Historia
Home Up Historia Geografia Fotos Economia Cultura

wpe1.jpg (4433 bytes)

Benvidos ao nosso Web site!

Você é o visitante

Hit Counter

Está página foi atualizada pela última vez em:  25-abr-2001.

 

 

TIMOR

Ilha da Oceania, no Arquipélago Malaio, a maior e mais oriental das Pequenas Sondas, Localizada entre os paralelos 8O. 20` 15`` e 10O. 22` 19`` de latitude Leste os meridianos 123O. 37`34`` e 127O. 0` 32`` de longitude Leste do Meridiano de Greenwich. A sua forma oblonga, em ferro de lança, orienta-se na direção Sudoeste/Nordeste, desalinhada sensivelmente e como que desgarrada, em ângulo agudo, ao Sul de Flores e a Leste de Sumba, da cadeia de grandes e pequenas ilhas do extenso Arquipélago das Sondas que em arco de circulo quase regular, se estende desde Sumatra até ao Mar de Banda. A sua ponta Sudoeste fica a 1.000 Km em linha reta, a Leste do extenso Sudeste, da ilha de Java, e por ser a mais próxima do Continente Australiano, apenas cerca de 500 Km. Do seu Cabo Bougainville. Ao Sul e Leste é banhada pelo Oceano Índico (Mar de Timor); ao Norte pelo Mar de Banda. Está rodeada pelas ilhas Rotti e Saval, sobre o estreito de Rotti, pelas ilhas de Lomblem Pantar e Alor ou Ombai, sobre o estreito de Ombai, pelas ilhas Pulo-Cambing (Ataúro) e Wetter sobre o estreito do mesmo nome, e na extrema oriental pelo ilhéu Kissar.Mede cerca de 450 Km, no seu eixo maior e uns 100 Km, na maior largura. A sua área total é de cerca de 32.350 km2., O seu nome, de origem malaia, significa "Oriente", diferençando-se dos ilhéus mais a Leste pela designação de Timor Tesar ( Oriente Grande ).

Pelo tratado de 20/04/1859 a ilha de Timor foi definitivamente dividida entre Portugal e a Holanda - reservada a Portugal a banda oriental (região dos Belos), com um pequeno enclave, Ambeno (Ocussi), e a ilha Pulo-Cambing numa área total de 16.250 km2., e reconhecida á Holanda a metade ocidental (região de Servião), de área um pouco menor, com 16.100 Km2. Essa partilha foi retificada mais tarde, em 1902, por nova linha de fronteiras que reconheceu a Portugal 16.384 Km2. De território e o restante à Holanda que depois de 1949 passou a fazer parte dos Estados Unidos da Indonésia. A parte portuguesa, com o enclave de Ambeno e a ilha Pulo-Cambing, tem a capital em Dili e contava com cerca de 450.000 habitantes; o resto da ilha que pertencia à Holanda e agora à Indonésia, tem a capital em Cupão (Cupang).

O comércio não é muito intenso, e as indústrias em Timor são rudimentares. Os principais artigos de exportação são: o café, madeira de sândalo, laranjas, garranos, cera e mel. A importação consiste principalmente em arroz, licores, objetos de metal, tecidos de lã, armas. O movimento comercial restringe-se a Dili e Atapupo. Dili esta aberta a toda a navegação mercante do mundo.

Os estudos sobre a pré-história da ilha de Timor nada ensinam ainda, por carência de séria base cientifica, apesar das investigações de alguns sábios holandeses no século XIX. A história da ilha é praticamente a do seu descobrimento e ocupação pelos portugueses, no primeiro quartel do séc.XVI, em data que não se pôde ser ainda exatamente averiguada. Presume-se que se trata, no fundo de um dos inúmeros e banais episódios da livre exploração dos mares do Extremo Oriente por mercadores e mareantes portugueses do séc. XVI, depois de conquistada Malaca em 1.511.

E a sua lenta e acidentada ocupação não foi também, no fundo, mais do que um capítulo anódino e obscuro da história marítima, militar, comercial e missionária de Portugal nos séculos posteriores. Deve ter sido entre 1.512 e 1.516 que a ilha foi abordada, acidental ou propositadamente, por algum ou alguns dos mercadores ou aventureiros portugueses que por esse tempo sulcavam já livremente os mares da Malásia, no tráfico das especiarias a armazenar em Malaca para sua exportação anual para Lisboa. Nesse tráfico se passaram anos, sem incidentes notáveis, porque é só de 1.562 a primeira notícia de frades dominicanos portugueses, da Missão de Malaca, às ilhas Flores, Sólor e Timor, para cristianização do bárbaro e feroz gentio malaio e melanésio. O fato mais típico da ocupação dessas três ilhas - que andaram depois, por mais três séculos, na órbita da dominação ou influência portuguesa no Extremo-Oriente - é o de terem sido frades, e não oficiais ou forças militares da coroa, que por muito tempo as ocuparam e conservaram, até se tornarem oficialmente domínios dos reis de Portugal.

Essa acidentada história, por ser a da atual Província Ultramarina de Timor, terá no seu lugar próprio desenvolvimento mais pormenorizado (v.adiante). A largos traços, a história da ilha de Timor abrange quatro períodos distintos. De 1.562 a 1.585 a ilha de Timor era apenas visitada por frades dominicanos, como dependência catequista da missão da ilha Flores, sujeita ao Vicariato da Ordem de S. Domingos, em Malaca.

Em 1.585, o vice-rei da Índia, por ordem de Lisboa, evoca à sua jurisdição a fortaleza da ilha de Sólor, construída e guarnecida apenas pelos frades, meio-religiosos, meio-soldados; e por esse fato a ilha de Timor, dependência missionária dos dominicanos de Sólor, ingressou também no conjunto dos domínios ultramarinos da coroa de Portugal no Extremo-Oriente. Nessa situação mau definida se conservou a ilha durante todo o domínio espanhol em Portugal.

Mas em 1.636 um frota da Companhia Holandesa das Índias Orientais, que já desde 1597 tinha estabelecido em Java (Batávia), desembarcara em Sólor cerca de 200 arcabuzeiros que ao cabo de algumas semanas ocupavam o forte dos dominicanos e expulsaram da ilha os frades portugueses. Os fugitivos acolheram-se a Timor, mas em 1641 a perda de Malaca, caída no mês de Janeiro em poder dos holandeses, precipitou os acontecimentos. Um rei de Toló, tio do soberano de Macassar (Arquipélago das Celebes) depois de, com uma frota de paraus, ter atacado Larantuca, na ilha Flores, foi sobre Timor onde desembarcou a sua gente, invadindo e devastando todo o litoral, e reembarcando na sua frota, carregado de despojos, ao fim de três meses de chacinas e devastações. Então, por instruções recebidas de Goa, do vice-rei, o comissário dominicano Frei A. de S. Jacinto recebeu instruções para empreender a construção de um forte em Timor, tendo sido escolhida a enseada de Cupão(Cupang) na extrema ocidental da ilha, para essa primeira obra de ocupação militar. Intrigas várias afastaram o frade de sua tarefa, que não pôde chegar a concluir por ter deixado em meio a construção do forte. E por esse motivo, os holandeses da Companhia das Índias, aproveitando-se do desleixo de um capitão-mor Siqueira, assaltaram de supressa e tomaram à falsa fé, sem um tiro, o inacabado forte português de Cupão.

A partir de 1651 começa a terceira fase da história de Timor. Os holandeses da Companhia das Índias instalavam-se definitivamente na parte ocidental da ilha, com a cumplicidade de vários régulos indígenas, mormente o de Amory, acabando em 1653 o forte de Cupão começado a construir pelo frade português. Uma guerra de guerrilhas se sucedeu, entre holandeses e portugueses, para a ocupação total da ilha. Protelou-se a luta até 1660, ora em guerra aberta, ora por captação dos régulos indígenas, até que em 1661 o governo de Portugal entrou em negociações com os dirigentes da Companhia Holandesa, na Europa, para se estabelecerem em bases sólidas os direitos de ocupação das três ilhas de Flores, Sólor e Timor.

A coroa de Portugal reconheceu então aos holandeses a posse de Cupão e do território ocidental já ocupado; e os holandeses abandonaram a ilha de Sólor, reconhecendo a Portugal o direito às ilhas de Flores e Sólor e à banda oriental de Timor.

Desde então (1661) os frades portugueses internaram-se na região dos Belos, missionando e praticamente governando a parte portuguesa da ilha. E a situação prolongou-se até 1702, apesar da autoridade teórica de um capitão-mor, delegado da coroa e instalado na fortaleza de Lifão.

Só em 1701 foi criado pela coroa de Portugal o cargo de governador de Sólor e Timor, tendo nomeado para esse longínquo governo o general Coelho Guerreiro. Para os seus sucessores, foi sempre acidentado e precário esse governo de Timor, em Lifão, assoberbado por contínuas e obscuras revoltas do gentio.

Em 1769 foi resolvido transferir a capital do território português, de Lifão para Dili. E desde então, com o holandeses em Cupão, como sede administrativa do seu território, e com os portugueses instalados em Dili, capital de sua administração, a história de Timor resume-se à da dramática e lenta ocupação militar e administrativa de todo o território, tando por parte dos portugueses, como dos holandeses, o que mais propriamente se trata na resenha histórica da Província Ultramarina de Timor.

Em meados do séc. XIX sérios atritos diplomáticos entre Portugal e a Holanda, por questões de limites, vieram a ser regulados definitivamente pelo tratado de limites de 20/04/1859, depois de se terem perdido para Portugal as ilhas de Sólor e Flores, pela desastrada e leviana atuação de um comissário régio, Lopes de Lima, que, por inépcia, abusivamente, negociou a sua cedência ao Estado Holandês a troco de uma irrisória indenização em dinheiro para o Estado português. As vicissitudes e trágicos lances que ilustram a lenta e difícil ocupação e pacificação do território português de Timor, ao longo de todo o final do séc. XIX até começos do atual, é matéria que mais desenvolvidamente pertence à história da administração portuguesa na sua banda oriental.

Como acontecimentos de maior relevo para a história contemporânea da ilha de Timor, há apenas a assinalar ainda as conseqüências políticas da Segunda Grande Guerra Mundial que se traduziram na invasão e ocupação militar japonesa, de 1942 a 1945, e, depois da derrota militar do Japão pelas Potências Aliadas, a recuperação portuguesa do seu antigo território, ao passo que em 1948 cessava o domínio colonial na parte ocidental da ilha, pela proclamação da República da Indonésia, que libertou todas as antigas possessões holandesas no extenso Arquipélago. 1945 a ilha continuava cindida em duas administrações - na antiga banda oriental sujeita à soberania de Portugal, e em todo o território anteriormente holandês anexada à nova república dos Estados Unidos da Indonésia.

TIMOR-HISTORIA

Já em 1505, no longo rol de instruções régias dadas em Lisboa ao primeiro vice-rei da Índia, figurava, entre outras de primeira urgência, uma expedição de reconhecimento às ilhas Malucas ou do Cravo.

Mas só nos fins de 1511, depois de franqueada à navegação portuguesa, pela ocupação de Malaca, a livre saída para os mares da China e da Malásia, pôde Albuquerque, como governador da Índia, mandar ao reconhecimento das Malucas, uma pequena frota de três navios, comandada por Antônio de Abreu.

Eram os primeiros europeus que devassavam os mares desses confins do Oriente, não podendo todavia afirmar-se que alguns dos navios de Abreu tivesse então tocado ou avistado a ilha de Timor, no extremo Oriente do Arquipélago, apesar de bem conhecida dos nativos de outras ilhas. Timor figurava já num mapa português de 1512.

A Suma Oriental de Tomé Pires refere-se á ida, em 1514, de um junco português àquela ilha. Numa carta de Rui de Brito ao rei D. Manuel (Cartas de Afonso de Albuquerque, t.III.p.133-137) faz-se a seguinte descrição da ilha: "Timor he huma ylha além de jaos, tem muito sandalo, muito mell, muita cera, por nom haver junco nom foram la". É interessante a referência a falta de navegação indígena. Por volta de 1516. Duarte Barbosa refere-se-lhe nos seguintes termos: "Timor - Tem Rey e lingoa sobre sy; nesta ilha há muytos sandalos branquos, que hos Mouros muyto estimaom, na Índia e Persia, honde se gasta muyta soma deles e tem grande valia no Malabar, Marsyngua, e Cambaya; has naos de Malaca e Jaos que aqui uem por ela, Leuaom por machados, machadinhas, cotelos, espadas, panos de Cambaya, e de Paleacate, porcelanas, continhas de cores, estanho, azougue, chumbo e outras mercadorias com que caregaom ho dito sandalo, de meel, escravos e dalgúa pimenta que na tera há".

Mas mais interessante e ampla é a descrição, por Pigafetta, da visita a Timor da expedição que Fernão de Magalhães organizara e chefiara até às Filipinas. Pigafetta acusa os Portugueses de introdução do mal venéreo não só em Timor como em todas as ilhas do arquipélago visitadas pela expedição. Há que pôr de remissa esta acusação (Mendes Correia, Timor Português, Lisboa, 1944,p.12) mas há informes de grande interesse na narrativa de Pigafetta do que ocorreu naquela visita, de 1522, a Timor. Há no texto nomes indígenas de pessoas e de lugares que se consideram susceptíveis de identificação com designações modernas.

Deve ter sido, portanto, entre 1512 e 1522 que a ilha de Timor foi acidentalmente descoberta, em alguma dessas obscuras viagens dos muitos mercadores e aventureiros portugueses que por esse tempo já cruzavam livremente os mares da Malásia no tráfico da especiaria e outras mercadorias para Malaca e para a Índia.

Meras viagens de negócio, por muito corriqueiras já, não mereciam especial interesse a cronistas, que por isso deixaram no anonimato o descobridor da ilha.

Negociantes portugueses, desejosos de tirar vantagens do já lucrativo comércio de sândalo da ilha, começaram a visita-la. Negociavam com os líderes timorenses da costa, que trocavam sândalo trazido do interior montanhoso por armas portuguesas, tecidos e instrumentos de ferro.

No começo, essas visitas de portugueses tiveram poucas consequências sobre os timorenses. A maioria dos habitantes da ilha morava em vilarejos pequenos, relativamente isolados, no interior, onde predominavam a agricultura de subsistência e religiões animistas.

Nesse costumeiro tráfico, rolaram anos, sem mais incidente notável quanto a Timor, porque é de 1561 - mais de quarenta anos passados - a primeira notícia de chegada dos frades dominicanos da Missão de Malaca às ilhas Flores, Sólor e Timor, no seu fervor de catequese e cristianização do bárbaro e feroz malaio e melanésio. A ordem de São Domingos, tomara desde os primeiros tempos da Conquista, o encargo de missionar também para além do Cabo da Boa Esperança - na Índia, desde 1548. Chegados os primeiros dominicanos a Goa, em 1548, à medida que o domínio militar-comercial dos portugueses alastrava para além de Ceilão, foi para Malaca que se transferiu o Vicariato da Ordem e nas Flores que se instalou o Vigário Superior das Missões.

Os frades de S. Domingos, militantes e infatigáveis, não se limitavam no Oriente a catequizar. Além de fundarem igrejas, capelas, colégios, também erguiam tranqueiras e construíam fortalezas, como fizeram em Larantuca, quase sem armamento e sem navios de guerra. A artilharia era-lhes fornecida, a seu pedido, pela capitania-mor de Malaca.

Não tardaram Sólor e Timor a entrar no martirológico cristão. Os régulos muçulmanos insurgem-se contra os frades. Os navios portugueses passam a ser atacados freqüentemente, o que todavia não afetava o comércio. Os Domínios de Sólor, ameaçados por tantos inimigos - malaios, javaneses e massacares - transformam então a sua primitiva tranqueira em mais sólida fortaleza de pedra e cal.

De Sólor passam então os dominicanos a Timor, na sua tarefa de evangelização intensiva. Um Fr. Antônio Taveira, ido de Larantuca num parau, abriu caminho a outro mais famoso pioneiro tonsurado, Fr. Antônio da Cruz, que tendo convertido ao cristianismo um grande chefe gentílico, se instalou no seu reino e por muitos anos exerceu decisiva influência espiritual entre o gentio. Desde Fr. Antônio da Cruz, a ilha de Timor conhecia uma autoridade portuguesa.

