Pelo tratado de 20/04/1859 a ilha de Timor foi definitivamente dividida entre Portugal e a
Holanda - reservada a Portugal a banda oriental (região dos Belos), com um pequeno
enclave, Ambeno (Ocussi), e a ilha Pulo-Cambing numa área total de 16.250 km2., e
reconhecida á Holanda a metade ocidental (região de Servião), de área um pouco menor,
com 16.100 Km2. Essa partilha foi retificada mais tarde, em 1902, por nova linha de
fronteiras que reconheceu a Portugal 16.384 Km2.
Em 1.585, o vice-rei da Índia, por ordem de
Lisboa, evoca à sua jurisdição a fortaleza da ilha de Sólor, construída e guarnecida
apenas pelos frades, meio-religiosos, meio-soldados; e por esse fato a ilha de Timor,
dependência missionária dos dominicanos de Sólor, ingressou também no conjunto dos
domínios ultramarinos da coroa de Portugal no Extremo-Oriente. Nessa situação mau
definida se conservou a ilha durante todo o domínio espanhol em Portugal.
Mas em 1.636 um frota da Companhia Holandesa
das Índias Orientais, que já desde 1597 tinha estabelecido em Java (Batávia),
desembarcara em Sólor cerca de 200 arcabuzeiros que ao cabo de algumas semanas ocupavam o
forte dos dominicanos e expulsaram da ilha os frades portugueses. Os fugitivos
acolheram-se a Timor, mas em 1641 a perda de Malaca, caída no mês de Janeiro em poder
dos holandeses, precipitou os acontecimentos. Um rei de Toló, tio do soberano de Macassar
(Arquipélago das Celebes), com uma frota de paraus,após ter atacado Larantuca, na ilha
Flores, foi sobre Timor onde desembarcou a sua gente, invadindo e devastando todo o
litoral, e reembarcando na sua frota, carregado de despojos, ao fim de três meses de
chacinas e devastações. Então, por instruções recebidas de Goa, do vice-rei, o
comissário dominicano Frei A. de S. Jacinto recebeu instruções para empreender a
construção de um forte em Timor, tendo sido escolhida a enseada de Cupão(Cupang) na
extrema ocidental da ilha, para essa primeira obra de ocupação militar.
A partir de 1651 começa a terceira fase da
história de Timor. Os holandeses da Companhia das Índias instalavam-se definitivamente
na parte ocidental da ilha, com a cumplicidade de vários régulos indígenas, mormente o
de Amory, acabando em 1653 o forte de Cupão começado a construir pelo frade português.
Uma guerra de guerrilhas se sucedeu, entre holandeses e portugueses, para a ocupação
total da ilha. Protelou-se a luta até 1660, ora em guerra aberta, ora por captação dos
régulos indígenas, até que em 1661 o governo de Portugal entrou em negociações com os
dirigentes da Companhia Holandesa, na Europa, para se estabelecerem em bases sólidas os
direitos de ocupação das três ilhas de Flores, Sólor e Timor.
A coroa de Portugal reconheceu então aos
holandeses a posse de Cupão e do território ocidental já ocupado; e os holandeses
abandonaram a ilha de Sólor, reconhecendo a Portugal o direito às ilhas de Flores e
Sólor e à banda oriental de Timor.
Desde então (1661) os frades portugueses internaram-se na região dos Belos, missionando
e praticamente governando a parte portuguesa da ilha. E a situação prolongou-se até
1702, apesar da autoridade teórica de um capitão-mor, delegado da coroa e instalado na
fortaleza de Lifão.
Só em 1701 foi criado pela coroa de Portugal o cargo de governador de Sólor e Timor,
tendo nomeado para esse longínquo governo o general Coelho Guerreiro. Para os seus
sucessores, foi sempre acidentado e precário esse governo de Timor, em Lifão,
assoberbado por contínuas e obscuras revoltas do gentio.
Em 1769 foi resolvido transferir a capital do território português, de Lifão para Dili.
E desde então, com o holandeses em Cupão, como sede administrativa do seu território, e
com os portugueses instalados em Dili, capital de sua administração, a história de
Timor resume-se à da dramática e lenta ocupação militar e administrativa de todo o
território, tando por parte dos portugueses, como dos holandeses, o que mais propriamente
se trata na resenha histórica da Província Ultramarina de Timor.
Em meados do séc. XIX sérios atritos diplomáticos entre Portugal e a Holanda, por
questões de limites, vieram a ser regulados definitivamente pelo tratado de limites de
20/04/1859, depois de se terem perdido para Portugal as ilhas de Sólor e Flores, pela
desastrada e leviana atuação de um comissário régio, Lopes de Lima, que, por inépcia,
abusivamente, negociou a sua cedência ao Estado Holandês a troco de uma irrisória
indenização em dinheiro para o Estado português. As vicissitudes e trágicos lances que
ilustram a lenta e difícil ocupação e pacificação do território português de Timor,
ao longo de todo o final do séc. XIX até começos do atual, é matéria que mais
desenvolvidamente pertence à história da administração portuguesa na sua banda
oriental.
Como acontecimentos de maior relevo para a história contemporânea da ilha de Timor, há
apenas a assinalar ainda as conseqüências políticas da Segunda Grande Guerra Mundial
que se traduziram na invasão e ocupação militar japonesa, de 1942 a 1945, e, depois da
derrota militar do Japão pelas Potências Aliadas, a recuperação portuguesa do seu
antigo território, ao passo que em 1948 cessava o domínio colonial na parte ocidental da
ilha, pela proclamação da República da Indonésia, que libertou todas as antigas
possessões holandesas no extenso Arquipélago. 1945 a ilha continuava cindida em duas
administrações - na antiga banda oriental sujeita à soberania de Portugal, e em todo o
território anteriormente holandês anexada à nova república dos Estados Unidos da
Indonésia.
TIMOR-HISTORIA
Já em 1505, no longo rol de instruções régias dadas em Lisboa ao primeiro vice-rei da
Índia, figurava, entre outras de primeira urgência, uma expedição de reconhecimento
às ilhas Malucas ou do Cravo.
Mas só nos fins de 1511, depois de franqueada à navegação portuguesa, pela ocupação
de Malaca, a livre saída para os mares da China e da Malásia, pôde Albuquerque, como
governador da Índia, mandar ao reconhecimento das Malucas, uma pequena frota de três
navios, comandada por Antônio de Abreu.
Eram os primeiros europeus que devassavam os mares desses confins do Oriente, não podendo
todavia afirmar-se que alguns dos navios de Abreu tivesse então tocado ou avistado a ilha
de Timor, no extremo Oriente do Arquipélago, apesar de bem conhecida dos nativos de
outras ilhas. Timor figurava já num mapa português de 1512.
