Caixa Postal 147,
Lisboa, 30 de Outubro de 1935.
Meu querido Camarada:
        Muito obrigado pelo seu postal de 25, relembrando o interesse que vocês teem pela minha collaboração na Presença. Já tinha prometido, pessoalmente, aqui ha dias, ao Gaspar Simões, dar essa collaboração, de sorte que, não indo já a tempo para o numero que está a sahir, pudesse todavia apparecer no que deve sair pelo Natal.
        Succede, porém, uma coisa - succedeu ha cinco minutos - que me confirma em uma decisão que estava incerta, e que me inibe de dar collaboração para a Presença, ou para qualquer outra publicação aqui do paiz, ou de publicar qualquer livro.
        Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste anno, na distribuição de premios no Secretariado da Propaganda Nacional, ficamos sabendo, todos nós que escrevemos, que estava substituida a regra restrictiva da Censura, "não se póde dizer isto ou aquillo", pela regra sovietica do Poder, "tem que se dizer aquillo ou isto". Em palavras mais claras, tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os principios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinado às directrizes traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo. Isto quere dizer, supponho, que não poderá haver legitimamente manifestação literaria em Portugal que não inclúa qualquer referencia ao equilibrio orçamental, à composição corporativa (também não sei o que seja) da sociedade portuguesa e a outras engrenagens da mesma especie.