Agora porém a influência portuguesa iriam se tornar invasiva. Não se motivos o local escolhido para estabelecerem sua missão foi principal porto para o sândalo. Pouco depois, os Topasses, ou portugueses negros - descendentes de soldados, marinheiros e negociantes portugueses e mulheres das ilhas vizinhas - começaram a se estabelecer em Timor. Eles difundiram a cultura e influência portuguesa e logo passaram a controlar a redes locais de comércio.

Em 1585, porém, o vice-rei da Índia, por ordem de Lisboa, evoca à sua jurisdição a sólida fortaleza de Sólor, embora continuando habitada pelos frades e com uma guarda de mosqueteiros e seu capitão. E não se declarou logo o inevitável conflito entre as duas autoridades, porque no final do século o aparecimento dos primeiros holandeses nos mares das Índias viria criar problemas bem mais graves aos frades, como ao próprio governo da Índia e a todo o Ultramar português.

Em 1597 já holandeses estabeleciam em Java uma feitoria (Batávia). As expedições, puramente comerciais, sucediam-se; em 1598, em 1599, e esta última já às Malucas, onde a especiaria era mais barata.

Pouco tempo depois, os holandeses começaram a visitar Timor, para conseguir sândalo e escravos.

Todos os povos malaios, sobretudo muçulmanos, se levantaram logo contra os portugueses; e no Arquipélago os holandeses valiam a moiros e renegados contra a impávida fortaleza de Larantuca, na ilha das Flores que, de surpresa, foi cercada por 7 naus holandesas, quando se achava mal guarnecida por terem ido muitos portugueses a Timor, ao negócio do sândalo. A resistência de três meses, foi desesperada. Entretanto (1602), constituída em Amsterdã, para mais seguro negócio, a Companhia das Índias Orientais, com poderes majestáticos, o assalto dos holandeses aos estabelecimentos e navios portugueses redobrou de fria e calculada violência.

Em 1604 eram expulsos os portugueses de Ternate e Amboino, nas Malucas. Em 1615 os holandeses apossam-se pela primeira vez da fortaleza dos frades de Sólor, e a puseram o nome de "Forte Henricus"; e em 1616 expulsavam definitivamente das Malucas, ao Norte, os últimos portugueses, tendo previamente abandonado, por inútil, a ilha de Sólor, onde apenas deixaram uma fraca guarnição no Forte Henricus, com um major, Van Raemburch. De Larantuca, de onde não tinham sido expulsos, voltaram os frades a Sólor, a atacar os holandeses do Forte Henricus, que repelem um vigoroso ataque; e por isso, em 1618, a Companhia faz reocupar a ilha de Sólor, para melhor conservar, como conservou por mais de 10 anos, esse disputado Forte Henricus.

Em Timor, à margem de todo esse fluxo e refluxo de Sólor, já Fr. Antônio da Cruz devia ter sido substituído, como superior da Missão, por outro dos grandes pioneiros da ocupação da ilha - Frei Antônio de S. Jacinto. Mas em 1629, a ilha de Sólor, por inútil ou talvez inóspita, é abandonada segunda vez pelos ocupantes holandeses.

No ano seguinte (Abril de 1630) chega a Larantuca, na ilha das Flores, enviado de Malaca, onde pouco antes de distinguira pela sua bravura, Fr. Miguel Rangel, que vinha como comissário-visitador do arquipélago Flores-Sólor-Timor e trazia de Malaca um reforço de homens e material de guerra. Verdadeiro frade-soldado, o novo comissário-visitador, ordena logo a reocupação do abandonado Forte Henricus, de Sólor, e que se levante em Timor uma boa tranqueira; e como Fr. Antônio de S. Jacinto, substituído por outro Fr. Rangel (Cristóvão Rangel) na chefia da Missão, tivesse regressado a Larantuca, o comissário-visitador manda-o voltar à ilha de Timor, a converter a rainha de Mena, no litoral, enquanto Fr. Cristovão Rangel convertia o rei de Silavão, pouco depois envenenado pelos malaios.

Em Timor se fixou, portanto, em 1631, Frei Antônio de S. Jacinto como comissário da Ordem; e por alguns anos os holandeses, deixaram em paz as cristandades de Flores, Sólor e Timor. Em Junho de 1636, uma frota de seis navios holandeses, com 200 homens surge de novo em Sólor, diante do Forte Henricus, guarnecido desde 1630 por frades e bombardeiros de Malaca, e a quem o capitão da frota, Tomberger, intimou a rendição. Os frades recusam e preparam-se para resistir; mas semanas depois, falhos de munição e de homens abandonam o forte e a ilha, recolhendo uns a Larantuca e refugiando-se outros em Timor.

Depois de 1641, pela perda de Malaca, em Janeiro, a situação mudou radicalmente, assumindo para os derradeiros estabelecimentos portugueses no Extremo Oriente aspectos trágicos.

Sólor perdera-se e o seu forte continuava abandonado. Em Timor, pelos incansáveis esforços de Frei Antônio de S. Jacinto, que por lá se demorara cerca de 13 anos, havia já 22 capelas dispersas por reinos cristianizados - Mena, Amarasse, Sivalão, Lifão e outros. E nas Flores, onde Larantuca, se mantinha ainda, o vigário superior das Missões de tal modo interferira no governo que, de Goa, o vice-rei Conde de Aveiras vira-se forçado em 1640 a nomear um capitão-geral das ilhas, como autoridade régia.

Logo que em toda a Malásia se tornou conhecido a queda de Malaca, foi geral o levantamento das ilhas do Sul contra os portugueses, sobretudo nos Estados muçulmanos.

Um rei de Toló, Caniliquio, com uma frota de 150 paraus e cerca de 7.000 homens dá o primeiro assalto a Timor. Com a sua frota dividida em duas, uma pelo Norte, e outra pelo Sul, desembarca a sua gente e é uma devastação por todo o litoral, de onde os selvagens timorenses fogem aterrados para as suas montanhas do interior. O reio de Toló, ao fim de 3 meses de razia e devastações, reembarca na sua frota, carregado dos despojos da fácil vitória.

De Larantuca (Junho de 1641) é logo mandado outra vez a Timor Fr. Antônio de S. Jacinto, com mais dois frades, o capitão Francisco Fernandes e 80 mosqueteiros.

Renovam-se as conversões em massa com o arrependimento da maior parte dos reis que se haviam submetido ao de Toló.

De Larantuca mandam-lhe em Agosto uma pequena frota com o capitão-mor do mar Ambrósio Dias e mais 150 mosqueteiros que, reforçados com o gentio dos reis reconvertidos, fazem uma batida aos dois únicos reis - o Vejale e o Servião - que se mantinham fiéis ao de Toló.

Era a primeira operação militar dos portugueses com aliados Timores. Depois vieram de Larantuca mais 20 frades dominicanos e começou a valer a cristianização do gentio. Os capitães Francisco Fernandes e Ambrósio Dias voltam com a sua gente a Larantuca, ficando na ilha o capitão Mateus Fernandes com 50 mosqueteiros e Fr. Antônio de S. Jacinto, comissário das cristandades de Timor, como primeira autoridade da ilha que, por instruções recebidas de Goa, empreende a construção de um primeiro forte na ilha, de que ele próprio era o engenheiro, tendo escolhido a baía de Cupão, no extremo ocidente, como o local de mais valor estratégico.

O fato levanta protestos dos mercadores de Larantuca e essa oposição empata a continuação das obras. Neste momento, em Fevereiro de 1646, os holandeses voltar a ocupar pela terceira vez, a ilha de Sólor e a guarnecer o Forte Henricus, abandonado desde 1636. Um grande Tremor de terra na ilha, em 1648, deixa o forte muito avariado; e o major Verbeck, comandante da ilha, resolvido a procurar algures melhor estabelecimento, visita em Timor, a pretexto das tréguas, o forte de Cupão em construção.

Pouco depois, em 1649, é chamado a Goa o comissário Fr. Antônio de S. Jacinto. A continuação das obras do forte de Cupão em Timor, fica a cargo do capitão-mor Siqueira que, por desavenças com os frades em Larantuca, volta a Timor. As obras continuam porém empatadas. No ano seguinte (1651) os holandeses de Sólor à falsa fé, tendo peitado o rei de Amory e aproveitando-se dos desleixos do capitão-mor Siqueira, assaltam e tomam sem um tiro o forte de Cupão.

Assim os holandeses se instalavam para sempre em Timor, na ponta ocidental da ilha, pelo desleixo de um capitão-mor português e com a cumplicidade de um rei indígena de Amory, que prometera trazer aos holandeses a cabeça do capitão Mateus Fernandes, comandante da pequena força de mosqueteiros larantuquenses que tinham ficado na praça.

Uma pequena guerra de guerrilha se acendeu logo na ilha, entre holandeses e portugueses. O novo forte, cuja construção os holandeses acabaram em 1653, foi então por eles devidamente artilhado e guarnecido, com novos reforços enviados de Batávia. E desde então, entre os holandeses em Cupão, com os reis seus aliados e os portugueses a monte, com alguns reis fiéis, não houve mais ataques de parte a parte, por nenhum dos adversários se considerar com força bastante para expulsar ou aniquilar o outro.

Mutuamente se respeitavam. Cada qual ia captando o mais que podia dos reis indígenas - os frades e os capitães portugueses, na parte oriental da ilha, na região dos Belos e da rainha Mena, sem que tivessem ainda um fortaleza sua, como os holandeses tinha já a de Cupão, base de ação militar e política. Estava traçado o futuro da ilha.

De 1653 a 1660 continuou entre portugueses e holandeses essa guerra fria, de astúcias, para captar, chamar à sua bandeira, o mais possível de régulos timorenses.

Em 1660 um armada de 26 velas surge em Timor, onde havia entendimentos dos holandeses com régulos suspeitos. Descoberta porém a tempo a traição, os holandeses não puderam porém operar o desembarque e a frota afastou.

No ano seguinte, 1661, o Governo de Regência em Portugal entra em ajuste com a própria Companhia das Índias, fixando mais seguras bases da ocupação das três ilhas.

A Companhia, por esse acordo europeu, reconhece à Coroa portuguesa o direito a Sólor e a Timor, reservando-se a posse de Cupão e de Laboiana. Os holandeses abandonam Sólor e toda a parte oriental de Timor. A ilha de Flores continuava na posse de Portugal.

Em 1662 resolvem então os frades e o capitão-mor escolher um reino aliado, cristianizado, sobre o mar, para sede da soberania portuguesa. Fixado o local - Lifão - de clima salubre e excelente posição facilmente defensável, para lá se deslocam os raros portugueses que habitavam Timor e alguns de Larantuca. Levantou-se uma fortaleza, que se artilhou com material vindo de Larantuca. E pela sua importância militar assim se fundava a primeira capital da parte portuguesa da ilha.

Desde então, pacientemente, os frades dominicanos internaram-se pela região dos Belos, na zona oriental da ilha, evangelizando, chamando o gentio, pelo palavra e pelo exemplo, à sujeição portuguesa, representada na fortaleza pelo capitão-mor da ilha.

No fundo, porém, eram os frades, mais que o capitão-mor instituído em 1585, que exerciam verdadeira autoridade. Assim se foi vivendo até fins do séc. XVII, num partilha de autoridade e governação que se tornava por vezes, muito critica. Finalmente, em 1701, pela soma de conflitos acumulados nesse regime de confusão jurisdicional, resolveu-se D. João V a separar inteiramente os dois poderes, civil e eclesiástico, criando o cargo de Governador de Timor e Sólor, com atribuições expressas de autoridade suprema, delegada da Coroa. E para seu primeiro governador nomeou por carta-patente o general A, Coelho Guerreiro.

Em Janeiro de 1702 partia de Macau para Larantuca, a assumir o novo governo da Província, dependente de Goa, o general A, Coelho Guerreiro. A tal grau de relaxamento e anarquia haviam então chegado aqueles remotos domínios da Cora que o desembarque desse primeiro governador teve de ser forçada a tiros de canhão. Esperava-o em Timor declarada rebeldia, com milhares de nativos armados, na praia, por conta do Topasi D. Domingos, que mandara entretanto ameaças terríveis aos reis indígenas, aos oficiais militares, aos próprios frades, se pactuassem com o governador. De nada valeram a mediação conciliatória de um dos dominicanos mais respeitados da ilha e as promessas de clemência do governador, a bordo, para que lhe fosse consentido o desembarque. Foi debaixo de fogo que o governador por fim desembarcou numa praia afastada de Lifão, onde teve de se fortificar, para conquistar depois, palmo a palmo o seu governo.

O governo de Coelho Guerreiro estava condenado a ser, como foi, de curta duração. Mas no seu governo se radicou na ilha a autoridade da Coroa, se iniciou a norma de se aliarem os régulos a essa autoridade régia, em pé de igualdade, sem supremacia de uns sobre outros, como anteriormente no regime dos frades acontecia; e então se conferiu a primeira patente militar a um régulo - o rei de Ocussi, feito tenente-general - o que era o melhor método de o prender aos interesses da soberania.

Nessa ordem de idéias procederam depois, com êxito, os seus sucessores Mesquita Pimentel, D. Manuel Soto Maior, Faria de Almeida, J. de Morais Sarmento.

Não cessavam, porém, os embaraços de governo, até pela permanente ameaça de uma potência rival a flanco, na inconcebível partilha de território a que o governo da Metrópole anuíra, pelo acordo de 1661.

A Companhia holandesa que em Cupão se fixara no único propósito de, mais tarde ou mais cedo, expulsar os portugueses de Timor, não respeitava a fé dos tratados, fomentando rebeliões em território português. Foi o que sucedeu com o levantamento de Camenasse, adiado em 1719, mas que em 1722 eclodiu, com o assalto à traição a um arraial português, logo seguido da chacina de dois pacíficos padres e da rebelião aberta de mais de 12 régulos, que muito custaram a dominar em Colaico, só em 1726. O castigo não apaziguava os timores, açulados por agentes holandeses. Era permanente nos matos a inquietação, agravada pela fome que, por vezes em virtude das secas, flagelavam as populações. E os governantes sucediam-se sem conseguirem estabelecer um simulacro sequer de normalidade administrativa.

Assim se ia passando o tempo a sufocar contínuas e obscuras sublevações, até que em 1751 novas ameaças sobrevieram do exterior. Pouco depois do desembarque de um novo governador, Figueiredo Sarmento, os holandeses de Cupão fizeram vir das ilhas próximas cerca de 4.000 soldados para assaltarem Lifão, a pretexto de serem os portugueses que fomentavam guerras nos reinos de território holandês. A ameaça desvaneceu-se pela atitude firme de alguns reis fiéis aos portugueses, mas atitude dos holandeses continuava provocante e embusteira.

Em 1765 nova ameaça, mais séria, se ergueu contra a soberania portuguesa, por uma conjura interna de elementos mestiços, considerados leais. A conjura e o ataque à praça abortaram, pela prematura morte do governador Dionísio Rebelo, (que entrava no programa) dias antes do fixado para a eclosão do movimento. Dois dos traidores foram executados. Mas por falta de socorros militares de Goa ou de Macau, a agitação e a ameaça persistiram e a situação na praça tornara-se tão desesperada que alguns dos membros do governo interino, sucessor do assassinado, pensaram em abandonar a praça e tomar o primeiro navio que passasse. Os cabecilhas Hornay e Costa continuavam rebelados, cometendo toda a sorte de atentados e cortando as comunicações de Lifão com o exterior.

O novo governador Teles de Menezes viu apenas como remédio, para salvar o prestígio da soberania, transferir a capital e o governo da colônia para outro local, a enseada de Dili.

Num navio mercante que providencialmente ali arribara, meteu a bordo toda a artilharia dos baluartes, munições, armas, e embarcou com a sua gente leal, indo aportar a Dili, para onde transferiu então a capital (Outubro de 1769).

As receitas públicas da incipiente e intranqüila Província eram irrisórias. Pouco ou nada podiam os governadores empreender, a tal distância de Goa e da Metrópole, e sem recursos que de nenhum governo lhes mandavam, nem da alfândega local podiam levantar. Eram, sobretudo, esta carência de recursos e os expedientes a que tinham de recorrer os governadores, para acudirem aos encargos do Estado, o que ia desacreditando, desprestigiando e sucessivamente inutilizando os melhores que a Coroa podia nomear para Timor - Nogueira Lisboa, em 1787. Morais Sarmento, em 1790.