A Suma Oriental de Tomé Pires refere-se á ida, em 1514, de um junco português àquela
ilha. Numa carta de Rui de Brito ao rei D. Manuel (Cartas de Afonso de Albuquerque,
t.III.p.133-137) faz-se a seguinte descrição da ilha: "Timor he huma ylha além de
jaos, tem muito sandalo, muito mell, muita cera, por nom haver junco nom foram la".
É interessante a referência a falta de navegação indígena. Por volta de 1516. Duarte
Barbosa refere-se-lhe nos seguintes termos: "Timor - Tem Rey e lingoa sobre sy; nesta
ilha há muytos sandalos branquos, que hos Mouros muyto estimaom, na Índia e Persia,
honde se gasta muyta soma deles e tem grande valia no Malabar, Marsyngua, e Cambaya; has
naos de Malaca e Jaos que aqui uem por ela, Leuaom por machados, machadinhas, cotelos,
espadas, panos de Cambaya, e de Paleacate, porcelanas, continhas de cores, estanho,
azougue, chumbo e outras mercadorias com que caregaom ho dito sandalo, de meel, escravos e
dalgúa pimenta que na tera há".
Mas mais interessante e ampla é a descrição, por Pigafetta, da visita a Timor da
expedição que Fernão de Magalhães organizara e chefiara até às Filipinas. Pigafetta
acusa os Portugueses de introdução do mal venéreo não só em Timor como em todas as
ilhas do arquipélago visitadas pela expedição. Há que pôr de remissa esta acusação
(Mendes Correia, Timor Português, Lisboa, 1944,p.12) mas há informes de grande interesse
na narrativa de Pigafetta do que ocorreu naquela visita, de 1522, a Timor. Há no texto
nomes indígenas de pessoas e de lugares que se consideram susceptíveis de
identificação com designações modernas.
Deve ter sido, portanto, entre 1512 e 1522 que a ilha de Timor foi acidentalmente
descoberta, em alguma dessas obscuras viagens dos muitos mercadores e aventureiros
portugueses que por esse tempo já cruzavam livremente os mares da Malásia no tráfico da
especiaria e outras mercadorias para Malaca e para a Índia.
Meras viagens de negócio, por muito corriqueiras já, não mereciam especial interesse a
cronistas, que por isso deixaram no anonimato o descobridor da ilha.
Negociantes portugueses, desejosos de tirar vantagens do já lucrativo comércio de
sândalo da ilha, começaram a visita-la. Negociavam com os líderes timorenses da costa,
que trocavam sândalo trazido do interior montanhoso por armas portuguesas, tecidos e
instrumentos de ferro.
No começo, essas visitas de portugueses tiveram poucas consequências sobre os
timorenses. A maioria dos habitantes da ilha morava em vilarejos pequenos, relativamente
isolados, no interior, onde predominavam a agricultura de subsistência e religiões
animistas.
Nesse costumeiro tráfico, rolaram anos, sem mais incidente notável quanto a Timor,
porque é de 1561 - mais de quarenta anos passados - a primeira notícia de chegada dos
frades dominicanos da Missão de Malaca às ilhas Flores, Sólor e Timor, no seu fervor de
catequese e cristianização do bárbaro e feroz malaio e melanésio. A ordem de São
Domingos, tomara desde os primeiros tempos da Conquista, o encargo de missionar também
para além do Cabo da Boa Esperança - na Índia, desde 1548. Chegados os primeiros
dominicanos a Goa, em 1548, à medida que o domínio militar-comercial dos portugueses
alastrava para além de Ceilão, foi para Malaca que se transferiu o Vicariato da Ordem e
nas Flores que se instalou o Vigário Superior das Missões.
Os frades de S. Domingos, militantes e infatigáveis, não se limitavam no Oriente a
catequizar. Além de fundarem igrejas, capelas, colégios, também erguiam tranqueiras e
construíam fortalezas, como fizeram em Larantuca, quase sem armamento e sem navios de
guerra. A artilharia era-lhes fornecida, a seu pedido, pela capitania-mor de Malaca.
Não tardaram Sólor e Timor a entrar no martirológico cristão. Os régulos muçulmanos
insurgem-se contra os frades. Os navios portugueses passam a ser atacados freqüentemente,
o que todavia não afetava o comércio. Os Domínios de Sólor, ameaçados por tantos
inimigos - malaios, javaneses e massacares - transformam então a sua primitiva tranqueira
em mais sólida fortaleza de pedra e cal.
De Sólor passam então os dominicanos a Timor, na sua tarefa de evangelização
intensiva. Um Fr. Antônio Taveira, ido de Larantuca num parau, abriu caminho a outro mais
famoso pioneiro tonsurado, Fr. Antônio da Cruz, que tendo convertido ao cristianismo um
grande chefe gentílico, se instalou no seu reino e por muitos anos exerceu decisiva
influência espiritual entre o gentio. Desde Fr. Antônio da Cruz, a ilha de Timor
conhecia uma autoridade portuguesa.
Agora porém a influência portuguesa iriam se tornar invasiva. Não se motivos o local
escolhido para estabelecerem sua missão foi principal porto para o sândalo. Pouco
depois, os Topasses, ou portugueses negros - descendentes de soldados, marinheiros e
negociantes portugueses e mulheres das ilhas vizinhas - começaram a se estabelecer em
Timor. Eles difundiram a cultura e influência portuguesa e logo passaram a controlar a
redes locais de comércio.
Em 1585, porém, o vice-rei da Índia, por ordem de Lisboa, evoca à sua jurisdição a
sólida fortaleza de Sólor, embora continuando habitada pelos frades e com uma guarda de
mosqueteiros e seu capitão. E não se declarou logo o inevitável conflito entre as duas
autoridades, porque no final do século o aparecimento dos primeiros holandeses nos mares
das Índias viria criar problemas bem mais graves aos frades, como ao próprio governo da
Índia e a todo o Ultramar português.
Em 1597 já holandeses estabeleciam em Java uma feitoria (Batávia). As expedições,
puramente comerciais, sucediam-se; em 1598, em 1599, e esta última já às Malucas, onde
a especiaria era mais barata.
Pouco tempo depois, os holandeses começaram a visitar Timor, para conseguir sândalo e
escravos.
Todos os povos malaios, sobretudo muçulmanos, se levantaram logo contra os portugueses; e
no Arquipélago os holandeses valiam a moiros e renegados contra a impávida fortaleza de
Larantuca, na ilha das Flores que, de surpresa, foi cercada por 7 naus holandesas, quando
se achava mal guarnecida por terem ido muitos portugueses a Timor, ao negócio do
sândalo. A resistência de três meses, foi desesperada. Entretanto (1602), constituída
em Amsterdã, para mais seguro negócio, a Companhia das Índias Orientais, com poderes
majestáticos, o assalto dos holandeses aos estabelecimentos e navios portugueses redobrou
de fria e calculada violência.
