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CULTURA – ESTAMOS CONSTRUÍNDO ESTA PÁGINA, QUE SE DIVIDIRÁ EM MANIFESTAÇÃO PURAMENTE LITERÁRIA(CONTOS,CRONICA,POESIAS,ROMANCES,....), BEM COMO MUSICA, ARTES PLÁSTICAS, ET

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LITERATURA:

- POESIA

 OBS: Os textos, poemas seguintes: Ami Aman, Pátria, Um minuto de silêncio, Mensagem do Terceiro Mundo, Poema triste, Povo sem voz, Mudança de estado, Menino Jesu da minha cor, Poema , e O crocodilo que se fez Timor: foram retirados do livro, abaixo.

TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre, Organização Sílvio L. Sant’Anna, Editora Martin Claret, São Paulo, SP.

. A venda na - Livraria Portugal, Rua Genebra 165, Bela Vista, São Paulo, SP

Tel.: (011) - 606.0877 e 604.1748 e Fax.: (011)-232.2071

 

POEMA (*)

Xanana Gusmão

Pisaste um dia a terra descalça

do "bua" e do "malus",

paraste um dia à sombra da casa alta

estranhando o "tuaka"

e reparaste no seu dono

cobrindo com a nudez do seu "hakfolik"

a campa dos antepassados.

Miraste o seu suor tórrido

lavando as faces do seu rosto sujo;

ouviste ainda o seu "hamulak

entoado em "tais" do seu "lulik"

e respeitaste o "manuaten"

Conheceste, na pobreza da sua pele,

o magro olhar altivo

profundamente rude

infinitamente íntimo.

E o dono da terra guardou o seu "ai-suak"

matou o seu "karau"

e levantou o "odan"

agarrou no "tali"

e saiu em busca do seu "kuda"

esgrimindo o "surik" contra o "naog’tem";

e de longe, de mui longe,

de cá dos oceanos,

ferido, ensangüentado,

mas firme no berço do crocodilo *

arremessou o seu "diman"

e sibilando no espaço da história

rude e profundamente

te rasgou a carne

e íntima e infinitamente

abraçou a tua alma de português,

e tu amaste-o ...

e de longe, de mui longe,

de cá dos oceanos

arremessou o seu "diman"

que rude e profundamente

te atravessou a carne

e íntima e infinitamente

abraçou a tua alma ...

e tu ... amaste-o ! ...

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AMI AMAN

Amin Aman, iha lalehan, (Pai nosso, que estais no Céu...)

tulun ema atu hahi Ita Naran;

halo Ita Nia reinu to’o mai ami;

haraik tulun ba ema atu tuir Ita Nia hararak

iha rai nu’udar iha lalehan.

Ohin Ne’e,

haraik ai-han La-loron nian mai ami;

haraik perdue mai ami salan

nu’udar ami perdua ba ema halo aat ami;

labele husik ami monu ba tentasão,

maibé hasai ami hosi buat aat.

(In: Timor Timorense Com suas Línguas, Literaturas, Lusofonia...,

Artur Marcos, Edições Colibri, Lisboa, 1995.)

 

PÁTRIA

Xanana Gusmão (*)

Pátria é, pois, o sol que deu o ser

Drama, poema, tempo e o espaço,

Das gerações, que passam, forte laço

E as verdades que estamos a viver.

Pátria... é sepultura... é sofrer

De quem marca, co’a vida, um novo passo.

Ao povo - uma Pátria - é, num traço

simples... Independência até morrer !

Do trabalho o berço, paz, tormento,

Pátria é a vida, orgulho, a aliança

Da alegria, do amor, do sentimento.

Pátria... é tradições, passado e herança !

O som da bala é ... Pátria, de momento !

Pátria ... é do futuro a esperança !

(*) O autor é também conhecido por Kay Rala Xanana Gusmão, Sha’Na Na e ainda por José Alexandre Gusmão.

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Um minuto de

silêncio

Borja da Costa (*)

 

Calai

Montes

Vales e fontes

Regatos e ribeiros

Pedras dos caminhos

E ervas do chão,

Calai

Calai

Pássaros do ar

E ondas do mar

Ventos que sopram

Nas praias que sobram

De terras de ninguém,

Calai

Calai

Canas e bambus

Árvores e "ai-rús"

Palmeiras e capim

Na verdura sem fim

Do pequeno Timor,

Calai

 

Calai

Calai-vos e calemo-nos

POR UM MINUTO

É tempo de silêncio

No silêncio do tempo

Ao tempo de vida

Dos que perderam a vida

Pela Pátria

Pela Nação

Pelo Povo

Pela Nossa

Libertação

Calai - Um minuto de silêncio...