Desde os governos de Cunha Gusmão (1812) e do coronel Alcoforado e Sousa (1814-1819) o poder temporal das Missões em Timor começou a decair e a ser coarctado pela feição militar que vinha assumindo a ação dos governadores, com a categoria de capitães-generais. Foi também por esse tempo que a ilha de Sólor, por muito tempo praticamente abandonada, voltou a ocupação efetiva, pelo expresso desejo da sua rainha indígena que confessava considerar-se desde sempre vassala dos Reis de Portugal. As agitações indígenas no entanto não cessavam em Timor. Não tardaram a surgir novos conflitos com os holandeses que usurparam Atapupo, na costa, já zona portuguesa. O governador apelou em vão para o Governo-Geral das Índias Holandesas, e por fim para o Vice-rei de Goa, que logo organizou um destacamento de reforço. Mas do Rio de Janeiro, o monarca, já D. João VI, mandava cancelar o assunto e o ultraje à soberania ficou por vingar.

Em Timor, com tal insuficiência de meios militares e financeiros, o segredo da ocupação e manutenção da paz interna estava na política adotada de se atraírem os chefes gentílicos aos interesses da soberania e administração da Colônia, conferindo-lhes honras e patentes militares, dignificando-os, integrando-os na unidade nacional. Mas perante os atentados de potências estrangeiras, sentiam-se os governadores impotentes, pela impossibilidade de de responderem pelos mesmo meios. Por manifesta incapacidade do decadente Estado da Índia para continuar a manter a velha prosápia de gerir, por delegação da Metrópole, os negócios das possessões menores do Oriente.

Em 1844, no interesse de Macau, destacadas Macau e Timor do Governo da Índia, constituindo uma nova Província Ultramarina, com a capital em Macau e o distrito de Timor - arquipélago de Timor, Sólor e Flores, dependente do governo dessa Colônia da China. Restava pois a via diplomática para resolver esses repetidos e irritantes incidentes com a Holanda, todos resultantes de um vício de origem - a falta nos arquivos nacionais de documento escrito do Acordo de 1661 com a Companhia das Índias Orientais, sobre o reconhecimento da soberania portuguesa e dos respectivos limites territoriais nos estabelecimentos desde sempre ocupados pela Coroa. Em 1844 abriram-se negociações nesse sentido com agentes holandeses, em Timor. Governava a Província o coronel JuliãoVieira que in loco, resolveu satisfatoriamente a questão da linha separatória. Terminou por um acordo de status quo, aprovado pelo governo da Metrópole, que considerava "portugueses todos os territórios que à data tivessem arvorada a bandeira portuguesa e holandeses os que arvorassem a holandesa".

problema não ficava porém sanado, dadas as intenções reservadas da Holanda sobre outros mais vastos territórios. Do conflito geravam-se novas negociações. Um enviado do Governador das Índias Neerlandesas apresentou-se em Março de 1848 ao governador Vieira, que não estava autorizado a discutir o assunto. E o governador de Timor nomeou arbitrariamente um comissão de estudo, para sobre as suas conclusões se pronunciar. A Holanda aceitava os fatos consumados, não disputando a Portugal os reis da ilha de Timor que à data ocupava, e sobre essa base se abririam negociações, dando por assente que a Holanda era soberana de direito em toda a ilha de Timor e arquipélago de Sólor. Não fechou o governador Vieira in continenti toda e qualquer conversa mais nessa equívoca base. Lavrou um enérgico protesto, apenso às atas, mas deixou aberta a porta a novas discussões na inaceitável base da versão holandesa. E não tardou, com efeito, a Holanda (1850) em insistir por novas negociações, não já só apenas sobre os limites de Timor, mas também - o que era matéria nova e mais grave - sobre os direitos de soberania holandesa ao arquipélago de Sólor e Flores.

O governo de então, com Sá de Bandeira, intemerato defensor do Ultramar, tomou a peito o assunto, começando por fazer das possessões na Oceania (Timor, Sólor e Flores) destacadas de Macau, uma nova Província Ultramarina, e nomeando um comissário régio com latos poderes para negociar com os holandeses em Batávia(Java) a melindrosa questão, ad referendum do governo de Lisboa. O comissário régio Lopes de Lima, chegou a Dili em Junho de 1851 sob o pesadelo de acudir à Fazenda da Província, com dinheiro urgente que sabia não poder vir-lhe da Metrópole. Nesse estado de espírito entrou em negociações; e os holandeses não deixaram de tirar do fato o melhor partido. Ao cabo de laboriosas sessões, de que o negociador saía sempre vencido, acordou-se num projeto do Tratado, em que se fixavam os limites das duas possessões em Timor, com os enclaves mais tarde remodelados, e pelo qual Portugal cedia à Holanda a ilha das Flores e desistia das pretensões sobre Sólor por 200.000 florins, pagáveis de 3 prestações. Arrancadas assim, de fato, Sólor e Flores à Província Ultramarina de Timor, o governo da Colônia volta a ser anexado, como distrito destacado, à Província de Macau.

Mas em 1856, por insuficiência financeira, o Distrito de Timor volta ainda a ficar na dependência do governo do Estado da Índia, para voltar mais uma vez, em 1857, a ser anexado como distrito à Província de Macau. A 20/04/1860 assinava-se o infeliz Tratado de 1851, com ligeiras modificações, ratificado em 18/08/1860, do mesmo ano. À data da assinatura do Tratado de 1860, Timor era de fato, uma ruína. No território mandavam os reis (datós) que não reconheciam as vantagens da administração portuguesa.

A falta de guarnição militar e de meios financeiros atavam as mãos aos governadores. Os régulos. Praticamente independentes em seu sucos, era falsos agentes da administração, por cobrarem os impostos em seu proveito e exercerem por sua conta a sua bárbara justiça. Rebelavam-se contra o Governo, logo que lhes era pedida gente para trabalhar; faziam incessantemente guerra uns aos outros; eram afinal os verdadeiros soberanos.

O novo governador, Afonso de Castro, foi quem intentou trabalhos de Hércules e alguma coisa de útil, com certo apoio financeiro da Metrópole. Começou por uma expedição punitiva ao reino da Hera. Depois, com o auxílio de alguns reinos submissos e aliados, empreendeu operações de maior vulto. Esses êxitos determinaram a submissão espontânea de outros reinos e um começo de administração mais regular. O déficit diminuía, sem que a situação pudesse considerar-se boa. O seu sucessor, Pereira de Almeida, viu-se também forçado a novas operações contra Dabolo e contra Fotumasse. As receitas iam aumentando. Começa a desanuviar-se o horizonte.

Por decreto de Setembro de 1865, a praça de Dili era elevada à categoria de cidade e punha-se em execução o de 07/11/1863 que constituía a possessão de Timor e Província Ultramarina, como governo autônomo.

No ano seguinte (1866), por carência financeira, Timor regressava à condição de Distrito dependente do Governo da Província de Macau. Tratou-se então a sério do rearmamento de Timor, recorrendo-se a auxilio substancial de Macau, que enviou dois destacamentos; e recomeçaram as campanhas - a de Maubara em 1878 e a de Laleia em 1879. Mas era difícil de Macau governar Timor. A governação de Timor continuava assim claudicante e cortada de incidentes trágicos, como foi o assassinato do governador Lacerda e Maia (1886) por um conluio de moradores de Dili, que se revoltara contra a enérgica ação disciplinadora do governador. A anarquia tornara-se endêmica na própria capital - Dili. A insurreição dos povos indígenas não cessava. Por toda a parte rebentavam rebeliões. De Macau, apesar das boas disposições do governo da Província, pouco se podia esperar como auxílio. Em tal clima não era possível prosseguir no vigoroso impulso que à administração e ao fomento econômico (cultura do café, prospeccões mineiras de petróleo, etc.) viera dar a enérgica e inteligente governação do governador assassinado. O problema cruciante continuava a ser a constante insurreição indígena, em entendimentos possíveis com agentes holandeses de Cupão. À sua repressão imprimiu então maior energia o novo governador, Antônio da Costa. As operações, logo iniciadas, assinalaram-se por vários desastres, chacinas de europeus, de timores amigos, destacamentos perdidos. Apesar dos castigos infligidos não se chegava a resultados positivos. Eram operações dispersivas, descoordenadas, sempre muito caras em vidas e dinheiro. Impunha-se uma ação militar de maior envergadura. Estava essa missão reservada ao novo governador, tenente-coronel Celestino da Silva, que em 1894 desembarcara em Dili .

A primeira ação de Celestino foi contra o comerciantes chinas, evitando que se internassem pelos matos. As campanhas sucederam-se, desenvolvidas umas das outras - em Agosto, a do Manufai, a seguinte, em Março, a ferocíssima campanha contra os povos do Leste que terminou por uma decisiva vitória; a seguir foi a guerra do Deribate, com que se terminava a campanha de 1896 e toda essa cruenta guerra de dois anos. Como conseqüência imediata, em prêmio, a possessão era definitivamente separada de Macau e constituída em Distrito autônomo (1897).

Só então o prestigioso governador (1894-1908) pôde votar-se às tarefas pacíficas e fecundas da administração, reorganizando administrativamente o distrito, fomentando a colonização agrícola, chamando o indígena, pelo ensino e pela influência missionária, à civilização, elevando, em suma por todos os meios, a insubmissa Timor, de tão sombrias tradições, ao nível de colônia moderna. O novo governador Eduardo Marques vinha encontrar política de economia e de obras públicas.

Em 1910, já sob o governo de Soveral Martins, renascem inquietantes sintomas em certos povos a Oeste. O vizinho holandês aproveitava-se do abalo produzido na Província pela mudança de regime e de bandeira, para promover novas agitações indígenas. E de fato, foi já no governo de Filomeno da Câmara (Dezembro de 1911) que se declarou a rebelião armada, forcando a novas campanhas, e ao inevitável adiamento do programa de fomento. A campanha, demorada e dura (1912-1913), rematou brilhantemente com a submissão dos povos levantados. O governador podia já continuar a obra de Celestino da Silva, com uma administração sensata e fecunda, por ter preparado a longínqua possessão para todos os sobressaltos e contingências da Grande Guerra de 1914.

De 1914 a 1918 viveu a Província em constante sobressalto, pela manifesta simpatia da Holanda pelos Impérios Centrais e pela tensão de relações entre a Holanda e a Inglaterra que em 1917 chegou quase ao casus belli no Oriente.

A posição política de Timor não podia ser mais delicada, dada a participação que a Metrópole tomara no conflito mundial. E não se pode prever que conseqüências adviriam do fato de a Primeira Grande Guerra Mundial ter vindo encontrar Timor ainda em plena insurreição.

Mas a paz chegou em 1918, sem que a Província tivesse sofrido mais que a permanente inquietação. Desde então não deu mais cuidados de maior à Metrópole, em matéria de pacificação e administração.

As reformas de 1933 em nada lhe alteraram a estrutura administrativa e a rotina dos serviços. E foi necessário que uma Segunda Grande Guerra Mundial, mais brutal e devastadora, viesse fazer também do Pacífico e do Extremo Oriente um tremendo e feroz campo de batalha, para que a fatídica terra de Timor se tornasse novamente um pesadelo para a Metrópole.

Declarada oficialmente, logo no começo do conflito, em Setembro de 1939, a neutralidade de Portugal, a sua longínqua possessão de Timor viveu relativamente em paz os dois anos que se seguiram, mas uma paz já sobressaltada pela pérfida política externa do Japão que não ocultava aliás, as suas ambições e afinidades com as Potências do Eixo. Mais fazia avolumar suspeitas e receios ao governo local a capciosa infiltração de pretensos comerciantes, industriais e técnicos japoneses que, desde 1936, a pretexto de negócios e colocação de capitais aportavam continuamente a Dili, percorriam a ilha e, por fim conseguiram que o governo de Tóquio requeresse a instalação de uma carreira aérea que ligasse diretamente Dili com a capital nipônica.

Sem fundamentos sérios para recusar, o governo português ao mesmo tempo que autorizava aos japoneses alguns vôos de ensaio e reconhecimento, consentia também, para contrabalançar a exigência, que os aviões de uma companhia australiana fizessem escala por Dili, numa carreira Austrália-Singapura, e que um avião fretado, com as cores portuguesas, estabelecesse ligação de Dili com os aviões holandeses da carreira Austrália-Japão que tocavam em Cupão.

Muitos foram os irritantes incidentes suscitados por esta surda competição das aviações comerciais da Austrália e do Japão e pelas atividades e pretensões cada vez mais suspeitas de agentes comerciais japoneses que à boca pequena se dizia serem oficiais do exército. A situação porém, agravou-se subitamente com o inesperado ataque de surpresa e à falsa fé da aviação japonesa à base naval americana do Porto das Pérolas (Peor Harbor), a 7/12/1941. A partir de então não mais houve sossego no Timor português. Dois barcos japoneses que deviam chegar a Dili com aparelhagem várias foram logo afundados, dias depois, por aviões militares australianos.

A guerra que ardia já por todo o Pacífico, até Singapura, começava a rondar Timor. Dez dias depois do rompimento de hostilidades do Japão com a América, Austrália, Holanda, China e Filipinas, o Comando Aliado, por uma série de equívocos ainda mal averiguados, enviava de Cupão, sede do Timor holandês, à baía de Dili um cruzador, três aviões e um transporte de tropas holandesas e australianas, sob o comando de um tenente-coronel holandês que, de acordo com prévias negociações entre os respectivos governos, dizia trazer ordem para efetuar o desembarque das suas tropas e tomar posições em Dili e no seu campo de aviação.

O governador, sem instruções de Lisboa nem força bastante para resistir, mesmo simbolicamente convocou um conselho de oficiais que, perante a critica situação criada, foi de parecer unânime que se consentisse o desembarque. O corpo expedicionário aliado, de cerca de 1.600 homens - 1.280 holandeses e indonésios e 380 australianos - desembarcou, aquartelou-se e tomou as suas posições no aeródromo e nas montanhas vizinhas de Dili.

cônsul e os outros japoneses foram logo reduzidos à situação de prisioneiros; o governador português constituiu-se também, por si próprio, prisioneiro na sua residência, ordenando a todas as autoridades e repartições a mais estrita neutralidade e abstenção de qualquer ato de hostilidade ou colaboração.

Começava praticamente o longo calvário de três anos e meio. A exígua guarnição militar portuguesa - uma companhia indígena - foi destacada para Aileu; as famílias dos militares e funcionários dispersaram-se pelo interior; e uma relativa calma, sem incidentes de maior com essas cordatas e corretas tropas de ocupação, se seguiu durante cerca de sete semanas. Pouco durou essa inquieta situação de expectativa.

A 08/11/1942 dava-se o primeiro ataque da aviação japonesa às posições holandesas em Dili. Mas como a todo o momento eram esperadas de Moçambique tropas portuguesas, num total de 600 homens, para renderem as tropas estrangeiras, confiava-se em que a situação se esclarecesse muito em breve.

A 19 de Fevereiro, porém, precedido de um furioso bombardeamento da sua aviação, os japoneses operavam por seu turno um desembarque em força a 7 km. de Dili. Os breves assaltos que se lhes seguiram às frágeis posições aliadas, em poucas horas, em coroados de êxito e ao fim do dia a ocupação militar japonesa era um fato irremediável.

A partir dessa data e até Agosto de 1945, toda a ilha de Timor, sob a brutal ocupação nipônica , era teatro das consabidas atrocidades da soldadesca japonesa que, ao que parece, chegou a atingir cerca de 40.000 homens.

Os sobreviventes australianos e holandeses, internando-se nas montanhas que constituem a espinha dorsal da ilha, passaram então a uma encarniçada e intrépida luta de guerrilhas, auxiliados pelas populações gentílicas, que se mantiveram fiéis a Portugal e a que se juntaram muitos civis portugueses.

Não foi, infelizmente, geral essa atitude da população nativa, mormente a da fronteira e da Maubisse. Vários régulos, aliciados pela intensa propaganda nipônica, rebelaram-se logo contra o domínio português, fato de que o comando japonês tirou todo o partido, incitando e armando a organização de colunas negras que preparavam os assaltos às povoações fiéis ou onde quer que se suspeitasse de núcleos de resistências anti - nipônica.