Em 1604 eram expulsos os portugueses de Ternate e Amboino, nas Malucas. Em 1615 os
holandeses apossam-se pela primeira vez da fortaleza dos frades de Sólor, e a puseram o
nome de "Forte Henricus"; e em 1616 expulsavam definitivamente das Malucas, ao
Norte, os últimos portugueses, tendo previamente abandonado, por inútil, a ilha de
Sólor, onde apenas deixaram uma fraca guarnição no Forte Henricus, com um major, Van
Raemburch. De Larantuca, de onde não tinham sido expulsos, voltaram os frades a Sólor, a
atacar os holandeses do Forte Henricus, que repelem um vigoroso ataque; e por isso, em
1618, a Companhia faz reocupar a ilha de Sólor, para melhor conservar, como conservou por
mais de 10 anos, esse disputado Forte Henricus.
Em Timor, à margem de todo esse fluxo e refluxo de Sólor, já Fr. Antônio da Cruz devia
ter sido substituído, como superior da Missão, por outro dos grandes pioneiros da
ocupação da ilha - Frei Antônio de S. Jacinto. Mas em 1629, a ilha de Sólor, por
inútil ou talvez inóspita, é abandonada segunda vez pelos ocupantes holandeses.
No ano seguinte (Abril de 1630) chega a Larantuca, na ilha das Flores, enviado de Malaca,
onde pouco antes de distinguira pela sua bravura, Fr. Miguel Rangel, que vinha como
comissário-visitador do arquipélago Flores-Sólor-Timor e trazia de Malaca um reforço
de homens e material de guerra. Verdadeiro frade-soldado, o novo comissário-visitador,
ordena logo a reocupação do abandonado Forte Henricus, de Sólor, e que se levante em
Timor uma boa tranqueira; e como Fr. Antônio de S. Jacinto, substituído por outro Fr.
Rangel (Cristóvão Rangel) na chefia da Missão, tivesse regressado a Larantuca, o
comissário-visitador manda-o voltar à ilha de Timor, a converter a rainha de Mena, no
litoral, enquanto Fr. Cristovão Rangel convertia o rei de Silavão, pouco depois
envenenado pelos malaios.
Em Timor se fixou, portanto, em 1631, Frei Antônio de S. Jacinto como comissário da
Ordem; e por alguns anos os holandeses, deixaram em paz as cristandades de Flores, Sólor
e Timor. Em Junho de 1636, uma frota de seis navios holandeses, com 200 homens surge de
novo em Sólor, diante do Forte Henricus, guarnecido desde 1630 por frades e bombardeiros
de Malaca, e a quem o capitão da frota, Tomberger, intimou a rendição. Os frades
recusam e preparam-se para resistir; mas semanas depois, falhos de munição e de homens
abandonam o forte e a ilha, recolhendo uns a Larantuca e refugiando-se outros em Timor.
Depois de 1641, pela perda de Malaca, em Janeiro, a situação mudou radicalmente,
assumindo para os derradeiros estabelecimentos portugueses no Extremo Oriente aspectos
trágicos.
Sólor perdera-se e o seu forte continuava abandonado. Em Timor, pelos incansáveis
esforços de Frei Antônio de S. Jacinto, que por lá se demorara cerca de 13 anos, havia
já 22 capelas dispersas por reinos cristianizados - Mena, Amarasse, Sivalão, Lifão e
outros. E nas Flores, onde Larantuca, se mantinha ainda, o vigário superior das Missões
de tal modo interferira no governo que, de Goa, o vice-rei Conde de Aveiras vira-se
forçado em 1640 a nomear um capitão-geral das ilhas, como autoridade régia.
Logo que em toda a Malásia se tornou conhecido a queda de Malaca, foi geral o
levantamento das ilhas do Sul contra os portugueses, sobretudo nos Estados muçulmanos.
Um rei de Toló, Caniliquio, com uma frota de 150 paraus e cerca de 7.000 homens dá o
primeiro assalto a Timor. Com a sua frota dividida em duas, uma pelo Norte, e outra pelo
Sul, desembarca a sua gente e é uma devastação por todo o litoral, de onde os selvagens
timorenses fogem aterrados para as suas montanhas do interior. O reio de Toló, ao fim de
3 meses de razia e devastações, reembarca na sua frota, carregado dos despojos da fácil
vitória.
De Larantuca (Junho de 1641) é logo mandado outra vez a Timor Fr. Antônio de S. Jacinto,
com mais dois frades, o capitão Francisco Fernandes e 80 mosqueteiros.
Renovam-se as conversões em massa com o arrependimento da maior parte dos reis que se
haviam submetido ao de Toló.
De Larantuca mandam-lhe em Agosto uma pequena frota com o capitão-mor do mar Ambrósio
Dias e mais 150 mosqueteiros que, reforçados com o gentio dos reis reconvertidos, fazem
uma batida aos dois únicos reis - o Vejale e o Servião - que se mantinham fiéis ao de
Toló.
Era a primeira operação militar dos portugueses com aliados Timores. Depois vieram de
Larantuca mais 20 frades dominicanos e começou a valer a cristianização do gentio. Os
capitães Francisco Fernandes e Ambrósio Dias voltam com a sua gente a Larantuca, ficando
na ilha o capitão Mateus Fernandes com 50 mosqueteiros e Fr. Antônio de S. Jacinto,
comissário das cristandades de Timor, como primeira autoridade da ilha que, por
instruções recebidas de Goa, empreende a construção de um primeiro forte na ilha, de
que ele próprio era o engenheiro, tendo escolhido a baía de Cupão, no extremo ocidente,
como o local de mais valor estratégico.
O fato levanta protestos dos mercadores de Larantuca e essa oposição empata a
continuação das obras. Neste momento, em Fevereiro de 1646, os holandeses voltar a
ocupar pela terceira vez, a ilha de Sólor e a guarnecer o Forte Henricus, abandonado
desde 1636. Um grande Tremor de terra na ilha, em 1648, deixa o forte muito avariado; e o
major Verbeck, comandante da ilha, resolvido a procurar algures melhor estabelecimento,
visita em Timor, a pretexto das tréguas, o forte de Cupão em construção.
Pouco depois, em 1649, é chamado a Goa o comissário Fr. Antônio de S. Jacinto. A
continuação das obras do forte de Cupão em Timor, fica a cargo do capitão-mor Siqueira
que, por desavenças com os frades em Larantuca, volta a Timor. As obras continuam porém
empatadas. No ano seguinte (1651) os holandeses de Sólor à falsa fé, tendo peitado o
rei de Amory e aproveitando-se dos desleixos do capitão-mor Siqueira, assaltam e tomam
sem um tiro o forte de Cupão.