(*) Francisco Borja da Costa (1946-1975). Sua obra literária foi publicada também em Moçambique, Angola, Portugal, Austrália e Holanda. Morreu prematuramente, vítima da invasão indonésia.

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AMI AMAN

Amin Aman, iha lalehan, (Pai nosso, que estais no Céu...)

tulun ema atu hahi Ita Naran;

halo Ita Nia reinu to’o mai ami;

haraik tulun ba ema atu tuir Ita Nia hararak

iha rai nu’udar iha lalehan.

Ohin Ne’e,

haraik ai-han La-loron nian mai ami;

haraik perdue mai ami salan

nu’udar ami perdua ba ema halo aat ami;

labele husik ami monu ba tentasão,

maibé hasai ami hosi buat aat.

 

(In: Timor Timorense Com suas Línguas, Literaturas, Lusofonia...,

Artur Marcos, Edições Colibri, Lisboa, 1995.)

 

PÁTRIA

Xanana Gusmão (*)

Pátria é, pois, o sol que deu o ser

Drama, poema, tempo e o espaço,

Das gerações, que passam, forte laço

E as verdades que estamos a viver.

Pátria... é sepultura... é sofrer

De quem marca, co’a vida, um novo passo.

Ao povo - uma Pátria - é, num traço

simples... Independência até morrer !

Do trabalho o berço, paz, tormento,

Pátria é a vida, orgulho, a aliança

Da alegria, do amor, do sentimento.

Pátria... é tradições, passado e herança !

O som da bala é ... Pátria, de momento !

Pátria ... é do futuro a esperança !

(*) O autor é também conhecido por Kay Rala Xanana Gusmão, Sha’Na Na e ainda por José Alexandre Gusmão.

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Um minuto de

silêncio

Borja da Costa (*)

 

Calai

Montes

Vales e fontes

Regatos e ribeiros

Pedras dos caminhos

E ervas do chão,

Calai

Calai

Pássaros do ar

E ondas do mar

Ventos que sopram

Nas praias que sobram

De terras de ninguém,

Calai

Calai

Canas e bambus

Árvores e "ai-rús"

Palmeiras e capim

Na verdura sem fim

Do pequeno Timor,

Calai

 

Calai

Calai-vos e calemo-nos

POR UM MINUTO

É tempo de silêncio

No silêncio do tempo

Ao tempo de vida

Dos que perderam a vida

Pela Pátria

Pela Nação

Pelo Povo

Pela Nossa

Libertação

Calai - Um minuto de silêncio...

(*) Francisco Borja da Costa (1946-1975). Sua obra literária foi publicada também em Moçambique, Angola, Portugal, Austrália e Holanda. Morreu prematuramente, vítima da invasão indonésia.

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Mensagem do

Terceiro Mundo

Fernando Silvan (*)

Não tenhas medo de confessar que me sugaste o sangue

E esgravataste chagas no meu corpo

E me tiraste o mar do peixe e o sal do mar

E a água pura e a terra boa

E levantaste a cruz contra os meus deus

E me calasse nas palavras que eu pensava.

Não tenhas medo de confessar que te inventasse mau

Nas torturas em milhões de mim

E que me cavas só o chão que recusavas

E o fruto que te amargava

E o trabalho que não querias

E menos de metade do alfabeto.

Não tenhas medo de confessar o esforço

De silenciar os meus batuques

E de apagar as queimadas e as fogueiras

E desvendar os segredos e os mistérios

E destruir todos os meus jogos

E também os cantares dos meus avós.

Não tenhas medo, amigo, que te não odeio.

Foi essa a minha história e a tua história.

E eu sobrevivi

Para construir estradas e cidades a teu lado

E inventar fábricas e Ciência,

Que o mundo não pode ser feito só por ti.

(*) O poeta Fernando Silvan, nasceu em Díli em 1917, mas viveu a maior parte de sua vida em Portugal, onde veio a falecer, em 1993, na cidade de Cascais. Apesar da distância de sua terra natal, sua obra literária é expressão autêntica da cultura maubere.