Em Dili, onde o governador procurava manter um simulacro de funcionamento de serviços administrativos, a coberto da declarada neutralidade, começaram em meados do ano os raids da aviação australiana, já bombardeando a cidade, já reabastecendo por pára-quedas as guerrilhas nas montanhas.

Resolveu então o governador transferir-se, com todos os serviços e funcionalismo para o interior (S. Domingos) ainda então afastado do teatro da guerra. O comando japonês, porém, opôs-se brutalmente, reduzindo-o praticamente à condição de prisioneiro na sua residência. Perante a funda turbação causada pelas populações rebeladas, as autoridades portuguesas, invocando a atitude de neutralidade de Portugal, conseguiram do comando japonês autorização para que três colunas portuguesas fossem sufocar essas rebeliões, mas cedo se desmascarava a hipocrisia japonesa, pelo ataque noturno de um coluna negra, em fins de setembro, ao aquartelamento da Companhia indígena em Aileu, onde perderam a vida onze oficiais e funcionários portugueses.

Como os australianos não afrouxassem na sua luta de guerrilhas, causando graves danos aos japoneses, em Outubro foi proposto ao governador pelo comando japonês a criação de uma zona neutral em Liquiça, onde não se realizariam operações militares, a fim de que todos os portugueses neutrais se pudessem ali refugiar com suas famílias, ao abrigo dos indígenas rebeldes e das contingências da luta dos japoneses contra os australianos.

As guerrilhas australianas, porém, é que não se consideraram obrigadas a respeitar essa zona neutral, e, por seu turno, ofereceram proteção e auxílio aos portugueses que quisessem refugiar-se na Austrália, embarcando em praias da costa Sul, onde iriam buscá-los navios australianos ou aliados.

De fato, desde fins de Novembro até princípios de Fevereiro de 1943, navios de guerra australianos vieram ao porto de Alas buscar os portugueses e suas famílias que preferiram o refúgio da Austrália ao campo de concentração de Liquiça.

Pouco depois, chegava aos resistentes portugueses a notícia de que o comando Aliado na Austrália desistira de um projetado desembarque em força, por tropas aliadas, para a libertação de Timor.

Uma poderosa ofensiva nipônica na Nova Guiné impunha o emprego de todas as forças disponíveis do Norte da Austrália. A missão militar e as guerrilhas australianas em Timor deviam também retirar. E assim aconteceu.

Os últimos australianos e holandeses abandonaram a possessão portuguesa. A essa data (princípios de 1943) já as forças japonesas tinham ocupado toda a ilha, e é então que se registra o admirável ato de lealismo do chefe indígena D. Aleixo, Nai-Sesso, régulo de Suro, que nas montanhas de Suro-Lau, cercado com o seus súditos, por mais de 15.000 homens, de tropas japonesas e nativos das colunas negras, resistiu durante semanas a todas as intimações, até que a resistência foi esmagada e, aprisionado, o velho régulo reuniu os filhos e, dando um viva a Portugal, preferiu cair varado de balas e de golpes de catana, a submeter-se ao invasor nipônico.

Em Agosto conseguiu evadir-se para a Austrália um último grupo de portugueses que pretendiam treinar-se nos métodos de ataques dos famosos "comandos" para voltarem um dia a Timor, com tropas aliadas ou portuguesas para restaurarem a soberania.

Foi só em princípios de 1944 que puderam começar a ser enviados da Austrália a Timor, em arriscadas missões de reconhecimento, e os primeiros "comandos" australianos, de que participavam já voluntários portugueses convenientemente adestrados.

Eram missões arriscadas de que poucos conseguiam voltar. Cientes desses atos de audácia, os japoneses guarneceram então toda a Costa Sul, com inúmeros postos de observação e rondas constantes, servidos por tropa regular e rebeldes indígenas. Assim a situação de Timor se manteve ainda mais onze meses até que em Agosto de 1945 as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaqui forçaram o Japão à suspensão de hostilidades e rendição incondicional aos Americanos.

A 11 de Setembro o brigadeiro australiano Dyke recebia a bordo de um navio de guerra, na baía de Cupão, a rendição do general japonês comandante das tropas de ocupação de Timor. Na manhã de 22, Dili era libertada, com o seu governador e todas as autoridades sobreviventes, de uma ocupação japonesa de mais de três anos e meio.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E DEPOIS (*)

Quando os aliados ocidentais declaram guerra contra o Japão, decidiram usar a ilha de Timor como linha de defesa contra o avanço japonês em direção ao sul ( apesar dos protestos de Portugal, que era neutro ). Em meados de dezembro de 1941, apenas dez dias depois do ataque a Pearl Harbor, aproximadamente 400 soldados das Índias Ocidentais Holandesas e da Austrália chegaram à parte ocidental de Dili.

Dois meses mais tarde, o Japão atacou a ilha e rapidamente expulsou os holandeses da metade ocidental. Em Timor Leste, algumas centenas de comandos australianos e alguns timorenses conseguiram encurralar uns vinte mil soldados japoneses durante quase um ano. Mas em janeiro de 1943 o Japão controlava toda a ilha.

A ocupação japonesa foi uma das épocas mais sombrias da história de Timor Leste ( só ultrapassada em crueldade e devastação pelos indonésios ). Eis como Iwamura Shouachi, que comandou um pelotão japonês em Timor Leste durante mais de dois anos, descreveu os sofrimentos impostos pelos militares japoneses:

"É doloroso falar hoje dos sacrifícios e fardos que impusemos ao povo do Timor Leste... Ordenamos a chefes que mobilizassem pessoas em massa para a construção de estradas...para trabalharem sem receber comida ou compensação.

Devido à escassez de alimentos, pessoas morriam de fome todos os dias. A comida para os soldados japoneses e cavalos para transportar munição eram confiscados do povo e alguns soldados da tropa sob meu comando estupraram mulheres timorenses."

Se os australianos e aliados tivessem deixado a ilha em paz, é bem possível que os japoneses tivessem ignorado Timor, ou no máximo mandado um contingente simbólico de soldados. Em vez disto, uns 60 mil timorenses orientais perderam suas vidas em conseqüência da brutal ocupação japonesa e dos bombardeios aliados que procuravam expulsá-los. A guerra danificou muito Dili e destrui parcialmente muitas das principais vilas e aldeias do território.

Com a derrota do Japão em agosto de 1945, Portugal voltou e reafirmou seu controle sobre Timor Leste, que gradualmente voltou ao estado anterior à guerra. Os portugueses começaram a reconstruir a infra-estrutura colonial que tinha sido devastada, empregando muitas vezes os mesmos métodos brutais de trabalhos forçados que tinha usado antes da guerra.

Com exceção de um revolta séria em 1959 ( que foi rapidamente sufocada ), as relações entre timorenses e portugueses continuaram bastante calmas - embora debaixo da superfície houvesse muito ressentimento fervendo. A Igreja Católica, que tinha visto o número de seus fiéis aumentar devido às dolorosas experiências da guerra, ajudou a diminuir as tensões, encorajando o sentimento pró-Portugal no culto e na educação.

Através de todo o sudeste asiático, a era do pós-guerra estava marcada por grandes comoções políticas, já que os territórios colonizados buscavam a independência, enquanto os colonizadores voltavam e tentavam reafirmar seu controle. O povo das Índias Ocidentais Holandesas declarou que a Indonésia era um país livre no dia 17 de agosto de 1945, enquanto ainda estavam sob a ocupação japonesa.

Quando os holandeses voltaram, recusaram-se a reconhecer esta declaração de independência, travando brutal campanha militar para recuperar sua colônia. Mas no final de 1949 a resistência em massa do povo forçou os holandeses a reconhecerem a independência da Indonésia. O governo dos Estados Unidos pressionou a Holanda para que o fizesse, pois acreditava que uma Indonésia estável e independente forneceria um melhor ambiente de negócios para o capital norte-americano do que uma colônia rebelde, dilacerada pela guerra.

No próprio Timor Leste, o nacionalismo pós-guerra veio mais devagar, mas chegou finalmente(...).

Certos elementos da Igreja Católica desempenharam papel importante no desenvolvimento do pensamento nacionalista. Embora a maioria das escolas católicas estivessem orientadas para assuntos portugueses, os jesuítas muitas vezes criticavam o colonialismo e as condições sociais. Em seu seminário nos arredores de Dili, onde muitos dos timorenses orientais que trabalhavam para a administração portuguesa tinham recebido sua educação, professores jesuítas discutiam movimentos nacionalistas que estavam desabrochando e abordagens progressistas ao desenvolvimento do Terceiro Mundo, e promoviam um sentido de identidade timorense entre os estudantes.

Um jornal da Igreja, Seara, que estava livre das leis de censura, ensinava tetum a seus leitores e muitas vezes servia como animado fórum de idéias progressistas. Algumas das pessoas que contribuíam para ele, que tinha tido contato com movimentos africanos de libertação, começaram a defender privadamente a independência de Timor Leste. As autoridades portuguesas forçaram o Seara a parar de ser publicado em 1973, mas nesta época dissidentes que tinha as mesmas idéias já estavam se reunindo clandestinamente em Dili.

Embora a grande maioria da população ainda vivesse como tinham vivido durante séculos, em vilarejos rurais, uma elite pequena, educada, já tinha se desenvolvido pelos anos 70. Quando o império português finalmente começou a ruir, este grupo de estudantes, professores e até administradores coloniais ajudou o pequeno Timor Leste a emergir de sua posição de relativo isolamento, penetrando no mundo turbulento da política internacional de poder.

(*) texto retido do Livro - TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre, Sílvio L. Sant’Anna, Editora Martin Claret , São Paulo, SP

A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA (*)

No final de abril de 1974, grupo de oficiais militares esquerdistas, estacionados em Lisboa, capital de Portugal, derrubou o governo fascista do país através de um golpe de estado, praticamente sem derramamento de sangue. Havia certo desacordo entre os oficiais ( que se chamavam Movimento das Forças Armadas, ou MFA) sobre o que fazer com as colônias de Portugal. O chefe conservador do MFA era a favor daquilo que chamava de "autonomia progressiva... dentro de uma estrutura portuguesa", mas outros oficiais, muitos dos quais tinham voltado recentemente da luta contra movimentos de libertação nas colônias africanas, defendiam "algum tipo de independência".

Em junho de 1974, Portugal tinha apresentado três opções possíveis para Timor Leste: continuar associado a Portugal, tornar-se independente, ou se tornar parte da Indonésia. Mas o governo português não empreendeu nenhuma ação imediata em relação a qualquer dessas opções.

No próprio Timor Leste, no entanto, a resposta ao golpe de estado não foi tão lenta. Dentro de pouco mais de um mês, três partidos políticos tinha sido formados: a UDT, a ASDT (que mais tarde se transformou na Fretilin) e a Apodeti.

O primeiro partido a ser fundado, a UDT (União Democrática Timorense), era de modo geral conservador e a favor de Portugal. No começo defendia a continuação da ligação com Lisboa, mas com o aumento da oposição ao colonialismo passou a apoiar a idéia de uma eventual independência total.

0 segundo partido, ASDT (Associação de Sociais Democratas Timorenses), advogava "as doutrinas universais do socialismo e da democracia". Totalmente comprometido com a independência desde o começo, imaginava um período de descolonização de oito a dez anos, durante o qual Timor Leste teria a oportunidade de desenvolver as estruturas políticas e econômicas necessárias para a independência.

A liderança tanto da UDT quanto da ASDT vinha em grande parte das classes média e alta - timorenses que tinham estudado no colégio dos jesuítas em Soibada e no seminário nos arredores de Dili, e que eram administradores coloniais ou professores. Os cidadãos timorenses mais ricos tendiam a apoiar a UDT. Incluíam oficiais administrativos mais graduados, líderes nativos e importantes donos de plantações. Um dos líderes da UDT - na realidade, seu primeiro presidente - foi mais tarde nomeado governador de Timor Leste pelos indonésios, cargo que ocupou de 1981 a 1992.

Um terceiro partido, Apodeti (Associação Popular Democrática Timorense) era a favor de uma "integração autônoma" com a Indonésia. (Seu nome original - Associação para Integração de Timor com a Indonésia - foi logo mudado devido a reações públicas).

A Apodeti, que nunca teve mais de umas poucas centenas de membros, parece ter sido em grande parte um projeto do serviço de inteligência militar da Indonésia. A última coisa que a Indonésia queria era mais um país independente nas suas fronteiras, e estava empenhada em garantir que isto nunca acontecesse.

Três homens que estavam cooperando com os militares indonésios havia anos se tornaram os líderes principais da Apodeti. E logo depois da fundação da Apodeti, a Indonésia começou a fornecer apoio financeiro a agentes de Timor Leste.

A UDT no começo era o grupo maior e mais popular, mas logo começou a perder terreno para ASDT, que estava mais bem organizada e era mais inovadora. Quando o presidente interino do parlamento da Indonésia disse que era favorável ao controle de Timor Leste pela Indonésia, a ASDT mandou um enviado, José Ramos-Horta, a Jacarta, onde ele recebeu garantias do ministro de Relações Exteriores da Indonésia de que a Indonésia defendia, sem dúvida, a autodeterminação de Timor Leste.

Em seguida Ramos-Horta foi para a Austrália, mas o governo australiano não quis se encontrar com ele ou fazer qualquer declaração oficial em favor da autodeterminação de Timor Leste. Ele conseguiu, no entanto, o apoio de grupos de Igreja, sindicalistas, intelectuais e membros do parlamento.

Como seus membros - e a população de Timor Leste em geral - estavam se tornando mais radicais, a ASDT mudou seu nome, em setembro de 1974, para Fretilin (Frente Revolucionária por um Timor Leste Independente) e exigiu de Portugal a independência imediata. Voluntários da Fretilin começaram a sair de Dili, indo para as áreas rurais, ensinando os habitantes das aldeias a ler e escrever em tetum, estabelecendo cooperativas agrícolas, ajudando a organizar sindicatos e outros grupos, e promovendo a cultura local, incentivando a criação de poesias, cantos e danças nacionalistas. Graças a estas atividades, a Fretilin se tornou, no início de 1975, o mais popular dos três partidos.

Enquanto o presidente de Portugal dizia que a independência total de Timor Leste "não era realista", o novo governador de Timor Leste, que era do MFA, e oficiais locais do MFA queriam ajudar o país a conquistar sua liberdade. Em dezembro de 1974, convidaram os três partidos a aconselhar Lisboa sobre a maneira de descolonizar Timor Leste. A UDT e a Fretilin se uniram durante este processo e formaram uma coalizão. A Apodeti se recusou a participar, dizendo que só reconhecia o governo indonésio, e não o português.

Em maio de 1975, a UDT, a Fretilin e o MFA concordaram que um governo de transição seria estabelecido até outubro e que eleições para uma assembléia nacional constituinte seriam realizadas no outono de 1976. Mas a Indonésia tinha outros planos. Em meados de 1974 tinha sido desenvolvida a Operação Komodo - assim chamada devido aos dragões Komodo, lagartos gigantes que comem pessoas, e que vivem em outras ilhas da Indonésia.

A Operação Komodo tinha o objetivo de fortalecer a Apodeti e enfraquecer a Fretilin, e obteve certo número de sucessos diplomáticos. Num encontro com o presidente da Indonésia, Suharto, em setembro de 1974, o primeiro-ministro da Austrália, Gough Whitlam, declarou que um Timor Leste independente seria "inviável" e "uma ameaça em potencial para área". Ele apresentou seu apoio a uma união voluntária entre Timor Leste e Indonésia. Embora tenha acrescentado que a Austrália não aprovaria o uso da força em Timor Leste, seus comentários, de maneira geral, foram considerados por Jacarta como sendo muito favoráveis à sua posição.

Quando a Fretilin e UDT começaram a trabalhar juntas, a Indonésia incrementou a Operação Komodo. Em meados de fevereiro de 1975, os militares indonésios (comumente chamados pela sigla ABRI) realizaram exercícios em Sumatra que simulavam um ataque por ar e mar a Timor Leste. Logo depois disto a Indonésia começou a divulgar relatórios falsos de um golpe planejado pela MFA e Fretilin, e uma suposta perseguição a membros da Apodeti.