Assim os holandeses se instalavam para sempre em Timor, na ponta ocidental da ilha, pelo
desleixo de um capitão-mor português e com a cumplicidade de um rei indígena de Amory,
que prometera trazer aos holandeses a cabeça do capitão Mateus Fernandes, comandante da
pequena força de mosqueteiros larantuquenses que tinham ficado na praça.
Uma pequena guerra de guerrilha se acendeu logo na ilha, entre holandeses e portugueses. O
novo forte, cuja construção os holandeses acabaram em 1653, foi então por eles
devidamente artilhado e guarnecido, com novos reforços enviados de Batávia. E desde
então, entre os holandeses em Cupão, com os reis seus aliados e os portugueses a monte,
com alguns reis fiéis, não houve mais ataques de parte a parte, por nenhum dos
adversários se considerar com força bastante para expulsar ou aniquilar o outro.
Mutuamente se respeitavam. Cada qual ia captando o mais que podia dos reis indígenas - os
frades e os capitães portugueses, na parte oriental da ilha, na região dos Belos e da
rainha Mena, sem que tivessem ainda um fortaleza sua, como os holandeses tinha já a de
Cupão, base de ação militar e política. Estava traçado o futuro da ilha.
De 1653 a 1660 continuou entre portugueses e holandeses essa guerra fria, de astúcias,
para captar, chamar à sua bandeira, o mais possível de régulos timorenses.
Em 1660 um armada de 26 velas surge em Timor, onde havia entendimentos dos holandeses com
régulos suspeitos. Descoberta porém a tempo a traição, os holandeses não puderam
porém operar o desembarque e a frota afastou.
No ano seguinte, 1661, o Governo de Regência em Portugal entra em ajuste com a própria
Companhia das Índias, fixando mais seguras bases da ocupação das três ilhas.
A Companhia, por esse acordo europeu, reconhece
à Coroa portuguesa o direito a Sólor e a Timor, reservando-se a posse de Cupão e de
Laboiana. Os holandeses abandonam Sólor e toda a parte oriental de Timor. A ilha de
Flores continuava na posse de Portugal.
Em 1662 resolvem então os frades e o capitão-mor escolher um reino aliado,
cristianizado, sobre o mar, para sede da soberania portuguesa. Fixado o local - Lifão -
de clima salubre e excelente posição facilmente defensável, para lá se deslocam os
raros portugueses que habitavam Timor e alguns de Larantuca. Levantou-se uma fortaleza,
que se artilhou com material vindo de Larantuca. E pela sua importância militar assim se
fundava a primeira capital da parte portuguesa da ilha.
Desde então, pacientemente, os frades
dominicanos internaram-se pela região dos Belos, na zona oriental da ilha, evangelizando,
chamando o gentio, pelo palavra e pelo exemplo, à sujeição portuguesa, representada na
fortaleza pelo capitão-mor da ilha.
No fundo, porém, eram os frades, mais que o
capitão-mor instituído em 1585, que exerciam verdadeira autoridade. Assim se foi vivendo
até fins do séc. XVII, num partilha de autoridade e governação que se tornava por
vezes, muito critica. Finalmente, em 1701,
pela soma de conflitos acumulados nesse regime de confusão jurisdicional, resolveu-se D.
João V a separar inteiramente os dois poderes, civil e eclesiástico, criando o cargo de
Governador de Timor e Sólor, com atribuições expressas de autoridade suprema, delegada
da Coroa. E para seu primeiro governador nomeou por carta-patente o general A, Coelho
Guerreiro.
Em Janeiro de 1702 partia de Macau para
Larantuca, a assumir o novo governo da Província, dependente de Goa, o general A, Coelho
Guerreiro. A tal grau de relaxamento e anarquia haviam então chegado aqueles remotos
domínios da Cora que o desembarque desse primeiro governador teve de ser forçada a tiros
de canhão. Esperava-o em Timor declarada rebeldia, com milhares de nativos armados, na
praia, por conta do Topasi D. Domingos, que mandara entretanto ameaças terríveis aos
reis indígenas, aos oficiais militares, aos próprios frades, se pactuassem com o
governador. De nada valeram a mediação conciliatória de um dos dominicanos mais
respeitados da ilha e as promessas de clemência do governador, a bordo, para que lhe
fosse consentido o desembarque. Foi debaixo de fogo que o governador por fim desembarcou
numa praia afastada de Lifão, onde teve de se fortificar, para conquistar depois, palmo a
palmo o seu governo.
O governo de Coelho Guerreiro estava condenado
a ser, como foi, de curta duração. Mas no seu governo se radicou na ilha a autoridade da
Coroa, se iniciou a norma de se aliarem os régulos a essa autoridade régia, em pé de
igualdade, sem supremacia de uns sobre outros, como anteriormente no regime dos frades
acontecia; e então se conferiu a primeira patente militar a um régulo - o rei de Ocussi,
feito tenente-general - o que era o melhor método de o prender aos interesses da
soberania.
Nessa ordem de idéias procederam depois, com
êxito, os seus sucessores Mesquita Pimentel, D. Manuel Soto Maior, Faria de Almeida, J.
de Morais Sarmento.
Não cessavam, porém, os embaraços de
governo, até pela permanente ameaça de uma potência rival a flanco, na inconcebível
partilha de território a que o governo da Metrópole anuíra, pelo acordo de 1661.
A Companhia holandesa que em Cupão se fixara
no único propósito de, mais tarde ou mais cedo, expulsar os portugueses de Timor, não
respeitava a fé dos tratados, fomentando rebeliões em território português. Foi o que
sucedeu com o levantamento de Camenasse, adiado em 1719, mas que em 1722 eclodiu, com o
assalto à traição a um arraial português, logo seguido da chacina de dois pacíficos
padres e da rebelião aberta de mais de 12 régulos, que muito custaram a dominar em
Colaico, só em 1726. O castigo não apaziguava os timores, açulados por agentes
holandeses. Era permanente nos matos a inquietação, agravada pela fome que, por vezes em
virtude das secas, flagelavam as populações. E os governantes sucediam-se sem
conseguirem estabelecer um simulacro sequer de normalidade administrativa.
Assim se ia passando o tempo a sufocar
contínuas e obscuras sublevações, até que em 1751 novas ameaças sobrevieram do
exterior. Pouco depois do desembarque de um novo governador, Figueiredo Sarmento, os
holandeses de Cupão fizeram vir das ilhas próximas cerca de 4.000 soldados para
assaltarem Lifão, a pretexto de serem os portugueses que fomentavam guerras nos reinos de
território holandês. A ameaça desvaneceu-se pela atitude firme de alguns reis fiéis
aos portugueses, mas atitude dos holandeses continuava provocante e embusteira.