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Poema triste

 

Fitun Fuik

 

Por que calcas meu solo ?

Por que matas minha gente ?

Meus verdes alcantilados,

minhas azuis montanhas

querem a paz,

a paz que todos queremos.

Minha aldeia sossegada

beija os aromas puros

das minhas humildes montanhas

que querem a paz,

para no silêncio e na paz

construir a paz.

Porque tu,

com tanto progresso técnico,

tens inveja daquilo

que eu não tenho,

não possuo,

mas quero ser.

Ser como o Senhor me fez,

nascer com a paz,

viver na paz

e dormir sonhando a paz ! ...

 

Quem acredita que eles não matam,

não assassinam !

Quem crê que eles querem construir na guerra,

com o cano das suas armas,

a minha aldeia.

Minha natureza contempla,

em silêncio, suas obras.

As cascatas das águas nascentes

das minhas montanhas levam os males

que eles cometeram,

para assim dar ao mundo,

aos fortes,

a honra e a glória !

Eu, no meu silêncio, choro

para que meus choros não ultrajem

a honra dos grandes.

Falo sem nada dizer

para que meus vizinhos me não gritem.

Acredito que a Paz existe para mim,

morrendo ! ...

 

(In: Coral, 2 de Setembro de 1992, p. 66)

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Povo sem voz

Xanana Gusmão

 

Nosso grito é o silêncio

na passagem do tempo

e o tempo é o sangue

no silêncio do mundo !

 

- Ouvi, mundos !

Ouvi, gentes da política !

Invadistes a nossa Pátria com o Suharto,

isolastes Timor-Leste na guerra fria

e torturasses-nos com a indiferença

e matastes-nos com a cumplicidade.

 

- Ouvi, ouvi as vossas culpas !

Desengajastes a nossa causa com Jacarta,

minimizastes o nosso direito na ONU

e prendestes-nos com iénes

e massacrastes-nos com dólares.

 

Nosso tempo é o silêncio

nas mudanças do mundo

e o sangue é o preço

nos mundos do silêncio !

 

- Ouvi, mundos !

Ouvi, gentes do poder !

Abençoastes a mortandade com Catedrais,

enterrastes a tragédia nos investimentos

e desafiastes a nossa consciência

e reprimistes os nossos anseios.

 

- Ouvi, ouvi as vossas culpas !

Atraiçoastes os vossos próprios princípios,

manipulastes as vossas próprias normas

e encarcerastes-nos na realpolitik

e matastes-nos como os direitos humanos.

 

... Somos POVO SEM VOZ

alma sem fronteira com a dor

corpo na escravidão aberto ao tempo

Pátria - um cemitério de interesses !

A nossa luta...

é a história

do poder do silêncio !

 

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Mudança de estado

Ruy Cinatti (*)

51

Por trás dos montes conheço

quem me aceita por marido,

se, em troca, resolver

viver a vida perdido.

 

Casado, é melhor que só

viver a vida perdido.

 

52

 

Quero dar-me á minha gente,

como quem cumpre um dever,

mas não tenho prata em casa,

nem búfalos para oferecer.

 

Nada tenho para trocar,

nem búfalos para oferecer.

 

53

 

Quem a detém pede muito,

mas não cesso de clamar:

A sua filha é já grande,

meu tio, tem que ma dar !

 

Minha mãe é sua irmã.

Meu tio, tem que ma dar !

 

54

 

Deixando-vos, estou só

absorto num pensamento.

Não poderei enlaçar-vos

á vista de todos nós.

 

Somos diferentes famílias

á vista de todos nós.

 

55

 

Meu tio, não me desgrace.

Nada tenho e sou herdeiro.

Nada tenho para dar-vos,

sequer a pele de um carneiro.

 

Por vossa filha não troco

sequer a pele de um carneiro.

 

56

 

Por tantos porcos e panos,

dei-vos cavalos e espadas.

Mas guardei só para ti

um colar de coralina.

 

Em cada conta contei

um colar de coralina.

 

57

 

Bétle, eu tenho par dar,

mas não a folha escolhida.

Essa só a ti pertence,

porque és a minha vida.

 

Trincamo-la ambos juntos,

porque és a minha vida.

 

58

 

Quando subo a escada, agarro-me

ao beiral da nossa porta.

Alto, meus olhos não vêem

alguém que me espera à porta.