A operação Komodo, juntamente com a crescente popularidade da Fretilin, enfraqueceu a coalizão UDT-Fretilin. A Indonésia conseguiu convencer os membros mais conservadores da UDT de que, se fosse permitida a permanência de esquerdistas na coalizão, isto resultaria em isolamento internacional. No final de maio de 1975, a UDT se retirou formalmente da coalizão.

Líderes da UDT se encontram com representantes do governo indonésio em Jacarta e se convenceram de que a Indonésia não permitiria que Timor Leste se tornasse independente sob a Fretilin e provavelmente nem mesmo sob a UDT. Eles achavam que só limpando o território da influência "comunista" poderiam ter alguma possibilidade de evitar uma invasão da Indonésia.

Finalmente, em meados de agosto de 1975, a Indonésia passou à UDT notícias falsas do serviço secreto sobre uma iminente tomada do poder pela Fretilin, completadas com informações sobre carregamentos clandestinos de armas chineses e a entrada em Timor Leste de "terroristas vietnamitas" para ajudar a Fretilin. A UDT lançou um golpe, capturando rapidamente a estação de comunicações e o aeroporto de Dili.

Mas a UDT subestimou muito a força da Fretilin, que conseguiu persuadir a maioria das unidades timorenses do exército português a ficar do seu lado. Logo a Fretilin controlava toda Dili e no final de setembro tinha expulsado 500 soldados da UDT e 2.500 refugiados (na maioria famílias de líderes e soldados da UDT) para Timor Ocidental. A breve guerra civil tinha terminado.

A Indonésia só permitia que os refugiados entrassem em Timor Ocidental se assinassem uma petição em favor da integração de Timor Leste à Indonésia. Conforme declarou um antigo líder da UDT: "Era a última coisa que queríamos, mas com as forças da Fretilin se aproximando e sem comida, realmente não tínhamos outra alternativa a não ser concordar".

A Fretilin imediatamente começou a estabelecer um governo de fato para preencher o vazio deixado pelos portugueses, que tinham fugido durante a guerra civil. O antigo cônsul da Austrália em Dili, James Dunn, assim descreveu a reação do povo:

"Esta estrutura administrativa tinha limitações evidentes, mas gozava claramente de amplo apoio e cooperação da população, inclusive de muitas pessoas que antes apoiavam a UDT... Na realidade, os líderes do partido vitorioso foram recebidos de braços abertos, espontaneamente, nos principais centros por multidões de timorenses. Em minha longa associação com o território, nunca tinha presenciado tais demonstrações de calor e apoio espontâneo por parte das pessoas comuns."

A fim de completar o processo de descolonização, a Fretilin convocou um conferência de paz entre eles, Portugal e Indonésia, mas os contínuos adiamentos por parte de Portugal impediram que as conversações se realizassem. Enquanto isto, a ABRI ( forças militares indonésias ) estava realizando incursões através da fronteira, a partir de Timor Ocidental, para dar a impressão de que a guerra civil continuava. ( A Indonésia negou estas incursões, mas até a CIA as confirmou ).

A ABRI logo capturou algumas cidades perto da fronteira entre Timor Leste e Timor Oeste. Sua campanha culminou num ataque de duas semanas por terra, ar e mar a uma cidade chamada Atabae, a apenas 56 quilômetros de Dili. Finalmente, a ABRI tomou Atabae no dia 28 de novembro de 1975.

Confrontada com uma invasão iminente, global, a Fretilin declarou a independência da República Democrática de Timor Leste nesse mesmo dia.

A Fretilin esperava que esta declaração proporcionasse alguma proteção internacional a Timor Leste, mas somente quatro antigas colônias portuguesas da África, reconheceram o novo país imediatamente. As nações ocidentais, que sabiam tudo sobre os planos de invasão da Indonésia, permaneceram em silêncio, ( ou forneceram algumas colaboração para esta invasão).

(*) texto retirado do livro: TIMOR LESTE - Este País Que Ser Livre - Organização Sílvio L. Sant’Anna, 1997, Editora Martin Claret, São Paulo, SP.

TERIA SIDO POSSÍVEL DESCOLONIZAR TIMOR ?

MÁRIO LEMOS PIRES (*)

(...) No caso de Timor, se existe alguma afinidade no aspecto geográfico e não tanto no campo étnico, lingüístico e social, com a geografia permitiria sugerir, também existem quatrocentos anos de história diferente, que o fizeram divergir significativamente da Indonésia. Mas a maior exigência da ONU é que a integração resulte "do desejo livremente expresso pelas populações do território, devendo a consulta fazer-se segundo métodos democráticos (...) e fundados sobre o sufrágios universal dos adultos"(Princípio IX anexo à Resolução 1541-XV).

(...) Portugal e os portugueses que aderiram ao espírito do 25 de Abril encararam a descolonização não como uma operação de alienação, mas sim, e principalmente como um ato de respeito pelo direito desses povos à autodeterminação e mesmo à independ6encia, como acabou por ficar exarado na Lei 7/74, a Lei da Descolonização. (...) A maioria dos portugueses em 1974/75 ambicionava que a descolonização conferisse maior dignidade a esses povos, nossos irmãos na história que durante séculos construímos juntos, ajudando-os agora a assumir em pleno o governo dos seus destinos, conforme fosse a sua vontade, e a definir nova forma de convívio no interesse mútuo, garantindo, no mínimo, ligações culturais e de amizade em fraterna continuidade.

Mas, talvez ainda mais importante, era o fato de ser aberrante negociar a integração não só à margem da opinião dos timorenses, mas contra a sua vontade. E (...) até hoje ainda não foi realizada consulta democrática ao povo de Timor Leste sobre a opção de " Integração". (...)

(...)

Descolonizar não é deixar de colonizar, mas preparar o território e as suas gentes para a autodeterminação. Visto pelo lado do descolonizado, é um longo processo de construção e reivindicação, esta muitas vezes de mistura com sangue e lágrimas. (...)

(...)

(...)

A comunidade internacional, principalmente através das Nações Unidas, constituiu-se em instrumento persistente da descolonização, parecendo, pela lógica, que no momento em que Portugal decidiu descolonizar pudesse usufruir do apoio correspondente à pressão que até aí afrontara. Mas o interesse e o altruísmo manifestado pelas nações para que se descolonizasse cessou no momento da decisão descolonizadora; então começaram a canalizar-se novos interesses para o "bolo" agora mais liberto, enquanto outros se desinteressaram por alheamento ou porque prioritários alinhamentos a isso aconselhavam.

Timor fica longe da África, continente que vivia intensamente a descolonização e que foi o objeto que desencadeou então toda a política anticolonialista da ONU. Para muitos países eram (e são) pouco perceptíveis as reais diferenças culturais, sociais, religiosas e étnicas que separam o Timor Leste, do Timor Indonésio. A estabilidade na área, confrontada com a ameaça comunista veiculada à Fretilin ( e também ao Portugal Revolucionário), calaram as preocupações quanto aos princípios de autodeterminação, que até então faziam mover as forças diplomáticas na ONU. (...)

A Indonésia era, como certeza, o país mais interessado na descolonização de Timor. Talvez se possa mesmo dizer, sem grande risco de errar, que o governo indonésio

por vezes se empenhou mais no processo de Timor do que o governo português e os partidos políticos timorenses !

(...), governo indonésio apoiou-se na mentira e agiu criminosamente.

Mentiu, sucessivamente, aos timorenses, a Portugal e à comunidade internacional porque ao mesmo tempo que proclamava aceitar a decisão livre do povo de Timor, fazia continuada pressão ( e preparativos ) para a integração, nomeadamente sobre o poder político português, e montou uma máquina de desestabilização no território de Timor, procurando o caos e o descrédito, plataformas justificativas do emprego do força como solução, quando tal fosse decidido. A mentira diplomática atingiu o seu auge nas conversações de Roma, em 1 e 2 de Novembro de 1975, entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e Indonésia, em que repetiram"... a permanente fidelidade aos princípios da descolonização de acordo com as resoluções pertinentes da ONU... ", publicamente expresso no comunicado conjunto; só que nessa data já a Indonésia iniciara ações militares e se preparava intensamente para a invasão que veio a concretizar quando os seus delegados participavam "inocentemente" no debate na ONU sobre Timor.

(...), obcecadamente o governo indonésio decidiu pelo emprego da força contra o povo de Timor, sabendo que este não queria ser indonésio.

(...)

(...)

No tempo que mediou entre 25 de Abril de 1974 e a invasão de Timor pela Indonésia, que suspendeu o processo de descolonização daquele território, pouco mais de ano e meio, Portugal conheceu seis governos provisórios, dois presidentes da República, uma Junta de Salvação Nacional, um Conselho da Revolução, uma Comissão Coordenadora do MFA, órgãos pouco convergentes que, no seu conjunto foram constituindo o poder central. (...), este poder central, (...), manteve-se, nessa fase, prioritariamente empenhado na disputa política, forçando ou contrariando os ventos revolucionários e descolonizando na África, onde rapidamente surgiram cinco novos Estados, provocando um êxodo de quase meio milhão de portugueses de regresso ao território europeu.

Assim, o desinteresse e desconhecimento do processo de descolonização de Timor, patenteado pelos órgãos do poder central, pelos principais partidos políticos, pela comunicação social e pela população portuguesa, são uma conseqüência direta de a sua atenção estar absorvida por outros problemas, mas vem também, na continuidade histórica de pouca atenção que sempre a administração de Timor mereceu ao poder central português. Exemplo significativo foi o fato de só cerca de sete meses após o 25 Abril ter sido nomeada uma equipe governativa para Timor, mantendo os timorenses e Timor numa situação de expectativa e facilitando a sua progressiva degradação.

(...). Quando Timor mais precisava de um poder forte e coeso em Lisboa, encontrou-se dependente de centros de decisão instáveis e saturados.

Alguma coisa se tem dito e escrito, insinuando ou mesmo acusando o poder político de Lisboa de ter planejado a entrega de Timor à esquerda marxista, à revelia da conjuntura regional; outros acusam políticos de Lisboa de terem feito acordos de ced6encia a Indonésia. Em minha opinião, o poder político central nem sequer arquitetou qualquer política para Timor, caracterizando a sua sucessiva atuação pela omissão e pelo pouco interesse. Embora alguns agentes da descolonização tivessem eventualmente procedido como se houvesse plano de pressão ideológica, julgo que para tal não houve em Lisboa disponibilidade de tempo ou de atenção por parte dos sucessivos políticos responsáveis. A própria Lei 7/75, a Lei da Descolonização para Timor, assumida e patrocinada por Lisboa, teve a sua iniciativa no governo de Timor.

(...), Portugal cometeu o "pecado" de omissão de agir como era necessário e possível no campo da diplomacia. Poderia ter desenvolvido uma intensa e persistente campanha que levasse, como teria sido provável, a inibir as iniciativas bélicas, a moderar a ação desestabilizadora da Indonésia em Timor e a conseguir cativar a atenção e posteriormente a intervenção dos países potencialmente influentes na área e na ONU. (...)

Outra falha do poder político central, grave pelas suas repercussões, foi a da decisão de não enviar ( ou omissão de enviar ) reforços militares para Timor, principalmente depois do golpe da UDT. Se o envio de forças militares significativas era uma decisão muito difícil, se não impossível, face à conjuntura revolucionária, já alguns meios e unidades especiais, como oportuna e insistentemente pedidos, não seria tão difícil se houvesse vontade política, como aliás de desenhou logo a seguir ao 25 de Novembro.

(...)

(...)

"A nação que se propõe descolonizar tem de se mobilizar para essa ação... A nação portuguesa, gasta pela guerra, não conseguiu mobilizar-se em pessoas, meio e mentalidade para esta nobre missão, não estando predisposta a aceitar os sacrifícios a ela inerentes ". A descolonização deveria ter começado muito antes e o 25 de Abril não pesou convenientemente o problema da descolonização, acabando por, na África, torná-lo pouco mais do que acordo de entrega.

(...)

A comunicação social portuguesa não informou a tempo e, pior, desinformou e deformou, sendo, assim, em grande parte também responsável pelas ausências de força e esclarecimento de que o processo tanto carecia.

Os partidos políticos timorenses apareceram de inopinado como conseqüência do 25 de Abril, e não na seqüência de natural e progressiva política consciente do povo timorense. Mas estes ou outros eram necessários para um processo democrático de descolonização. Querer exigir que estes partidos, assim nascidos, tivessem em 1974 um comportamento idôneo, adulto e politicamente esclarecido quanto aos fatores e perspectivas do processo de descolonização é tentar ocultar a realidade da revolução portuguesa e do estágio de desenvolvimento da sociedade timorense donde os partidos brotaram.

(...)

A UDT terá de se penitenciar pelos erros de, primeiro, largar precipitadamente a idéia da manutenção de laços com Portugal, que ainda calava fundo no coração timorense, segundo, por desferir o golpe de Agosto sem objetivos definidos e mais favorecendo a manobra indonésia, e finalmente, em terceiro lugar e mais grave, quando alguns dirigentes solicitaram em seu nome formalmente, embora de forma compulsiva, a integração à Indonésia, à revelia dos seus próprios objetivos e ideais.

A Fretilin agiu conscientemente numa conduta "revolucionária e de conquista" em território já por Portugal oferecido aos timorenses, negando-se a considerar a realidade geopolítica da área e o pensamento do governo indonésio, para o que tanto os alertei.

A UDT e a Fretilin, que chegaram a coligar-se com grande sentido nacional sob os auspícios do governo de Timor, acabaram por sobrepor os interesses partidários, pessoais e da ambição, em luta fratricida facilmente evitável, hostilizando o meu governo, que sempre os procurou e distinguiu como parceiros políticos essenciais, manchando as suas mãos em sangue, em exagero reprovável e desnecessários, só mitigado mais tarde quando comparado com o holocausto da invasão indonésia e contra o qual com dignidade e estoicismo a Fretilin e o povo timorense se rebelaram, combatendo.

A Apodeti, numa continuidade coerente, agiu sempre sob a tutela indonésia, personificada no seu cônsul Tomodok, em sintonia com a manobra indonésia. Esta subserviência não isentou alguns dos seus militantes e simpatizantes de serem assassinados, a par de outros timorenses, quando da invasão indonésia. Nunca conseguiu ser um partido verdadeiramente timorense, se é que alguma vez esse foi seu objetivo.

(...)

(...)

O povo de Timor foi o grande surpreendido, enganado e a maior vítima do processo de descolonização. Surpreendido por não estar preparado, nem sequer avisado. Enganado, porque todos agiram em seu nome e quando, pela primeira vez, o governo de Timor, através de eleições para os corpos administrativos, deu-lhe voz democrática, o peso indonésio de pronto se abateu, cerceando rápido tais veleidades. Vítima primeiro da loucura fratricida dos partidos ditos nacionalistas, depois da sanha indonésia, de mistura com a dolorosa sensação de abandono de Portugal. (...)

(... ) ... sinto nos olhares dos chefes tradicionais, mais do que na palavras, a interrogação sobre por que Portugal decidira deixá-los optar. Ainda hoje me interrogo por que não tive a iniciativa e a audácia para encabeçar o movimento político da manutenção de laços com Portugal quando os partidos existentes, na pressa do acesso ao poder, quiseram ignorar a sensibilidade do seu povo. (...).

... Foi também ... o povo de Timor, que em flagrante contradição com a aparente abertura a qualquer modalidade do processo, tornou-se por ventura em fator decisivo, inviabilizando a única opção que poderia ser tacitamente aceita na área, a integração à Indonésia. Na realidade, antes, durante, como depois, o povo de Timor foi muito firme na sua demonstração de não querer ser indonésio, fosse qual o preço a pagar.

(...)

(...). Por tudo isto não houvesse pressa em descolonizar, mas antes de vontade e persistência por parte do governo, que conseguiu iniciar as reformas administrativas e do ensino e realizar quase todas as eleições num primeiro ensaio democrático. Quanto a nós, estavam a ser bem-sucedidas, mas mereceram, a posteriori, críticas da UDT, depois da Indonésia e também de setor de opinião portuguesa, querendo por ignorância, ou malevolamente, compará-las a ações distorcidas da esquerda e do PREC em Portugal, servindo assim de justificativa para as intervenções de força, da UDT primeiro e da Indonésia depois.