Em 1765 nova ameaça, mais séria, se ergueu
contra a soberania portuguesa, por uma conjura interna de elementos mestiços,
considerados leais. A conjura e o ataque à praça abortaram, pela prematura morte do
governador Dionísio Rebelo, (que entrava no programa) dias antes do fixado para a
eclosão do movimento. Dois dos traidores foram executados. Mas por falta de socorros
militares de Goa ou de Macau, a agitação e a ameaça persistiram e a situação na
praça tornara-se tão desesperada que alguns dos membros do governo interino, sucessor do
assassinado, pensaram em abandonar a praça e tomar o primeiro navio que passasse. Os
cabecilhas Hornay e Costa continuavam rebelados, cometendo toda a sorte de atentados e
cortando as comunicações de Lifão com o exterior.
O novo governador Teles de Menezes viu apenas
como remédio, para salvar o prestígio da soberania, transferir a capital e o governo da
colônia para outro local, a enseada de Dili.
Num navio mercante que providencialmente ali arribara, meteu a bordo toda a artilharia dos
baluartes, munições, armas, e embarcou com a sua gente leal, indo aportar a Dili, para
onde transferiu então a capital (Outubro de 1769).
As receitas públicas da incipiente e
intranqüila Província eram irrisórias. Pouco ou nada podiam os governadores empreender,
a tal distância de Goa e da Metrópole, e sem recursos que de nenhum governo lhes
mandavam, nem da alfândega local podiam levantar. Eram, sobretudo, esta carência de
recursos e os expedientes a que tinham de recorrer os governadores, para acudirem aos
encargos do Estado, o que ia desacreditando, desprestigiando e sucessivamente inutilizando
os melhores que a Coroa podia nomear para Timor - Nogueira Lisboa, em 1787. Morais
Sarmento, em 1790.
Desde os governos de Cunha Gusmão (1812) e do
coronel Alcoforado e Sousa (1814-1819) o poder temporal das Missões em Timor começou a
decair e a ser coarctado pela feição militar que vinha assumindo a ação dos
governadores, com a categoria de capitães-generais. Foi também por esse tempo que a ilha
de Sólor, por muito tempo praticamente abandonada, voltou a ocupação efetiva, pelo
expresso desejo da sua rainha indígena que confessava considerar-se desde sempre vassala
dos Reis de Portugal. As agitações indígenas no entanto não cessavam em Timor.
Não tardaram a surgir novos conflitos
com os holandeses que usurparam Atapupo, na costa, já zona portuguesa. O governador
apelou em vão para o Governo-Geral das Índias Holandesas, e por fim para o Vice-rei de
Goa, que logo organizou um destacamento de reforço. Mas do Rio de Janeiro, o monarca, já
D. João VI, mandava cancelar o assunto e o ultraje à soberania ficou por vingar.
Em Timor, com tal insuficiência de meios
militares e financeiros, o segredo da ocupação e manutenção da paz interna estava na
política adotada de se atraírem os chefes gentílicos aos interesses da soberania e
administração da Colônia, conferindo-lhes honras e patentes militares, dignificando-os,
integrando-os na unidade nacional. Mas perante os atentados de potências estrangeiras,
sentiam-se os governadores impotentes, pela impossibilidade de de responderem pelos mesmo
meios. Por manifesta incapacidade do decadente Estado da Índia para continuar a manter a
velha prosápia de gerir, por delegação da Metrópole, os negócios das possessões
menores do Oriente.
Em 1844, no interesse de Macau, destacadas
Macau e Timor do Governo da Índia, constituindo uma nova Província Ultramarina, com a
capital em Macau e o distrito de Timor - arquipélago de Timor, Sólor e Flores,
dependente do governo dessa Colônia da China. Restava pois a via diplomática para
resolver esses repetidos e irritantes incidentes com a Holanda, todos resultantes de um
vício de origem - a falta nos arquivos nacionais de documento escrito do Acordo de 1661
com a Companhia das Índias Orientais, sobre o reconhecimento da soberania portuguesa e
dos respectivos limites territoriais nos estabelecimentos desde sempre ocupados pela
Coroa. Em 1844 abriram-se negociações nesse sentido com agentes holandeses, em Timor.
Governava a Província o coronel JuliãoVieira que in loco, resolveu satisfatoriamente a
questão da linha separatória. Terminou por um acordo de status quo, aprovado pelo
governo da Metrópole, que considerava "portugueses todos os territórios que à data
tivessem arvorada a bandeira portuguesa e holandeses os que arvorassem a holandesa".
O Problema não ficava porém sanado, dadas as
intenções reservadas da Holanda sobre outros mais vastos territórios. Do conflito
geravam-se novas negociações. Um enviado do Governador das Índias Neerlandesas
apresentou-se em Março de 1848 ao governador Vieira, que não estava autorizado a
discutir o assunto. E o governador de Timor nomeou arbitrariamente um comissão de estudo,
para sobre as suas conclusões se pronunciar. A Holanda aceitava os fatos consumados, não
disputando a Portugal os reis da ilha de Timor que à data ocupava, e sobre essa base se
abririam negociações, dando por assente que a Holanda era soberana de direito em toda a
ilha de Timor e arquipélago de Sólor.
Não fechou o governador Vieira in continenti toda e qualquer conversa mais nessa
equívoca base. Lavrou um enérgico protesto, apenso às atas, mas deixou aberta a porta a
novas discussões na inaceitável base da versão holandesa. E não tardou, com efeito, a
Holanda (1850) em insistir por novas negociações, não já só apenas sobre os limites
de Timor, mas também - o que era matéria nova e mais grave - sobre os direitos de
soberania holandesa ao arquipélago de Sólor e Flores.
O governo de então, com Sá de Bandeira,
intemerato defensor do Ultramar, tomou a peito o assunto, começando por fazer das
possessões na Oceania (Timor, Sólor e Flores) destacadas de Macau, uma nova Província
Ultramarina, e nomeando um comissário régio com latos poderes para negociar com os
holandeses em Batávia(Java) a melindrosa questão, ad referendum do governo de Lisboa. O
comissário régio Lopes de Lima, chegou a Dili em Junho de 1851 sob o pesadelo de acudir
à Fazenda da Província, com dinheiro urgente que sabia não poder vir-lhe da Metrópole.
Nesse estado de espírito entrou em negociações; e os holandeses não deixaram de tirar
do fato o melhor partido. Ao cabo de laboriosas sessões, de que o negociador saía sempre
vencido, acordou-se num projeto do Tratado, em que se fixavam os limites das duas
possessões em Timor, com os enclaves mais tarde remodelados, e pelo qual Portugal cedia
à Holanda a ilha das Flores e desistia das pretensões sobre Sólor por 200.000 florins,
pagáveis de 3 prestações. Arrancadas assim, de fato, Sólor e Flores à Província
Ultramarina de Timor, o governo da Colônia volta a ser anexado, como distrito destacado,
à Província de Macau.
