Nascido no Rio de Janeiro em 03 de setembro de 1953.
Foi hippie na década de 70, sendo adepto dos longos cabelos.
Cursou faculdade de Jornalismo na Puc do Rio de Janeiro, mas não chegou a concluí-la.
Foi redator do SJ Jornal ( jornal que circulou em Silva Jardim - município do interior do Rio de Janeiro ) e atualmente escreve pequenos artigos, histórias, contos, críticas e coisas afins.
Se quiser entrar em contato com Moizés Montalvão basta enviar um e-mail para poesias@oocities.com com o subject de Moizés.
Abaixo segue uma de suas histórias.
A TRISTE HISTÓRIA DE J.
J. deslizou sorrateiramente rumo ao seu objetivo. O campo estava mergulhado em completa escuridão. Isso facilitaria seu trabalho. Há vários dias não comia coisa alguma. Apesar de treinada para resistir longo tempo com o estômago vazio, sabia que precisava ingerir alimentos nutritivos e energéticos, senão terminaria por sucumbir.
"Guerra maldita", pensou, "Será que isso nunca terá fim?".
Desde a mais tenra infância não conhecera outra vida. Dia após dia correndo o risco de ser morta por um inimigo que sequer conhecia. Se ao menos soubesse o porquê daquele ódio mortal, se conhecesse o que ia na mente dos agressores, talvez fosse possível um diálogo. Mas não existia essa possibilidade. Quantos dos seus já não haviam perecido de forma brutal? Perdera a conta. Havia ocasião em que as hostilidades pareciam cessar. Nesses períodos todos podiam sair, inclusive velhos e crianças, e esbaldar-se com o que pudesse comer, aproveitavam a ocasião para brincar, corriam à vontade... Porém, sem o menor aviso eles surgiam. E a carnificina começava. Não havia meios de enfrentá-los, eram fortes e sanguinários. Mas havia exceções: dentre os monstros existia um grupo que J. denominava de "assustadiços", os quais manifestavam inexplicável horror diante de qualquer um dos seus. Diante desses bastava correr à sua volta que fugiam esbaforidos como se estivessem sendo perseguidos por mil demônios. Os outros, os violentos, aniquilavam qualquer um que caísse ao alcance de suas garras. Eram grandes, fortes, bem armados. Diversos deles utilizavam gases mortíferos. Os demais pareciam preferir a violência irracional. J. lembrava-se com horror do dia em que presenciou um velho amigo ser esmagado, a pouca distância de si. Na ocasião nem tivera tempo de chorar. No fundo ela acreditava que o companheiro se sacrificara em seu lugar, pois era muito mais rápido e ágil que ela. Ele ficara diante dos atacantes, como que petrificado, dando-lhe tempo de fugir em louca correria.
A vida continua. Não adianta chorar pelos que foram, eles não voltam mesmo. O que importa é cuidar da própria sobrevivência. Cuidadosamente aproximou-se de seu objetivo. Os sentidos bem treinados lhe indicavam a direção, mesmo numa noite tão trevosa. Teria de atingir o ponto, comer o que fosse possível e retornar tão silenciosamente quanto chegara.
Tentou perceber qualquer coisa que significasse perigo. Tudo estava quieto. O sucesso da missão dependia de descobrir a posição do adversário antes de ser notada. Sua singular capacidade de percepção do perigo estava sendo exigida ao máximo, mesmo assim tinha de contar com uma boa dose de sorte.
Alcançou o local pretendido sem qualquer problema. Ali estava o que há muito tempo não provava: uma enorme e convidativa torta de abacaxi. J. não se conteve: atirou-se sobre a iguaria com sofreguidão. Comeu para satisfazer a fome de dias e para apaziguar o desejo quase sexual de saborear tão apetitoso petisco.
Enquanto comia, ia refletindo a respeito da insensatez de sua existência. Perguntou-se por que cada vez que ela ou algum dos seus tinham fome, eram obrigados a correr risco de vida? Não haveria algum meio de evitar isso? Concluiu que se armazenassem víveres, a necessidade de incursões em território inimigo diminuiria, e assim evitariam muitas mortes. Nômades por natureza, nenhum de seus pares jamais cogitara de coisa tão simples. No entanto, eram vidas que estavam em jogo. O assunto deveria ser objeto de discussão. Decidiu que tão logo retornasse, reuniria toda a comunidade, a fim de defender sua idéia.