(...) os acontecimentos de 11 de Março em Portugal. Porque a descolonização era essencialmente um assunto político, nunca tive dúvidas de que a solução para Timor teria de ser solução política e nunca uma solução de força. (...)

(...) A seguir ao 11 de Março senti-me demasiado envolvido e responsável com a situação em Timor para o abandonar, em Agosto após o golpe da UDT significaria deserção e só mais tarde em Ataúro considerei oportuno o pedido de demissão, já que a solução de Timor de mim nada dependia e Lisboa parecia ter-se acomodado ao desfecho possível.

O meu governo, em Timor, viveu sempre condicionado entre a falta de visão dos dirigentes políticos timorenses, a obsessão agressiva da Indonésia, o alheamento de Lisboa e a falta de força. (...)

A decisão política de não atuar pela força contra UDT, quando os seus dirigentes fizeram o golpe de Agosto de 1975, a minha decisão mais polêmica, era a única que permitiria uma solução política sem morte e destruição. Pode colocar-se a pergunta do que teria acontecido se tivesse decidido empregar a força para repor a situação. É legítimo pensar que os resultados finais seriam semelhantes, com o agravante de ter sido eu a provocá-los, colocando portugueses a matar timorenses ( e quais ? ) e a serem derrotados pelos indonésios.

(...)

A missão principal das forças armadas em Timor era garantir a paz e a estabilidade internas que permitissem o processo de descolonização.(...)

(...). "Nem mais um soldado para as colônias" era o slogan que simbolizava a demissão da nação para a tarefa da descolonização.(...), em Novembro de 1974, quando cheguei, por razão principalmente do comportamento dos portugueses ansiosos por regressar, constituíram-se em mais um fator de instabilidade em vez de serem elas, como lhes competia, fator de tranqüilidade e paz. "O imperativo da nação era descolonizar, mas a lei passa a não ter "polícia" que a execute. A lei sem "polícia" não é lei. E descolonizar sem lei não é descolonizar ".

(...)

(...)

(...)

(...)

(...)

(...)

Já na fase da incapacidade do controle da situação e quando militares portugueses tinha sido feitos reféns pelos partidos, a concentração dos militares portugueses em Dili e a sua posterior transferência ou evacuação decorreram com suficiente serenidade e dignidade.

No conjunto, não se viu ou ouviu militares portugueses a correr e a debandar em retirada, como malevolamente mais tarde em Portugal se mentiu ou insinuou. Não considero menos digna a operação militar da transferência para Ataúro do que a saída dos americanos de Saigão ( Vietname ). É de apreço o comportamento dos militares aí envolvidos e depois em apoio do governo na ilha de Ataúro, permitindo que Portugal internacionalmente se continuasse a afirmar a potência administrante e pudesse objetivamente apontar a Indonésia como causa do malogro da solução negociada.

(...)

Os militares portugueses correram grandes riscos e provaram bem o sacrifício. Em particular as cinco dezenas que ficaram prisioneiros da Fretilin e da UDT/Indonésia, este em provação mais longa e penosa, e todos assumindo com dignidade esta situação que a sua condição de militar lhe reservou.

(...)

Em resumo, em Timor, apesar de todos os esforços e diligências, as Forças Armadas nunca chegaram a constituir uma força eficiente. E sendo a solução do problema de Timor eminentemente política, a componente militar da manobra global, por ausência dessa força eficiente, não ajudou, como era necessário, a encontrar uma solução política.

(...)

(...) Ou como diz Vaclav Havel: "Quem tem medo de encarar o seu próprio passado e o descreve com mentiras, não será capaz de construir o futuro, porque para ele as transfere ". (...) "Não pode haver liberdade onde não se assegurar caminho à verdade ".

(...) , só a internacionalização, em oportunidade, do processo de descolonização de Timor na ONU teria podido impedir a anexação pela força, premeditada pela Indonésia.

(...). Tenho,..., duas certezas adquiridas quando à minha atuação e de que mais me honro: nunca entreguei Timor à Indonésia e consegui evitar, embora com custos, a luta e a morte entre portugueses e timorenses.(...)

(...)

(*) O brigadeiro Mário Lemos Pires foi governador de Timor Leste, oficialmente, a partir de 14/11/74 até 25/04/76.

obs: Texto retirado do Livro TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre

A INDONÉSIA INVADE

O TIMOR LESTE (*)

No dia 7 de dezembro de 1975, a invasão temida há tanto tempo começou. Às 2 da madrugada, navios da Indonésia começaram a bombardear a periferia de Dili, onde pensavam que o braço militar da Fretilin , Falintil, tinha baterias de artilharia. Às 5 da madrugada aviões já estavam despejando pára-quedistas na zona portuária.

Soldados da ABRI começaram a se espalhar com violência através da cidade. De acordo com o bispo católico de Dili, D. Martinho Lopes, "Os soldados que chegaram começaram a matar todas as pessoas que encontravam. Havia muitos cadáveres nas ruas - só o que podíamos ver eram o soldados matando, matando, matando."(...)

Depois dos massacres iniciais, os soldados começaram a saquear casas e igrejas, carregando tudo o que tinham roubado - mobília, carros, motos e até janelas - em navios que iam para Java (base da maioria dos oficiais da ABRI).

As tropas da ABRI também começaram a procurar por "garotas".(...) Refugiados relatavam que os soldados estavam estuprando as mulheres diante de seus maridos ou pais, espancando muito, prendendo e às vezes matando os homens que se recusavam a entregar suas esposas ou filhas. As mulheres e moças que participavam ativamente de organizações ligadas à Fretilin, ou que eram parentes de membros da Fretilin, eram submetidas ao pior tratamento. Os soldados detiveram e prenderam a maioria delas; muitas também foram torturadas e estupradas repetidas vezes.

Muitas pessoas de Timor Leste fugiram para as montanhas, para escapar das tropas que chegavam.(...)

Nos primeiros dias da invasão, duas mil pessoas foram massacradas em Dili. Destas, de 500 a 700 eram chineses étnicos ( a indonésia tem uma longa história de sentimento anti-chinês).

Alguns dias depois do assalto a Dili, os soldados indonésios atacaram outras cidades importantes e eventualmente foram para o interior. No dia de Natal, o número original de 10 mil soldados da ABRI, recebeu um suplemento(reforço) entre 15 a 20 mil soldados. Em meados de fevereiro - pouco mais de dois meses depois da invasão ter começado - 60 mil pessoas de Timor Leste estavam mortas.

Depois da invasão, a Indonésia estabeleceu uma assembléia legislativa (fantoche), cujos 28 membros - descritos pela Indonésia como "cidadãos eminentes de Timor Leste"- tinha sido escolhidos a dedo pelo funcionários do serviço secreto indonésio, com a ajuda da Apodeti, que se certificou de que eles não tinham nenhuma ligação anterior com a Fretilin ou a UDT.

No dia 31 de maio de 1976, esta assembléia fantoche declarou que Timor Leste queria se tornar parte da Indonésia. Observadores presentes a este evento declaram que foi totalmente montado pelas autoridades indonésias. Os poucos jornalistas e diplomatas de escalão inferior de outros países que compareceram não tiveram permissão para falar com nenhum dos delegados da Assembléia do Povo.

Em Julho de 1976, o presidente Suharto assinou a Lei formalizando a "integração" de Timor Leste ao Estado Unitário da República da Indonésia.

(*) texto retirado do livro: TIMOR LESTE - Este País Que Ser Livre, organizado por Sílvio L. Sant’Anna, 1997, Editora Martin Claret, São Paulo, SP

RESPOSTA DA ONU À INVASÃO (*)

. Cinco dias depois da invasão, a Assembléia Geral da ONU tomou uma resolução lamentando a invasão, pedindo à indonésia que se retirasse imediatamente e apoiando o direito do povo de Timor Leste à autodeterminação. A votação foi de 72 a 10, com 43 abstenções, inclusive dos Estados Unidos, Canadá e da maioria dos países da Europa Ocidental. Sete resoluções sobre Timor Leste foram tomadas depois disto pela Assembléia Geral (sendo a última em 1982); a França, Alemanha e Inglaterra têm se abstido, e os Estados Unidos, Austrália e Japão têm votado contra a maioria delas - mesmo quando a resolução era apenas para instruir o secretário-geral a investigar a situação.

No dia 22 de dezembro de 1975, incentivado por Portugal, o Conselho de Segurança da ONU tomou uma resolução por unanimidade condenando a invasão e ocupação feitas por Jacarta e apoiando o direito de Timor Leste à autodeterminação. ( Resolução semelhante foi tomada em abril de 1976, com a abstenção dos Estados Unidos e Japão).

(...)

O especialista em direito internacional, Roger Clark, tem argumentado que, se outras e mais fortes resoluções tivessem sido tomadas pelo Conselho de Segurança, os Estados Unidos teriam impedido que fossem aprovadas. Uma declaração de Daniel Patrick Moynihan, embaixador dos Estados Unidos na ONU durante o governo Ford, confirma a análise feita por Clark. Falando sobre a inércia da ONU em relação a Timor Leste, ele se vangloriou de que "o Departamento de Estado (dos EUA) queria que a ONU se mostrasse inteiramente ineficaz em quaisquer medidas que tomasse. Esta tarefa me foi data e eu a levei a cabo com considerável sucesso".

Um exame mais detalhado das atividades, nos bastidores, de cada país individualmente mostra que seu comportamento na ONU fazia parte de um padrão muito mais amplo de apoio à Indonésia. Certas nações poderosas do Ocidente, ou alinhadas com o Ocidente, não apenas deixaram de condenar a invasão, mas também ou sabiam que a invasão era iminente e não fizeram nada para impedi-la, ou foram concretamente cúmplices na selvageria da Indonésia. Os Estados Unidos eram o cúmplice mais importante, (no lado de Austrália, Japão, Inglaterra, França, Canadá e Holanda).

(*) texto retirado do Livro: Timor Leste - Este País Quer Ser Livre.

Obs: As palavras sublinhadas não fazem parte do texto original, e não são de Sílvio L. Sant’Anna.

APOIO DOS ESTADOS UNIDOS À INDONÉSIA (*)

(...)

A Segunda Guerra Mundial mudou radicalmente o mapa do Pacífico, tendo os Estados Unidos surgido como a potência dominante na região.(...)

A Indonésia, com seu solo fértil, ricos recursos naturais e localização estratégica, é certamente uma área importante a ser "controlada ou tornada confiável". Numa palestra sobre a Ásia, em 1965, Richard Nixon argumentou em favor de bombardear o Vietnam do Norte para proteger o "imenso potencial mineral" da Indonésia, á qual mais tarde se referiu como "de longe o maior bônus na área do sudoeste asiático".

Para proteger seus "bônus, os Estados Unidos eventualmente mataram mais de quatro milhões de pessoas no Vietnam do Norte, do Sul, Camboja e Laos, entre 1965 e 1975. Só no Vietnam do Sul, a guerra resultou em um milhão de viúvas e 879 mil órfãos ( se levar em conta que a família média tinham 4 filhos este número seria próximo a 4 milhões na verdade ). Destruiu 9 mil dentre 15 mil vilarejos, quase 64 mil mil Km2 de terra de agricultura e 30 mil Km2 de florestas. Essa carnificina indica aquilo que os EUA estariam dispostos a apoiar na Indonésia e em Timor Leste.

No final da década de 40, o governo dos EUA e líderes empresariais decidiram apoiar a independência da Indonésia, frente à contínua instabilidade do governo holandês. Para sua tristeza, no entanto, o novo governo da Indonésia se tornou altamente nacionalista, antiimperialista e não-alinhado. Preocupado com a possibilidade de que área escapasse a seu controle, Washington começou (na década de 50 ) a adular o exército indonésio, através de programas de assistência militar e de treinamento, ( através desses artifícios preparou os novos futuros dirigentes do exército indonésio, com o qual daria uma sacudida na situação e retomaria o controle).

Os Estados Unidos logo colheram os benefícios desta política. Em 1965, usando um pretenso golpe comunista para derrubar o governo como desculpa, o general Suharto, favorável ao EUA, assumiu o controle dos militares e desencadeou "uma das grandes matanças de nosso tempo".

Centenas de milhares de indonésios foram mortos, principalmente camponeses sem terra e membros do Partido Comunista da Indonésia (cujos nomes tinha sido fornecidos ao exército pela embaixada dos EUA em Jacarta).

O governo de Suharto revogou as leis de investimento "extremamente restritivas" do regime anterior e preparou o caminho para investimentos estrangeiros em larga escala. Na década de 70 os EUA estavam investindo mais na Indonésia do em qualquer outra nação do sudoeste asiático, até mesmo as Filipinas. Parte desse comércio era de armas - o Departamento de Estado avalia que empresas norte-americanas forneceram cerca de 90% das armas usadas (nos primeiros momento) da invasão do Timor Leste.

(...)

O apoio às ações ( de matança ) da Indonésia em Timor Leste e em outros lugares é um preço pequeno a pagar pelas oportunidades de investimento ( e o apoio político ) que a Indonésia oferece. Assim, os EUA não só se recusaram a condenar a invasão, como aumentaram muito a ajuda à Indonésia desde então.

Durante o ano que se seguiu à invasão, o governo Ford continuou a fornecer armas para a Indonésia, embora em quantidade reduzida ( pois o estoque foi também engrossado com armamentos também de outros países ). Mas já estava bem estabelecido o padrão segundo o qual os Estados Unidos serviam como fonte confiável de armas militares ( e apoio político ) para jacarta. Quando parecia que a Indonésia estava realmente chegando ao fim de seu equipamento militar, no fim de 1977m devido a suas atividades em Timor Leste, o governo "de direitos humanos" do presidente Jimmy Carter respondeu, autorizando no ano fiscal de 1978 uma venda de armas para Jacarta, no valor de 112 milhões de dólares, aumentando assim o valor de 13 milhões do ano anterior. As vendas de equipamento militar chegaram ao auge durante a presidência de Ronald Reagan, ultrapassando 500 milhões de dólares de 1981 a 1986. Embora a Indonésia de Suharto tenha diversificado seus fornecedores ( principalmente países como a Inglaterra, França e Alemanha), recebeu dos Estados Unidos 53% de suas armas de 1992 a 1994. E mais de 2.600 oficiais militares indonésios receberam treinamento nos EUA desde a invasão de Timor Leste, sob a lei de Educação e Treinamento Militar Internacional (IMET).

Conforme que as empresas de comunicação tendem a seguir a orientação de seu governo, as pessoas no Ocidente não ficaram sabendo quase nada a respeito da brutal invasão da Indonésia e da conseqüente guerra. Quando os partidos políticos em Timor Leste estavam trabalhando pela independência com relação a Portugal (em 1975), certo número de jornais norte-americanos noticiaram o processo. Mas depois da invasão, as notícias sobre Timor Leste desapareceram em grande parte da imprensa ocidental....Esta negligência por parte da mídia norte-americana (imprensa livre) continuou durante a década de 80.

(*) o texto foi retirado do Livro TIMOR LESTE - Este País Que Ser Livre, de Sílvio L. Sant’Anna.

Obs: a parte do texto sublinhado não do livro ou do autor do livro.

APOIO DA AUSTRÁLIA À INDONÉSIA (*)

"É importante para a Austrália que o mundo compreenda que os países grandes não podem invadir seus vizinhos pequenos impunemente".

Bob Hawke, primeiro-ministro australiano, em 1990 referindo-se à invasão do Kuwait pelo Iraque.

A Austrália apoiou a primeira resolução da ONU condenando a invasão, e tanto o primeiro-ministro Fraser como seu ministro do Exterior repudiaram publicamente a assimilação de Timor Leste pela Indonésia. Mas isto se deveu em grande parte à oposição popular em massa à invasão. Nos bastidores, uma história diferente estava se desenrolando.

Em janeiro de 1976 um mês depois da invasão, o embaixador da Austrália na Indonésia, Richard Woolcott, enviou o seguinte telegrama para Canberra:

"Em relação à questão timorense... estamos enfrentando uma daquelas decisões amplas de política exterior que a maioria das nações enfrenta, num momento ou outro. O governo enfrenta uma escolha entre uma posição moral, baseada na condenação da Indonésia pela invasão de Timor Leste e na afirmação do direito inalienável do povo timorense à autodeterminação, de um lado, e a aceitação pragmática e realista da inevitabilidade da situação a longo prazo, de outro lado.