Mas em 1856, por insuficiência financeira, o
Distrito de Timor volta ainda a ficar na dependência do governo do Estado da Índia, para
voltar mais uma vez, em 1857, a ser anexado como distrito à Província de Macau. A
20/04/1860 assinava-se o infeliz Tratado de 1851, com ligeiras modificações, ratificado
em 18/08/1860, do mesmo ano. À data da assinatura do Tratado de 1860, Timor era de fato,
uma ruína. No território mandavam os reis (datós) que não reconheciam as vantagens da
administração portuguesa.
A falta de guarnição militar e de meios
financeiros atavam as mãos aos governadores. Os régulos. Praticamente independentes em
seu sucos, era falsos agentes da administração, por cobrarem os impostos em seu proveito
e exercerem por sua conta a sua bárbara justiça. Rebelavam-se contra o Governo, logo que
lhes era pedida gente para trabalhar; faziam incessantemente guerra uns aos outros; eram
afinal os verdadeiros soberanos.
O novo governador, Afonso de Castro, foi quem
intentou trabalhos de Hércules e alguma coisa de útil, com certo apoio financeiro da
Metrópole. Começou por uma expedição punitiva ao reino da Hera. Depois, com o auxílio
de alguns reinos submissos e aliados, empreendeu operações de maior vulto. Esses êxitos
determinaram a submissão espontânea de outros reinos e um começo de administração
mais regular. O déficit diminuía, sem que a situação pudesse considerar-se boa. O seu
sucessor, Pereira de Almeida, viu-se também forçado a novas operações contra Dabolo e
contra Fotumasse. As receitas iam aumentando. Começa a desanuviar-se o horizonte.
Por decreto de Setembro de 1865, a praça de
Dili era elevada à categoria de cidade e punha-se em execução o de 07/11/1863 que
constituía a possessão de Timor e Província Ultramarina, como governo autônomo.
No ano seguinte (1866), por carência financeira, Timor regressava à condição de
Distrito dependente do Governo da Província de Macau. Tratou-se então a sério do
rearmamento de Timor, recorrendo-se a auxilio substancial de Macau, que enviou dois
destacamentos; e recomeçaram as campanhas - a de Maubara em 1878 e a de Laleia em 1879.
Mas era difícil de Macau governar Timor. A governação de Timor continuava assim
claudicante e cortada de incidentes trágicos, como foi o assassinato do governador
Lacerda e Maia (1886) por um conluio de moradores de Dili, que se revoltara contra a
enérgica ação disciplinadora do governador. A anarquia tornara-se endêmica na própria
capital - Dili. A insurreição dos povos indígenas não cessava. Por toda a parte
rebentavam rebeliões. De Macau, apesar das boas disposições do governo da Província,
pouco se podia esperar como auxílio. Em tal clima não era possível prosseguir no
vigoroso impulso que à administração e ao fomento econômico (cultura do café,
prospeccões mineiras de petróleo, etc.) viera dar a enérgica e inteligente governação
do governador assassinado. O problema cruciante continuava a ser a constante insurreição
indígena, em entendimentos possíveis com agentes holandeses de Cupão. À sua repressão
imprimiu então maior energia o novo governador, Antônio da Costa. As operações, logo
iniciadas, assinalaram-se por vários desastres, chacinas de europeus, de timores amigos,
destacamentos perdidos. Apesar dos castigos infligidos não se chegava a resultados
positivos. Eram operações dispersivas, descoordenadas, sempre muito caras em vidas e
dinheiro. Impunha-se uma ação militar de maior envergadura. Estava essa missão
reservada ao novo governador, tenente-coronel Celestino da Silva, que em 1894 desembarcara
em Dili .
A primeira ação de Celestino foi contra o
comerciantes chinas, evitando que se internassem pelos matos. As campanhas sucederam-se,
desenvolvidas umas das outras - em Agosto, a do Manufai, a seguinte, em Março, a
ferocíssima campanha contra os povos do Leste que terminou por uma decisiva vitória; a
seguir foi a guerra do Deribate, com que se terminava a campanha de 1896 e toda essa
cruenta guerra de dois anos. Como conseqüência imediata, em prêmio, a possessão era
definitivamente separada de Macau e constituída em Distrito autônomo (1897).
Só então o prestigioso governador (1894-1908) pôde votar-se às tarefas pacíficas e
fecundas da administração, reorganizando administrativamente o distrito, fomentando a
colonização agrícola, chamando o indígena, pelo ensino e pela influência
missionária, à civilização, elevando, em suma por todos os meios, a insubmissa Timor,
de tão sombrias tradições, ao nível de colônia moderna. O novo governador Eduardo
Marques vinha encontrar política de economia e de obras públicas.
Em 1910, já sob o governo de Soveral Martins,
renascem inquietantes sintomas em certos povos a Oeste. O vizinho holandês aproveitava-se
do abalo produzido na Província pela mudança de regime e de bandeira, para promover
novas agitações indígenas. E de fato, foi já no governo de Filomeno da Câmara
(Dezembro de 1911) que se declarou a rebelião armada, forcando a novas campanhas, e ao
inevitável adiamento do programa de fomento. A campanha, demorada e dura (1912-1913),
rematou brilhantemente com a submissão dos povos levantados. O governador podia já
continuar a obra de Celestino da Silva, com uma administração sensata e fecunda, por ter
preparado a longínqua possessão para todos os sobressaltos e contingências da Grande
Guerra de 1914.
De 1914 a 1918 viveu a Província em constante
sobressalto, pela manifesta simpatia da Holanda pelos Impérios Centrais e pela tensão de
relações entre a Holanda e a Inglaterra que em 1917 chegou quase ao casus belli no
Oriente.
A posição política de Timor não podia ser mais delicada, dada a participação que a
Metrópole tomara no conflito mundial. E não se pode prever que conseqüências adviriam
do fato de a Primeira Grande Guerra Mundial ter vindo encontrar Timor ainda em plena
insurreição.
Mas a paz chegou em 1918, sem que a Província
tivesse sofrido mais que a permanente inquietação. Desde então não deu mais cuidados
de maior à Metrópole, em matéria de pacificação e administração.
As reformas de 1933 em nada lhe alteraram a
estrutura administrativa e a rotina dos serviços. E foi necessário que uma Segunda
Grande Guerra Mundial, mais brutal e devastadora, viesse fazer também do Pacífico e do
Extremo Oriente um tremendo e feroz campo de batalha, para que a fatídica terra de Timor
se tornasse novamente um pesadelo para a Metrópole.