 

Se cair, agarro a mão

de alguém que me espera à porta.

 

59

 

Nossos pais não querem ver

O muito que nos amamos,

a ponto de termo sido

um só corpo sobre a lama.

 

O nosso filho será

um só corpo sobre a lama.

 

60

 

Eu desbasto o mato grosso

e lavro a terra queimada.

Tu semeias, dás o seio

ao filho da nossa carne.

 

O milho nasceu igual

ao fruto da nossa carne.

 

61

 

Dificuldades na vida conjugal.

Vi-te afiar a catana

à beira da nossa porta.

Noite fora, adormeci

junto à casa de meus pais.

 

Minha cabeça não cortas

junto à casa de meus pais.

 

62

 

Tenho fome, tenho frio.

Alimento-me de musgo.

Ando no mundo sozinho.

Estou de luto e ando sujo.

 

63

 

Miserável creatura,

peço socorros ao céu.

O pombo arrulha no monte.

Não sei se é tarde ou cedo.

 

Teu coração é o meu.

Sei que é tarde e sei que é cedo.

 

(In: Um Cancioneiro par Timor, Ruy Cinatti, Editorial Presença, Lisboa, 1996.)

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Menino Jesus da

minha cor

Fernando Sylvan

 

Meu Natal Timor,

Meu primeiro Natal.

 

Quantos anos tinha ?!

Nunca o soube ao certo.

 

Minha Mãe-Menina

Fez-me o seu presépio:

Uma encosta arrancada ao Ramelau

Com uma gruta ausente

Cheia de Maromak

E perfume de coco,

Um búfalo e um kuda

E o bafo quente dos seus pulmões.

 

E um metiino sobre palha de arroz

E folhas de cafeeiro.

 

Um menino branco

Igual aos que chegavam de longe.

- Ínan, quem é ?

 

- É o Maromak-Filho e teu Irmão !

E eu recuei, porque via no berço

Um menino rosado,

Um menino branco

Igual aos que chegavam de longe.

 

- Ele é, mais do que todos, teu Irmão...

- Mas como pode ser um meu irmão ?

- É teu Irmão: Firma-lhe bem teus olhos, meu Amor!

 

E eu, obedecendo,

Firmei-me todo nEle.

E vejo-O desde então

Também da minha cor !

 

(In: 7 Poemas de Timor, 1965; também in A voz Fagueira de Oan Timor, Lisboa, Edições Colibri, 1993).

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LENDAS DO TIMOR LESTE

O CROCODILO QUE SE FEZ TIMOR

Fernando Sylvan

Disseram, e eu ouvi, que desde há muitos séculos um crocodilo vivia num pântano. Este crocodilo sonhava crescer, ter mesmo um tamanho descomunal. Mas a verdade é que ele não só era pequeno, como vivia num espaço apertado. Tudo era estreito à sua volta, somente o sonho dele era grande.

O pântano, é de ver, é o pior sítio para morar. Água parada, pouco funda, suja, abafada por margens esquisitas e indefinidas. Ainda por cima, sem abundância de alimentos ao gosto de um crocodilo.

Por tudo isto, o crocodilo estava farto de viver naquele pântano, mas não tinha outra morada.

Ao longo do tempo, milhares de anos, parece, o que ia valendo ao crocodilo era o ele grande conversador. Enquanto estava acordado, conversava, conversava. É que este crocodilo fazia perguntas a si mesmo e, depois, como se ele próprio fosse outro, respondia-se-lhe.

De Qualquer maneira, conversar assim, isoladamente, durante séculos gastava os assuntos. Por outro lado, o crocodilo começava já a passar fome. Por dois motivos: primeiro, porque havia naquele charco pouco peixe e outra bicharada que lhe conviesse para refeição; segundo, porque só muito ao largo passava caça de categoria e tenra: cabritos, porquitos, cães...

Muitas vezes, exclamava para si próprio:

- Que grande maçada viver com tão pouco, e num sítio destes !

- Tem paciência, tem paciência... - dizia a si próprio.

- Mas viver de paciência não é coisa que alimente um crocodilo - recalcitrava-se-lhe.

Naturalmente que tudo tem um limite. Incluindo a resistência `a fome. E o crocodilo entrou a sentir uma franqueza que lhe quebrava o ânimo e o definhava. Os seus olhos iam-se amortecendo e já quase não podia levantar a cabeça e abrir a boca.