É uma escolha entre aquilo que poderia ser descrito como um idealismo wilsoniano e o realismo kissigeriano ( cinismo ).

O primeiro é mais adequado e baseado em princípios, mas o interesse nacional a longo prazo poderá ser bem servido pelo último. Não acreditamos que seja possível ter ambos."

(...) . O primeiro-ministro Fraser tentou minar o apoio à Fretilin dentro da Austrália. Ele tomou uma rádio transmissora dentro da Austrália em Darwin que tinha sido usada para comunicação com a Fretilin em Timor Leste e mais tarde negou vistos de entrada na Austrália a líderes da Fretilin exilados.

A ajuda militar a Jacarta quase dobrou entre 1975 e 1981. Austrália agora mantém com a Indonésia um intercâmbio no campo do serviço secreto militar e fornece tanto equipamento militar pesado ( por exemplo, barcos para patrulha naval ) como treinamento para a ABRI.

Pressões dos EUA podem ter tido influência sobre a posição da Austrália. Tem sido relatado que membros de altos escalões do governo Ford avisaram Fraser de que deveria recuar em suas críticas à tomada de Timor Leste pela Indonésia. Devido à influência dos EUA sobre a Austrália, parece provável que a Austrália tenha obedecido ( e resolvido tirar proveito da situação ). (...)

No entanto, como acontece com outras potências ocidentais, os motivos da Austrália ao concordar com a invasão eram, em grande parte, econômicos. Quando Gough Whitlam se tornou primeiro-ministro em 1972. Deixou claro que a Indonésia era a chave para o estabelecimento de relações de comércio e de investimento mais fortes com a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).(...).

A Austrália tem também importante interesse econômico no próprio Timor. Entre a Austrália e Timor Leste se encontra o Mar de Timor, que contém um campo de petróleo submarino que se acredita ser um dos 25 mais ricos depósitos do mundo. Como escreveu o embaixador Woolcoot, em agosto de 1975. (...)

Em Janeiro de 1978, a Austrália se tornou o único país ocidental a reconhecer oficialmente a soberania da Indonésia sobre o Timor Leste; vencida esta dificuldade, os dois países iniciaram negociações sobre o Mar do Timor ( um acordo final entre eles foi assinado em dezembro de 1989 ). Algumas das maiores companhias de petróleo - inclusive a BHP australiana, a Shell holandesa e a norte-amaericana Marathon - já iniciaram perfurações de pesquisa.

Portugal iniciou um processo contra a Austrália na Corte Internacional de Justiça ( que se reúne em Haia, na Holanda ), acusando-a de ignorar a posição legal de Portugal como potência administrante de Timor Leste. Um veredicto contra a Austrália a forçaria a escolher entre perder enormes lucros de petróleo ou desistir da pretensão de ser um país ético.

(*) texto retirado do Livro: TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre.

OUTROS PAÍSES QUE APÓIAM A INVASÃO INDONÉSIA

NO TIMOR LESTE (*)

CANADÁ:

Cinco meses antes da invasão, o presidente Suharto visitou o primeiro-ministro do Canadá, Pierre Trudeau. Um dos quatro itens a serem discutidos era "Perspectivas de desenvolvimento no Timor português".

(...)

Os investimentos canadenses na Indonésia são avaliados em $ 5 bilhões de dólares canadenses, liderados pela vasta operação de mineração de níquel da Inco Ltda em Sulawesi. Atraída pela mão-de-obra barata e pela fraca legislação sobre o meio ambiente, a Inco tem se expandido na Indonésia, enquanto despede operários em casa.

O Canadá tem vendido armas para a Indonésia - tanto diretamente, quanto através de vendas a companhias norte-americanas que vendem para a Indonésia - e muitas dessas armas têm sido usadas em Timor Leste.

(...)

Em novembro de 1994, Jean Chrétien assinou um acordo de cooperação nuclear com a Indonésia, o primeiro passo para lhe fornecer tecnologia canadense para reator nuclear. Isto é alarmante, já que no passado outros países usaram tal tecnologia para ajudar a desenvolver armas nucleares ( e não será diferente com a DITADURA INDONÉSIA).

JAPÃO:

Em todas as oito resoluções da Assembléia Geral da ONU sobre Timor Leste, o Japão votou "Não". (...) O Japão é também o país que mais dá ajuda econômica a Jacarta, fornecendo 69% de toda a ajuda direta, de país para país, que a Indonésia recebeu em 1992.(...)

Timor Leste - minúscula metade de ilha com relativamente poucos recursos - dificilmente poderia competir com aquilo que a Indonésia tem para oferecer, (inclusive o petróleo TIMORENSE).

 

OBS: LOGO O JAPÃO QUE JUNTO COM A AUSTRÁLIA, HOLANDA E AS FORÇAS ALIADAS, JÁ TINHAM PROVOCADO DURANTE A 2a. GUERRA MUNDIAL A MORTE DE MAIS DE 60 MIL TIMORENSES.

 

GRÃ BRETANHA:

Em julho de 1975, quando os indonésios estavam nos estágios iniciais da Operação Komodo, o embaixador britânico na Indonésia escreveu para o Ministério das Relações Exteriores que "o povo do Timor português não tem condições para exercer seu direito à autodeterminação".

A Inglaterra se absteve em todas as oito votações sobre Timor Leste na Assembléia Geral da ONU e continua a vender armas para a Indonésia.

(*) texto retirado no livro: TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre

 

APOIOS FINANCEIROS/ARMAMENTOS/E BLOQUEIO NA ONU

Bilhões de dólares em subvenções e créditos bancários têm sido concedidos ao regime genocida de Suharto pelo Grupo Inter-Governamental para a Indonésia (IGGI), um consórcio de países e organizações doadores que inclui o Japão, os EUA, a França, Inglaterra, Holanda e Alemanha (os últimos dois são também grandes fornecedores de armas para a Indonésia). Desde sua criação em 1967, os membros do IGGI têm incrementado regularmente sua ajuda a Jacarta.

(...) . Apesar do massacre de Santa Cruz, a ajuda do Ocidente para Indonésia não diminuiu.

(*) Texto retirado do Livro: TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre.

O MASSACRE DE SANTA CRUZ

TIMOR LESTE - GENOCÍDIO NO PARAÍSO (*)

Artigo: Matthew Jardine

Tradução: Lília Azevedo

 

No dia 12 de novembro de 1991, um multidão enlutada se reuniu numa paróquia, num bairro de Dili. Tinham vindo participar de uma missa em memória de Sebastião Gomes, ativista pró-independência que tinha sido morto nesta mesma igreja, por soldados indonésios, duas semanas antes.

Tais assassinatos tinham-se tornado comuns desde a invasão indonésia. Mas este dia de luto em particular assumiria um significado especial - em grande parte porque jornalistas dos Estados Unidos e da Inglaterra estavam lá para dar a notícia.

Quando a missa terminou, começou uma procissão até o cemitério de Santa Cruz, a 1,5 Km. Embora soldados indonésios estivessem colocados ao longo das ruas, as pessoas erguiam faixas e gritavam slogans em favor da independência. Este desafio à autoridade indonésia, inusitadamente ostensivo, chamou a atenção daqueles cujas casas e locais de trabalho se situavam ao longo do caminho da procissão. Outras pessoas se uniram à multidão, que em breve contava com milhares de participantes.

No cemitério, alguns participantes da procissão se dirigiram até o túmulo com a família de Sebastião. Outros esperaram fora dos muros. Este foram os primeiros a notar que caminhões do exército indonésio tinham bloqueado o caminho de volta para a cidade e que uma coluna de soldados armados estava se dirigindo devagar em direção à multidão.

A testemunha ocular Allan Nairn, do Jornal New Jorker, relata o que aconteceu em seguida. Sem Avisar e sem provocação, "soldados ergueram seus rifles e apontaram. Então, agindo em conjunto, abriram fogo... Homens e mulheres caíram, estremecendo, na rua, rolando devido aos impactos das balas. Alguns estavam indo para trás, e tropeçando, com as mãos erguidas. Outros simplesmente tentaram virar e correr. Os soldados pularam por cima de corpos caídos e atiraram nas pessoas que ainda estavam em pé. Correram atrás de jovens, rapazes e moças, e atiraram neles pelas costas". Quando acabou, mais de 250 pessoas tinham sido mortas e centenas estavam feridas. (Os soldados também bateram muito em Nairn e na sua companheira, a jornalista norte-americana Amy Goodman).

Max Stahl, um jornalista britânico cuja câmera de vídeo captou o horror, chamou-o de "massacre a sangue-frio e premeditado". Testemunhas oculares lhe contaram que soldados indonésios mataram muitos dos feridos no hospital militar de Dili; eles "esmagaram os crânios dos feridos com grandes pedras, passaram por cima deles com caminhões, perfuraram-nos com baionetas e ministraram - na presença de médicos - desinfetantes químicos venenosos como remédios". Stahl avalia que cerca de 50 a 200 dos feridos morreram assim.

Quando a notícia do massacre de Santa Cruz apareceu na mídia ocidental, provocou indignação internacional. O Congresso dos Estados Unidos e o Parlamento Europeu aprovaram resoluções condenado a Indonésia, e Holanda, Dinamarca e Canadá suspenderam (temporariamente) sua ajuda. Editoriais a favor da autodeterminação do povo do Timor Leste apareceram em jornais de todo o Ocidente.

A Indonésia se mexeu rapidamente para sufocar a crítica. Manifestou seu "pesar" oficial pelo ocorrido, estabeleceu uma investigação oficial do incidente, afastou os dois principais comandantes militares do Timor Leste (enviando-os ao exterior para passar férias e "estudar") e condenou alguns oficiais de patente inferior por desobedecerem ostensivamente às ordens. Enviou também seu ministro do Exterior em viagem aos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental, para consertar a danificada reputação da Indonésia (onde quer que fosse, era importunado por manifestações contrárias).

Mas as palavras de dois oficiais militares de alto nível sem dúvida expressam o verdadeiro sentimento de Jacarta. O general Try Sutrisno, comandante dos militares indonésios na época do massacre e atualmente "premiado" com a vice-presidencia do país, disse que as pessoas de Timor Leste que tinham se reunido no cemitério eram ‘perturbadores" que deviam ser "esmagados". Ele acrescentou: "Delinqüentes como esses têm de ser mortos à bala, e vamos atirar neles".

O general Mantriri, comandante regional de Timor Leste, logo após o massacre de Santa Cruz declarou que o massacre era "adequado" e acrescentou: "Não nos arrependemos de nada". Essa falta de arrependimento ficou clara nas sentenças pronunciadas contra os participantes da marcha de Santa Cruz e contra os manifestantes timorenses orientais que protestaram contra o massacre em Jacarta. As penas variaram de 5 anos de prisão à prisão perpétua. "Do lado indonésio alguns militares foram passar férias prêmio no exterior, e o general Try Sutrisno ganhou de presente a vice-presidência da Indonésia pelos assassinatos".

Apesar da cobertura data ao massacre de Santa Cruz pela mídia no ocidente, podem ainda se passar meses sem que se ouça uma só palavra a respeito de Timor Leste e das pessoas que estão morrendo lá.

(*) Artigo retirado do livro: TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre, Organização Sílvio L. Sant’Anna, Editora Martin Claret, São Paulo, SP.

Obs: os termos sublinhados não foram escrito pela jornalista Matthew Jardine ou Lília Azevedo.

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXXI, Lisboa, Rio de Janeiro
TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre, Organização Sílvio L. Sant’Anna, Editora Martin Claret, 1976, São Paulo , SP.

SITUAÇÃO DE TIMOR LESTE NO INÍCIO DE 1997 (*)

Nos últimos anos, e sobretudo depois da outorga do Prêmio Nobel da Paz a D. Ximenes Belo, bispo de Dili, capital de Timor Leste, e ao professor José Ramos-Horta, houve algum progresso na situação do povo timorense. Existe mais visibilidade a nível mundial e maior empenho por parte da ONU. O novo secretário-geral, Kofi Annan, recebeu Ramos-Horta no início de março: é a primeira vez que um responsável máximo da ONU concede audiência oficial a um representante da resistência timorense. Além disto, nomeou o paquistanês Jamsheed Marker como seu representante pessoal para acompanhar a questão do Timor Leste, o qual chegou a visitar Xanana Gusmão na prisão, em Jacarta, no dia 27 de março de 1997.

Mesmo aqui no Brasil o interesse aumenta: têm surgido vários artigos e notícias na imprensa e na televisão.

Traduzimos a seguir trechos de recentes artigos de Mathew Jardine, que esteve recentemente em Timor Leste(1997). No primeiro, publicado no jornal The Cristian Science Monitor de 14/01/97, Jardine fala do seu contato com David Alex um dos líderes das Falintil, nas montanhas, que ocorreu por insistência de ativistas na clandestinidade, Alex declarou que a resistência vai "lutar para sempre para defender os direitos do povo e manter viva sua esperança. Só assim conseguiremos forçar a Indonésia e os países que fornecem armas e dinheiro para o regime de Suharto, especialmente os Estados Unidos, a obedecerem à lei internacional e respeitarem nosso direito à autodeterminação".

O segundo artigo saiu no Washington Post do dia 16/03/97. Diz Jardine: "Conforme meu táxi deixava o aeroporto, pude ter evidências imediatas de mudanças, desde minha visita em 1992; em um muro perto da entrada do aeroporto alguém tinha escrito corajosamente, com tinta spray, ‘Viva D. Belo’...

Durante minha visita de 1992 a maioria dos habitantes de Timor Leste parecia ter tanto medo que não conseguia me olhar nos olhos. Desta vez, muitas pessoas me cumprimentavam enquanto eu caminhava pelas ruas de Dili, pitoresca cidade de 150 mil habitantes. Algumas, especialmente os jovens, me faziam o sinal ‘V’ da vitória, mostrando suas simpatias nacionalistas.

Aqueles que têm meios para comprar antenas parabólicas podem agora ver a TV estatal portuguesa RTP - que envia seu sinal para o território, passando por cima das objeções Indonésia - e ver rápidas imagens de seus líderes pró-independência no exílio, ou se escondendo nas montanhas.

Durante minha vista, a RTP mostrou um documentário sobre as Falintil, que contam agora com uns 600 guerrilheiros...

Apesar desta abertura, Timor Leste continua a ser um lugar onde poucos têm coragem de dizer o que pensam em público e ainda menos de convidar estrangeiros para suas casas. Um senhora de meia idade me disse: estamos contentes que o mundo tenha reconhecido nosso sofrimento através do Prêmio Nobel, mais ainda vivemos numa prisão.

A conversa acabou de repente quando apareceu um estranho.

As rua de Dili ficam fazias a partir das 21:00 hs. De acordo com várias pessoas que entrevistei, soldados indonésios atacam ao acaso pessoas que estão fora de casa de noite, especialmente jovens. A situação é pior nas áreas rurais, onde a Igreja Católica tem menos presença. Fora das cidades, as pessoas estão totalmente à mercê dos militares indonésios, disse um sacerdote.

Uma crescente atenção internacional tem forçado a Indonésia a ser mais discreta ao lidar com pessoas suspeitas de serem pró-independência. Nas prisões, torturas e execuções extrajudiciais ainda são comuns, de acordo com pesquisadores de direitos humanos.

Tal repressão, no entanto, não tem feito calar a oposição à autoridade da Indonésia. Protestos abertos têm ocorrido esporadicamente desde novembro de 1994, quando 28 timorenses ocuparam a embaixada dos EUA em Jacarta, durante a visita do presidente Clinton à Indonésia.

Os manifestantes às vezes se voltam contra imigrantes e negociantes indonésios, evidenciando o profundo ressentimento provocado pela imigração em grande escala de indonésios para o território. Há mais de 150 mil migrantes indonésios em Timor Leste ( numa população de 800 a 900 mil ), segundo os pesquisadores. Esse influxo, junto com a corrupção administrativa e a destruição causada pela guerra, esmagam a população local. As taxas de desemprego e subemprego são altas, especialmente entre os jovens.

A Indonésia mantém a ordem através de uma força militar altamente visível, de 20 a 30 mil soldados, e de um extenso aparato administrativo.