Declarada oficialmente, logo no começo do
conflito, em Setembro de 1939, a neutralidade de Portugal, a sua longínqua possessão de
Timor viveu relativamente em paz os dois anos que se seguiram, mas uma paz já
sobressaltada pela pérfida política externa do Japão que não ocultava aliás, as suas
ambições e afinidades com as Potências do Eixo. Mais fazia avolumar suspeitas e receios
ao governo local a capciosa infiltração de pretensos comerciantes, industriais e
técnicos japoneses que, desde 1936, a pretexto de negócios e colocação de capitais
aportavam continuamente a Dili, percorriam a ilha e, por fim conseguiram que o governo de
Tóquio requeresse a instalação de uma carreira aérea que ligasse diretamente Dili com
a capital nipônica.
Sem fundamentos sérios para recusar, o governo
português ao mesmo tempo que autorizava aos japoneses alguns vôos de ensaio e
reconhecimento, consentia também, para contrabalançar a exigência, que os aviões de
uma companhia australiana fizessem escala por Dili, numa carreira Austrália-Singapura, e
que um avião fretado, com as cores portuguesas, estabelecesse ligação de Dili com os
aviões holandeses da carreira Austrália-Japão que tocavam em Cupão.
Muitos foram os irritantes incidentes
suscitados por esta surda competição das aviações comerciais da Austrália e do Japão
e pelas atividades e pretensões cada vez mais suspeitas de agentes comerciais japoneses
que à boca pequena se dizia serem oficiais do exército. A situação porém, agravou-se
subitamente com o inesperado ataque de surpresa e à falsa fé da aviação japonesa à
base naval americana do Porto das Pérolas (Peor Harbor), a 7/12/1941. A partir de então
não mais houve sossego no Timor português. Dois barcos japoneses que deviam chegar a
Dili com aparelhagem várias foram logo afundados, dias depois, por aviões militares
australianos.
A guerra que ardia já por todo o Pacífico,
até Singapura, começava a rondar Timor. Dez dias depois do rompimento de hostilidades do
Japão com a América, Austrália, Holanda, China e Filipinas, o Comando Aliado, por uma
série de equívocos ainda mal averiguados, enviava de Cupão, sede do Timor holandês, à
baía de Dili um cruzador, três aviões e um transporte de tropas holandesas e
australianas, sob o comando de um tenente-coronel holandês que, de acordo com prévias
negociações entre os respectivos governos, dizia trazer ordem para efetuar o desembarque
das suas tropas e tomar posições em Dili e no seu campo de aviação.
O governador, sem instruções de Lisboa nem
força bastante para resistir, mesmo simbolicamente convocou um conselho de oficiais que,
perante a critica situação criada, foi de parecer unânime que se consentisse o
desembarque. O corpo expedicionário aliado, de cerca de 1.600 homens - 1.280 holandeses e
indonésios e 380 australianos - desembarcou, aquartelou-se e tomou as suas posições no
aeródromo e nas montanhas vizinhas de Dili.
O cônsul e os outros japoneses foram logo
reduzidos à situação de prisioneiros; o governador português constituiu-se também,
por si próprio, prisioneiro na sua residência, ordenando a todas as autoridades e
repartições a mais estrita neutralidade e abstenção de qualquer ato de hostilidade ou
colaboração.
Começava praticamente o longo calvário de
três anos e meio. A exígua guarnição militar portuguesa - uma companhia indígena -
foi destacada para Aileu; as famílias dos militares e funcionários dispersaram-se pelo
interior; e uma relativa calma, sem incidentes de maior com essas cordatas e corretas
tropas de ocupação, se seguiu durante cerca de sete semanas. Pouco durou essa inquieta
situação de expectativa.
A 08/11/1942 dava-se o primeiro ataque da
aviação japonesa às posições holandesas em Dili. Mas como a todo o momento eram
esperadas de Moçambique tropas portuguesas, num total de 600 homens, para renderem as
tropas estrangeiras, confiava-se em que a situação se esclarecesse muito em breve.
A 19 de Fevereiro, porém, precedido de um furioso bombardeamento da sua aviação, os
japoneses operavam por seu turno um desembarque em força a 7 km. de Dili. Os breves
assaltos que se lhes seguiram às frágeis posições aliadas, em poucas horas, em
coroados de êxito e ao fim do dia a ocupação militar japonesa era um fato
irremediável.
A partir dessa data e até Agosto de 1945, toda
a ilha de Timor, sob a brutal ocupação nipônica , era teatro das consabidas atrocidades
da soldadesca japonesa que, ao que parece, chegou a atingir cerca de 40.000 homens.
Os sobreviventes australianos e holandeses,
internando-se nas montanhas que constituem a espinha dorsal da ilha, passaram então a uma
encarniçada e intrépida luta de guerrilhas, auxiliados pelas populações gentílicas,
que se mantiveram fiéis a Portugal e a que se juntaram muitos civis portugueses.
Não foi, infelizmente, geral essa atitude da
população nativa, mormente a da fronteira e da Maubisse. Vários régulos, aliciados
pela intensa propaganda nipônica, rebelaram-se logo contra o domínio português, fato de
que o comando japonês tirou todo o partido, incitando e armando a organização de
colunas negras que preparavam os assaltos às povoações fiéis ou onde quer que se
suspeitasse de núcleos de resistências anti - nipônica.
Em Dili, onde o governador procurava manter um
simulacro de funcionamento de serviços administrativos, a coberto da declarada
neutralidade, começaram em meados do ano os raids da aviação australiana, já
bombardeando a cidade, já reabastecendo por pára-quedas as guerrilhas nas montanhas.
Resolveu então o governador transferir-se, com
todos os serviços e funcionalismo para o interior (S. Domingos) ainda então afastado do
teatro da guerra. O comando japonês, porém, opôs-se brutalmente, reduzindo-o
praticamente à condição de prisioneiro na sua residência. Perante a funda turbação
causada pelas populações rebeladas, as autoridades portuguesas, invocando a atitude de
neutralidade de Portugal, conseguiram do comando japonês autorização para que três
colunas portuguesas fossem sufocar essas rebeliões, mas cedo se desmascarava a hipocrisia
japonesa, pelo ataque noturno de um coluna negra, em fins de setembro, ao aquartelamento
da Companhia indígena em Aileu, onde perderam a vida onze oficiais e funcionários
portugueses.
Como os australianos não afrouxassem na sua
luta de guerrilhas, causando graves danos aos japoneses, em Outubro foi proposto ao
governador pelo comando japonês a criação de uma zona neutral em Liquiça, onde não se
realizariam operações militares, a fim de que todos os portugueses neutrais se pudessem
ali refugiar com suas famílias, ao abrigo dos indígenas rebeldes e das contingências da
luta dos japoneses contra os australianos.
