriais europeus: a
Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini, a Espanha de
Franco.
        A biologia vem em socorro dos
pensadores ideológicos e apresenta esse argumento
infalível que é a capacidade da mulher gerar mais
filhos da Naçã mas para os educar, ressalve-se,
será preciso assimilar todo o programa instituído e
dispensar quaisquer pretensões de autonomia. Exemplos
claros são a repressão do MUD (Movimento de Unidade
Democrática), movimento oposicionista formado em 1945,
que levará à perseguição e exoneração de várias mulheres
dos seus cargos; ou o encerramento sumário da Exposição
de Livros Escritos por Mulheres na Sociedade Nacional
de Belas-Artes.
        Até 28 de Julho, O Estado Novo
e as Mulheres o género como investimento ideológico e
de mobilização pode ser vista na Biblioteca/Museu
República e Resistência (Estrada de Benfica, 419). De
segunda a sexta-feira, das 10h00 às 18h00, ao sábado das
11h00 às 17h00.
Texto: CMA
2001-06-01
Texto recolhido em 5 de Abril de 2002
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2002-04-05
- Reprodução não oficial -