Mas uma sofisticada resistência clandestina nas cidades e vilas desafia sua autoridade. A resistência clandestina tem fortes ligações com a guerrilha das Falintil nas montanhas e com a frente diplomática da resistência no exterior, liderada por Ramos-Horta...

Muitos timorenses me disseram que só os EUA, que há muito tempo patrocinam a Indonésia militar e economicamente, têm força política para pressionar a Indonésia para solucionar o conflito ...

Enquanto isto, Timor Leste está a beira de um aumento de violência. No dia 24 de dezembro de 1996, 100 mil pessoas se reuniram em Dili para receber de volta D. Belo, que chegava de Oslo após a entrega do prêmio Nobel. Alguns jovens, que estavam no meio do povo, aparentemente incentivados por rumores de uma trama militar para assassinar D. Belo, atacaram dois homens suspeitos de serem militares indonésios, e mataram outro que estava carregando uma arma e um transmissor. (D. Belo tinha anunciado um mês antes que os militares tinham por duas vezes atentado contra sua vida).

Nas últimas semanas, ocorreram revoltas em duas diferentes regiões do território. As tropas indonésias têm respondido com uma grande repressão e numerosas prisões.

O deputado federal republicano (dos EUA), Frank Wolf, depois de uma visita de três dias, descreveu o ambiente de Timor Leste como sendo de terror e medo total e absoluto.

Alguns timorenses que encontrei em minha recente visita expressaram seu medo de que a violência e a repressão sejam intensificadas. As pessoas aqui estão desesperadas, disse um sacerdote. "Se a situação não mudar logo, vai haver muito mais derramamento de sangue."
Nós mesmo podemos testemunhar sobre a violência a que está submetido o povo timorense. Todas as semanas recebemos de Portugal, da Associação de Ex-Presos Políticos Timorenses - AEPPOLTI - extensos relatos das prisões e mortes ocorridas nos últimos dias. E, no início de abril, a comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, recebeu um vídeo com evidências de torturas em Timor Leste, o que fez com essa Comissão condenasse, mais uma vez, a Indonésia pela prática de torturas.

A frase do sacerdote sobre o derramamento de sangue, transcrita por Matthew Jardine em seu artigo, nos relembrou a expressão de D. Desmond Tutu, da África do Sul: em 1984 ele dizia que, se o governo de minoria branca do apartheid não reconhecesse os direitos dos negros, haveria um banho de sangue no país. Dez anos depois o apartheid caiu e o povo da África do Sul começa a construir um futuro democrático e de paz. Esperamos que, graças inclusive à pressão internacional, Timor não precise esperar tanto tempo...

(*) Texto retirado do livro: TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre.

Nota: Todos os fatos apresentados por Matthew Jardine estão documentados e as fontes foram listadas no final do livro original: East Timor, Genocide in Paradise.

MUNDO PRECISA SABER

Noam Chomsky (*)

"’É impressionante como um genocídio desta dimensão pode passar desapercebido da opinião pública mundial. Mas foi exatamente o desconhecimento dessa realidade, o seu silenciamento, o fator que mais contribuiu para que o drama de Timor atingisse tamanhas proporções ".

 

Antônio Barbedo de Magalhães, professor catedrático e coordenador das Jornadas de Timor da Universidade do Porto. Portugal

Nos anais dos crimes deste século terrível, a agressão da Indonésia contra Timor Leste ocupa um dos lugares de destaque, não só por causa de suas proporções - talvez o maior índice de mortes em relação à população desde o holocausto dos judeus - mas porque teria sido tão fácil preveni-la e fazer com terminasse a qualquer momento. Não há necessidade de ameaças de bombardear Jacarta, nem mesmo de impor sanções contra o agressor. Bastaria que as grandes potências deixassem de participar avidamente dos crimes da Indonésia - que parassem de colocar armas nas mãos dos assassinos e torturadores, enquanto se unem a eles no roubo do petróleo na plataforma submarina do Mar de Timor.

Em 1992, o ministro do Exterior da Indonésia, Ali Alatas, disse que seu governo enfrentava um decisão grave em Timor Leste, que tinha se tornado "como que uma pedra afiada em nossos sapatos". Benedict Anderson, um dos maiores especialistas em assuntos da Indonésia, considerou que era um dos muitos sinais de segundas intenções "Alatas não especifica qual seria a decisão", comentou Anderson, "mas ele está deixando subentendido que se deveria tirar o sapato e se livrar da pedra".

A pedra não foi afiada por poderes ocidentais. Pelo contrário: o Ocidente e o Japão têm sido, de bom grado, parceiros na conquista e anexação pela Indonésia da antiga colônia portuguesa. Bem antes de a Indonésia começar sua campanha de subversão e terror em 1975, seguida pela invasão direta no dia 07 de dezembro, a embaixada britânica em Jacarta relatava que: "Certamente, da maneira como vemos daqui, é do interesse da Grã Bretanha que a Indonésia incorpore o território o mais depressa e discretamente possível; e que se o pior acontecer e houver uma disputa na ONU, mantenhamos a cabeça baixa e evitemos tomar partido contra o governo da Indonésia".

A Austrália concordava com esta avaliação. Em agosto de 1975, o embaixador em Jacarta, Richard Woolcott, aconselhou, em telegramas secretos, que a Austrália "assumisse antes um atitude pragmática do que uma baseada em princípios" em relação à invasão que ia acontecer, porque "é disto que trata o interesse nacional e a política exterior". Junto com a referência de praxe aos "interesses de defesa da Austrália", Woolcoott sugeriu que um tratado favorável em relação ao Mar de Timor "poderia ser negociado muito mais facilmente com a Indonésia ... do que com Portugal ou com um Timor português independente". Ele recomendou uma preferência por um "realismo Kissingeriano" em vez de um "idealismo Wilsoniano" - uma distinção que talvez possa ser detectada na própria prática, com um microscópio suficientemente forte.

As razões para apoiar os crimes da Indonésia iam bem além da questão do petróleo e dos "interesses de defesa", incluindo o controle de uma passagem de águas profundas para submarinos nucleares. A Indonésia tem sido uma aliada fiel desde que o general Suharto tomou o poder em 1965 com "um banho de sangue fervendo", que foi "a melhor notícia em anos para o ocidente na Ásia" (Time), "um massacre estarrecedor de comunistas e simpatizantes", na maioria camponeses sem-terra, que forneceu "um raio de luz na Ásia" (New York Times).

A euforia não tinha limites, junto com elogios para os "moderados indonésios" que tinha prevalecido (New York Times) e para seu líder, que "no fundo do coração é bondoso" (The Economist). O bem recebido banho de sangue não só destruiu o partido político de sustentação popular na Indonésia, como também abriu os ricos recursos do país à exploração ocidental e até mesmo justificou a guerra norte-americana no Vietnã, que "forneceu um escudo para a rápida virada da tendência da Indonésia para o comunismo", como a Freedom House explicou sobriamente, sem reservas. Tais favores não se esquecem depressa.

Woolcoot ofereceu alguns exemplos do "realismo Kissingeriano". Observando, com sobriedade diplomática, que "os Estados Unidos poderiam ter alguma influência sobre a Indonésia atualmente", ele relatou que Kissinger tinha dado instruções ao embaixador norte-americano. David Newsom, para evitar a questão de Timor e reduzir o envio de relatórios da embaixada, permitindo que "os acontecimentos seguissem seu curso". Newsom informou Woolcott que se a Indonésia invadisse, os Estados Unidos esperavam que o fizesse "de modo eficiente, rápido e sem usar nosso equipamento"- 90% de seu suprimento de armas.

Outra lição de realismo foi dada pelo embaixador norte-americano Daniel Patrick Moynihan, que ficou célebre por sua corajosa defesa do direito internacional e dos direitos humanos. "Os Estados Unidos queriam que as coisas acontecessem como aconteceram", escreve ele em suas memórias, "e trabalharam para que isso se realizasse. O Departamento de Estado queria que as Nações Unidas provassem ser totalmente ineficazes em qualquer medida que tomassem. Esta tarefa me foi dada e eu a realizei com bastante sucesso". Moynihan cita dados de 60 mil mortos nos primeiros meses, "quase a mesma proporção das baixas sofridas pela União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial", sinal de sucessos ainda maiores que viriam depois.

Os governos ocidentais tinha total consciência do que estava acontecendo durante todo o tempo, ao contrário do que se fingiu depois. Conforme foi revelado em registros internos que vazaram, o pior medo de Kissinger era que sua cumplicidade na agressão se tornasse pública e "fosse usada contra mim" por inimigos políticos, reais ou imaginários. Os telegramas trocados mostram que depois que "Suharto recebeu a luz verde", a principal preocupação da embaixada e do Departamento de Estado dos EUA era "com os problemas que seriam criados para nós se o público e o Congresso ficassem sabendo" do papel desempenhado pelos Estados Unidos, de acordo com Philip Liechty, então funcionário graduado da CIA em Jacarta.

As armas fornecidas pelos Estados Unidos se limitavam estritamente à autodefesa. Isto não apresentava nenhum problema para o realismo Kissingeriano: "E nós não podemos interpretar (a luta contra) um governo comunista no meio da Indonésia como autodefesa?", perguntou Kissinger com ironia, quando a questão foi levantada para discussão interna. Um Timor Leste independente seria "comunista", de acordo com os critérios habituais: poderia não seguir ordens com prontidão suficiente, interferindo com o "interesse nacional". Novas armas foram mandadas, inclusive equipamento de contra-insurgência; "tudo que se precisa para travar uma guerra importante contra alguém que não tem nenhuma arma de fogo", comenta Liechty, acrescentando que o equipamento militar de ponta provou ser decisivo, conforme confirmam outras fontes.

Se tivesse ocorrido alguma interpelação, grandes precedentes poderiam ter sido citados. "Grandes espíritos dão pouca importância para pequenas questões morais", observou um outro estadista, há dois séculos.

Em 1977, a Indonésia encontrou-se com falta de armas, um indício da escala de seu ataque. A administração Carter acelerou o fluxo de armas. A Inglaterra passou a participar, quando as atrocidades chegaram ao auge em 1978, enquanto a França anunciava que venderia armas para a Indonésia e a protegeria de qualquer "constrangimento" público. Outros também procuraram tirar o maior proveito possível do massacre e tortura dos timorenses.

A imprensa acrescentou sua contribuição. Tinha havido grande cobertura de Timor Leste nos Estados Unidos em 1974-75, em meio a preocupações com o desmantelamento do império português. Conforme prosseguia outro "banho de sangue fervendo", a cobertura diminuía, limitando-se em grande parte às mentiras e justificativas do Departamento de Estado e dos generais indonésios. Em 1978, enquanto o massacre atingia proporções de genocídio, a cobertura chegou a zero. O mesmo ocorreu no Canadá, outro grande sustentador da Indonésia.

Em 1990, a questão de Timor recebeu alguma atenção quando o Iraque invadiu o Kuwait, provocando uma resposta do Ocidente bastante diferente de sua reação à invasão muito mais sangrenta da Indonésia, e à sua anexação de um pequeno país vizinho, rico em petróleo. Foi demonstrada muita criatividade para explicar que a diferença não estava na localização do poder e do lucro, mas em alguma qualidade mais sutil que preserva a virtude anglo-americana. Ginásticas semelhantes tinham sido realizadas uma década antes, para justificar as reações radicalmente diferentes a atrocidades que aconteceram ao mesmo tempo no Camboja e em Timor; decisivamente diferentes, com certeza, pelo fato de que a últimas poderiam ter sido terminadas prontamente.

Alguns comentaristas foram francos. O ministro do Exterior da Austrália, Gareth Evans, explicou em 1990 que "o mundo é um lugar bastante injusto, cheio de exemplos de aquisições pela força". Já que "não somos obrigados legalmente a não reconhecer a aquisição de território que foi tomado pela força", a Austrália pôde passar a partilhar o petróleo de Timor com o conquistador. Essa desobrigação presumivelmente não se estenderia a um tratado entre Líbia e Iraque sobre o petróleo do Kuwait. Enquanto isto, o primeiro-ministro Hawke da Austrália declarava que "países grandes não podem invadir vizinhos pequenos impunemente" (referindo-se a Iraque e Kuwait); "agressores potenciais vão pensar duas vezes antes de invadir vizinhos menores", confiando na lição de que "o domínio da lei deve prevalecer sobre o domínio da força nas relações internacionais"- pelo menos, quando o "interesse nacional" assim o decide.

A questão de Timor atingiu o limite novamente em novembro de 1991, quando tropas indonésias atacaram uma multidão que participava no cemitério do enterro de pessoas assassinadas anteriormente, massacrando centenas e ferindo seriamente dois repórteres norte-americanos. O erro tático exigiu a operação padrão de encobrimento, considerada satisfatória pelos líderes ocidentais. A exploração do petróleo continuou, tendo sido noticiados contratos com companhias australianas, britânicas, japonesas, holandesas e americanas, nos seis meses que se seguiram ao massacre. "Para os governantes capitalistas", escreveu um sacerdote timorense, "o petróleo de Timor tem cheiro melhor que o sangue e as lágrimas timorenses".

A razão principal pela qual a Indonésia poderia considerar "tirar o sapato" foi revelada nas palavras finais dos fortes e reveladores capítulos sobre Timor na edição de 1994 da obra de John Pilger: Distant Voices. A razão é "o persistente heroísmo do povo de Timor Leste, que continua a resistir aos invasores mesmo enquanto as cruzes se multiplicam nas encostas dos morros", um constante "lembrete da falibilidade da força bruta e do cinismo de outros".

Por mais corajoso que seja, o povo de Timor Leste não tem nenhuma esperança sem o apoio exterior. Não há coragem e unidade que impeçam a transmigração indonésia, as atrocidades e a destruição da cultura nativa, financiadas e sustentadas pela grandes potências.

Embora o ritmo tenha sido lentíssimo, o apoio aos direitos dos timorenses finalmente atingiu um nível significativo nos Estados Unidos. A verdade começou a se infiltrar no domínio público, obrigando os meios de comunicação a dar alguma atenção aos fatos e levantando impedimentos ao "desenrolar pragmático".

Um cabeçalho do jornal Boston Globe, no aniversário do massacre de 1991, diz: "General indonésio, ameaçado de processo, foge de Boston". Mandado para a Universidade de Harvard, para estudar, após o massacre, o general foi alvo de um processo movido por uma mulher cujo filho foi um dos assassinados no cemitério - e muitos mais foram mortos depois, como revelaram Pilger e o corajoso acadêmico indonésio George Aditjondro, que publicaram o resultado de investigação baseadas em 20 anos de pesquisas, que comprovam as piores estimativas das atrocidades. A consciência popular e os ativistas têm se tornado suficientemente fortes para que os responsáveis por assassinatos em massa, antes amigos, não possam mais encontrar refúgio confortável nos Estados Unidos, conforme tinha descoberto um ano antes, de modo semelhante, um dos principais assassinos da Guatemala, general Hector Gramajo.

O Congresso impôs barreiras à ajuda e treinamento militar, que a Casa Branca precisou evitar de modo cada vez mais tortuoso, especialmente nos meses mais recentes. Percebendo a oportunidade, a Inglaterra se moveu de modo eficaz sob a orientação de Thatcher, para ocupar o primeiro lugar na empresa altamente lucrativa de crimes de guerra. Conforme explicou o ministro de Defesa, Alan Clark, "na verdade, não quebro muito a cabeça com aquilo que um grupo de estrangeiros está fazendo a outro", quando há dinheiro a ser conseguido pela venda de armas. Precisamos insistir em "nos reservar o direito de bombardear negros", como reconheceu Lloyd George, há 60 anos.

A recente obra de John Pilger, inclusive seu notável documentário baseado em sua visita a Timor Leste, ameaça despertar o público ocidental para uma consciência maior daquilo que está sendo perpetrado em seu nome. O grande potencial disto se torna patente nas respostas zangadas que altos funcionários do governo têm dado. Afastar os véus de engano que escondem o mundo real não é um realização pequena. No entanto, este irá se juntar a outros esforços que falharam, a menos que a resposta do público vá além da mera consciência, chegando a ações para terminar com a vergonhosa cumplicidade no crime.

(*) Noam chomsky é o mais renomado lingüista norte-americano. Tem-se destacado internacionalmente na luta pelos Direitos Humanos.

(In: The Guardian, Londres, 7/5/94)

Obs: texto retirado do Livro: TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre

home