- Tenho de sair deste lugar, e procurar caça mais além...

Esforçou-se, galgou a margem e foi ganhando caminho através do lodo e, depois, da areia. O sol estava a pino, aquecia a areia, transformava todo o chão em brasas. Não havia safa, o crocodilo perdia o resto das suas forças e ia ficar, ali, assado.

Foi nesta altura que passou pelo sítio um rapazinho vivaz que exprimia os seus pensamentos cantarolando.

- Que tens, Crocodilo, ah !, como tu estás ?! Tens as pernas partidas, caiu-te alguma coisa em cima ?

- Não, não parti nada, estou completamente inteiro, mas, apesar de ser pequeno de corpo, há muito não agüento com o meu próprio peso. Imagina que nem forças tenho já para sair deste braseiro.

Respondeu o rapazinho:

- Se é só por isso, posso ajudar-te - e logo de seguida, deu uns passos, carregou o crocodilo e foi pô-lo à beira do pântano.

No que o rapazinho não reparava, era que, enquanto carregava o crocodilo, ele se animava ao ponto de arregalar os olhos, abrir a boca e passar a língua pela serra dos seus dentes.

- Este rapazinho deve ser mais saboroso do que tudo o provei e vi em toda a minha vida - e imaginava-se a dar-lhe uma chicotada com a cauda para adormecê-lo e, depois, devorá-lo.

- Não sejas ingrato - diz-lhe o outro com que ele conversava e era ele mesmo.

- A fome tem os seus direitos.

- Isso, é verdade, mas olha que trair um amigo é um ato indigno. E este, é o primeiro amigo que tens.

- Então, vou deixar-me ficar na mesma, e morrer à fome ?

- O rapazinho fez-te o que era preciso, salvou-te. Afora se quiseres sobreviver, trabalha e procura alimento.

- Isso é verdade...

E quando o rapazinho o pousou no chão molhado, o crocodilo sorriu, dançou com os olhos, sacudiu a cauda, e disse-lhe:

- Obrigado. És o primeiro amigo que encontro. Olha, não posso dar-te nada, mas se pouco mais conheces do que este charco, aqui, tão à nossa vista, e se um dia quiseres passear por aí afora, atravessar o mar, vem ter comigo...

- Gostava mesmo, porque o meu sonho grande é ver o que mais há por esse mar afora.

- Sonho...falaste em sonho ? Sabes, eu também sonho...

- arrematou o crocodilo.

Separaram-se, sem que o rapazinho sequer suspeitasse de que o crocodilo chegara a estar tentado a comê-lo. E ainda bem.

Passados tempos, o rapazinho apareceu ao crocodilo. Já quase o não reconhecia. Via-o sem sinais das queimaduras, gordo, bem comido...

- Ouve, crocodilo, o meu sonho não parou, e eu não o agüento mais cá dentro.

- O prometido é prometido... Aquele meu sonho...

Mas com tanta caça que tenho arranjado, quase me esquecia dele. Fizeste bem em vir lembrar-me, rapazinho. Queres, agora mesmo, ir por esse mar afora ?

- Isso, só isso, crocodilo.

- Pois eu, agora, também. Vamos então.

Ficaram ambos contentes com o acordo. O rapazinho acomodou-se no dorso do crocodilo, como numa canoa, e partiram para o alto mar.

Era tudo tão grande e tão lindo !

O mais surpreendente, para os dois, era o próprio espaço, o tamanho do que se estendia à sua frente e para cima, uma coisa sem fim. Dia e noite, noite e dia, nunca pararam. Viam ilhas de todos os tamanhos, de onde as árvores e as montanhas lhes acenavam. E as nuvens também. Não sabiam se eram mais bonitos os dias, se as noites, se as ilhas, se as estrelas.

Caminharam, navegaram, sempre voltados para o sol, até o crocodilo se cansar.

- Ouve-me, rapazinho, não posso mais ! O meu sonho acabou...

O meu não vai acabar.

Ainda o rapazinho não tinha dito a última palavra, o aumentou, aumentou de tamanho, mas sem nunca perder a sua forma primitiva, e transformou-se numa ilha carregada de montes, de florestas e de rios.

É pôr isso que Timor tem a forma do crocodilo.

 

(*) - (In: Cantolenda Maubere - Hananaknanoik Maubere - The Legends of the Mauberes, Lisboa, Fundação Austronésia Borja da Costa, 1988).