Súbito, o pior aconteceu: uma forte luz iluminou o ambiente. J. sabia que começara a hora de iniciar a grande luta pela vida. Estava plenamente treinada para o momento, entretanto, todo o treinamento não era capaz de evitar o medo quase paralisante. Tinha de correr para algum abrigo, pois assim dificultaria as ações do agressor. Encheu os pulmões e correu desesperadamente. Sua mente lhe passava as instruções necessária em frações de segundos: jamais correr em linha reta; nunca titubear um instante que fosse. "Se você hesitar durante uma perseguição estará morta !". Parecia ouvir a voz de seu pai lhe orientando. Ele fora afortunado, pois conseguira sobreviver a numerosos ataques, morrera de velhice poucos meses atrás.
A primeira pancada explodiu no local onde estivera há pouco. "Não pare nem para pensar", repetia para si enquanto fugia em ziguezague. Um segundo impacto atingiu a torta deixando o corpo de J. respingado do quitute. "Se eu escapar dessa, vou me lamber todinha depois...", pensou a fugitiva num misto de terror e espirituosismo.
Viu uma enorme lona estendida no caminho. Sem pensar sim ou não atirou-se para baixo do tecido. Se fosse rápida o suficiente seu perseguidor a perderia de vista.
Infelizmente, a sorte não estava do seu lado. Sua manobra fora percebida. A atacante começou a desferir violentos golpes sobre o tecido. J. desejou ter uma arma naquele momento para contra-atacar.
Arma...era isso! Por quê não pensara nisso antes? Tanto ela quanto seu pessoal sempre procuraram apenas fugir do inimigo, jamais adotaram táticas de ataque ou retaliação. Se passassem a agir agressivamente, com certeza os atacantes pensariam duas vezes antes de iniciarem as atividades bélicas. "Já tenho dois assuntos importantes para discutir com a turma", pensou J. em meio à endoidecida fuga, "o primeiro é desenvolvermos um sistema de estocagem de alimentos, o outro é criarmos armas capazes de garantirem nossa defesa contra os monstros. Antes de qualquer coisa, porém, preciso fugir daqui...".
Esgueirando-se o mais rápido que podia ao longo do amplo tecido, vislumbrou uma fresta que deveria levá-la à saída daquela armadilha. Correu célere para a abertura.
Ao emergir na saída o agressor estava à sua espera. Num átimo de segundo decidiu continuar a correria. A manobra livrou-a de uma pancada direta, o golpe atingiu-a lateralmente lançando-a vários metros adiante. O atacante brandira o golpe no sentido horizontal. Se tivesse sido atingida verticalmente estaria esmagada. Meio zonza, mas ainda disposta a lutar pela vida, reiniciou a fuga.
Agora movia-se com mais lentidão. A barriga cheia de torta de abacaxi, mais a pancada , minaram sua resistência.
E então cometeu o erro eu se revelaria fatal.
Por um instantinho de nada parou e refletiu sobre o que faria. Nesse momento a voz de seu pai estrondeou-lhe na mente: "NÃO PARE JAMAIS!".
Acho que o atacante não era um desses matadores profissionais, o golpe, agora verticalmente aplicado, não a atingiu em cheio, acertou uma de suas pernas esmagando-a. Alheia a dor, arrastando a perna ferida, conseguiu abrigar-se atrás de grossas toras de madeira que encontrou por ali. Sendo de estatura inferior à do inimigo, tinha facilidade de ocultar-se e contava que isso o fizesse perder a pista.
Durante alguns momentos permaneceu tensa, na expectativa de tê-lo enganado. Os passos foram se afastando. A esperança de estar a salvo cresceu.
O sonho, porém, durou pouco, muito pouco.
Primeiro um som diferente visitou seus ouvidos. Em seguida um cheiro adocicado invadiu suas narinas. Percebeu o perigo, era gás letal. Desesperadamente tentou afastar-se. Tarde demais. Seu corpo foi tomado por espasmódicas contrações. A morte veio sepultar-lhe as idéias de sugerir aos seus que aprendessem a armazenar comida e desenvolvessem armas.
- Alfredo, que barulheira é essa aí ?
- Meu bem eu já disse várias vezes que não se pode deixar nada sobre a mesa durante a noite. Olha só, tinha uma barata enorme em cima da torta...
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