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BRASILEIROS - TIMOR-POESIAS

A Ti Amor ... Timor Leste

( Antônio de Pádua - COMITÊ BSB SOL. AO TIMOR LESTE )

Brasília - abril de 1997.

À Maria Emília.

Mulher guerreira timorense.

Orgulho do Povo Maubere.

Revolucionária.

A ti amor

tão distante do meu olhar

eu te rimo no meu chorar meu

imaginando as lágrimas de sangue

derramadas nos rostos de nossas mães.

Dessas mulheres grávidas e parteiras de seus frutos

e muito mais ainda pela ausência deles, meninos guerreiros

que dedicam suas vidas sobre à sua terra subtraída, anexada.

A ti meu amor, paixão maior

assim de tão longe do teu ventre

me recuso a te rimar com toda essa dor

com o temor, com pavor, com o terror do vizinho seu !

Pois o seu sofrimento é o meu compromisso

pois a sua luta é minha luta

uma luta de nossa liberdade e por todo sempre.

Então, a minha rima é uma rima fresca

como o orvalho doce da aurora

te rimo com o carinho necessário

ritmo de quem com carinho e ternura

afaga uma criança e a faz dormir com todo cuidado ...

E a ti amor, abro o meu coração e rimo ainda.

E ajudado pelo turbilhão leste, rimo a minha esperança,

e nas minhas veias misturo o seu sangue no meu sangue

e declaro ao vento o meu amor a ti ... a ti amor

A minha luta pela sua liberdade,

A ti amor ... Timor Leste !

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O GRITO DO PEQUENO TIMOR

Ataúro Tonnin

Este poema é uma homenagem aos heróis da RESISTÊNCIA TIMORENSE. Àqueles e àquelas que morreram, aos que foram violentados, aos que tiveram suas casas destruídas e àqueles que foram e/ou estão sendo perseguidos. Também por Xanana Gusmão, Ramos-Horta, Ximenes Belo, Roque Rodrigues, David Alex e todo o povo oprimido, que apesar de tudo, com tudo e por tudo, continuam lutando. Lutando e clamando por seus direitos humanos e divinos. Vida, VIDA E LIBERDADE PARA O TIMOR LESTE.

 

Salvem-me, sou o povo Maubere.

Eu sou pequeno valente,

Mas, sozinho não posso

conter o tigre invasor,

que tem nos olhos, cobiça

e a fome da morte, na boca.

Matando, pilhando, sem piedade.

Muitos !!! Disso sabem e viram as costas. Calam a boca,

Pelo negro petróleo, pela força das armas,

deixaram ceifar, 350 mil vidas.

Vidas !!! Vidas perdidas !!

Holocausto moderno; limpeza étnica.

E a ética, e a lógica e o amor.

Isto tudo, valores esquecidos, inválidos.

Só válido, o peso da espada,

o dano, a dor, a morte.

Clamamos ao mundo, em um brado de dor.

Companheiro, nesta nave-mãe-terra. Desprotegidos,

Precisamos de ti, do teu braço, tua voz, tua guarida.

Nossa força, sobrevida,

depende de sua acolhida,

Lutamos pela vida e liberdade,

Luta justa, desesperada,

contra o frio assassino, de palavras cifradas.

Grito - Aos amantes da vida.

Grito - Aos amantes da paz.

Abram seus olhos, Abram seus corações,

Salvem-nos, salvem-nos,

Salvem Timor, salvem-nos,

Salvem Timor.

Estamos lutando, faça sua parte,

irmão, pequeno irmão. Grito convosco,

empresto a minha voz, meu grito

Salvem-nos, salvem-nos

Salvem Timor.

Levem nosso grito de luta.

Levem nosso grito de dor.

Levem nosso grito de liberdade.

Levem nosso grito. Liberdade Xanana. Liberdade Timor.

Abram seus corações,

encham os pulmões,

gritem nosso grito

gritem conosco, um grito uníssono.

Liberdade, liberdade,

Liberdade, vida Timor.

Salvem-nos desse genocídio.

Contra o tigre ensandecido

Vamos dar um grito.

Um grito ensurdecedor

 

Saiam. Saiam de Timor.

Poder usurpador !!!

Não matem nossos irmãos de Timor.

Saíam, Saíam de Timor.

Liberdade. Liberdade. Vida Timor.

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