As guerrilhas australianas, porém, é que não
se consideraram obrigadas a respeitar essa zona neutral, e, por seu turno, ofereceram
proteção e auxílio aos portugueses que quisessem refugiar-se na Austrália, embarcando
em praias da costa Sul, onde iriam buscá-los navios australianos ou aliados.
De fato, desde fins de Novembro até
princípios de Fevereiro de 1943, navios de guerra australianos vieram ao porto de Alas
buscar os portugueses e suas famílias que preferiram o refúgio da Austrália ao campo de
concentração de Liquiça.
Pouco depois, chegava aos resistentes portugueses a notícia de que o comando Aliado na
Austrália desistira de um projetado desembarque em força, por tropas aliadas, para a
libertação de Timor.
Uma poderosa ofensiva nipônica na Nova Guiné
impunha o emprego de todas as forças disponíveis do Norte da Austrália. A missão
militar e as guerrilhas australianas em Timor deviam também retirar. E assim aconteceu.
Os últimos australianos e holandeses
abandonaram a possessão portuguesa. A essa data (princípios de 1943) já as forças
japonesas tinham ocupado toda a ilha, e é então que se registra o admirável ato de
lealismo do chefe indígena D. Aleixo, Nai-Sesso, régulo de Suro, que nas montanhas de
Suro-Lau, cercado com o seus súditos, por mais de 15.000 homens, de tropas japonesas e
nativos das colunas negras, resistiu durante semanas a todas as intimações, até que a
resistência foi esmagada e, aprisionado, o velho régulo reuniu os filhos e, dando um
viva a Portugal, preferiu cair varado de balas e de golpes de catana, a submeter-se ao
invasor nipônico.
Em Agosto conseguiu evadir-se para a Austrália
um último grupo de portugueses que pretendiam treinar-se nos métodos de ataques dos
famosos "comandos" para voltarem um dia a Timor, com tropas aliadas ou
portuguesas para restaurarem a soberania.
Foi só em princípios de 1944 que puderam
começar a ser enviados da Austrália a Timor, em arriscadas missões de reconhecimento, e
os primeiros "comandos" australianos, de que participavam já voluntários
portugueses convenientemente adestrados.
Eram missões arriscadas de que poucos
conseguiam voltar. Cientes desses atos de audácia, os japoneses guarneceram então toda a
Costa Sul, com inúmeros postos de observação e rondas constantes, servidos por tropa
regular e rebeldes indígenas. Assim a situação de Timor se manteve ainda mais onze
meses até que em Agosto de 1945 as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaqui forçaram o
Japão à suspensão de hostilidades e rendição incondicional aos Americanos.
A 11 de Setembro o brigadeiro australiano Dyke recebia a bordo de um
navio de guerra, na baía de Cupão, a rendição do general japonês comandante das
tropas de ocupação de Timor. Na manhã de 22, Dili era libertada, com o seu governador e
todas as autoridades sobreviventes, de uma ocupação japonesa de mais de três anos e
meio.
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E DEPOIS (*)
Quando os aliados ocidentais declaram guerra
contra o Japão, decidiram usar a ilha de Timor como linha de defesa contra o avanço
japonês em direção ao sul ( apesar dos protestos de Portugal, que era neutro ). Em
meados de dezembro de 1941, apenas dez dias depois do ataque a Pearl Harbor,
aproximadamente 400 soldados das Índias Ocidentais Holandesas e da Austrália chegaram à
parte ocidental de Dili.
Dois meses mais tarde, o Japão atacou a ilha e
rapidamente expulsou os holandeses da metade ocidental. Em Timor Leste, algumas centenas
de comandos australianos e alguns timorenses conseguiram encurralar uns vinte mil soldados
japoneses durante quase um ano. Mas em janeiro de 1943 o Japão controlava toda a ilha.
A ocupação japonesa foi uma das épocas mais
sombrias da história de Timor Leste ( só ultrapassada em crueldade e devastação pelos
indonésios ). Eis como Iwamura Shouachi, que comandou um pelotão japonês em Timor Leste
durante mais de dois anos, descreveu os sofrimentos impostos pelos militares japoneses:
"É doloroso falar hoje dos sacrifícios e fardos que impusemos ao povo do Timor
Leste... Ordenamos a chefes que mobilizassem pessoas em massa para a construção de
estradas...para trabalharem sem receber comida ou compensação.
Devido à escassez de alimentos, pessoas
morriam de fome todos os dias. A comida para os soldados japoneses e cavalos para
transportar munição eram confiscados do povo e alguns soldados da tropa sob meu comando
estupraram mulheres timorenses."
Se os australianos e aliados tivessem deixado a
ilha em paz, é bem possível que os japoneses tivessem ignorado Timor, ou no máximo
mandado um contingente simbólico de soldados. Em vez disto, uns 60 mil timorenses
orientais perderam suas vidas em conseqüência da brutal ocupação japonesa e dos
bombardeios aliados que procuravam expulsá-los. A guerra danificou muito Dili e destrui
parcialmente muitas das principais vilas e aldeias do território.
Com a derrota do Japão em agosto de 1945,
Portugal voltou e reafirmou seu controle sobre Timor Leste, que gradualmente voltou ao
estado anterior à guerra. Os portugueses começaram a reconstruir a infra-estrutura
colonial que tinha sido devastada, empregando muitas vezes os mesmos métodos brutais de
trabalhos forçados que tinha usado antes da guerra.
Com exceção de um revolta séria em 1959 (
que foi rapidamente sufocada ), as relações entre timorenses e portugueses continuaram
bastante calmas - embora debaixo da superfície houvesse muito ressentimento fervendo. A
Igreja Católica, que tinha visto o número de seus fiéis aumentar devido às dolorosas
experiências da guerra, ajudou a diminuir as tensões, encorajando o sentimento
pró-Portugal no culto e na educação.
Através de todo o sudeste asiático, a era do
pós-guerra estava marcada por grandes comoções políticas, já que os territórios
colonizados buscavam a independência, enquanto os colonizadores voltavam e tentavam
reafirmar seu controle. O povo das Índias Ocidentais Holandesas declarou que a Indonésia
era um país livre no dia 17 de agosto de 1945, enquanto ainda estavam sob a ocupação
japonesa.
Quando os holandeses voltaram, recusaram-se a
reconhecer esta declaração de independência, travando brutal campanha militar para
recuperar sua colônia. Mas no final de 1949 a resistência em massa do povo forçou os
holandeses a reconhecerem a independência da Indonésia. O governo dos Estados Unidos
pressionou a Holanda para que o fizesse, pois acreditava que uma Indonésia estável e
independente forneceria um melhor ambiente de negócios para o capital norte-americano do
que uma colônia rebelde, dilacerada pela guerra.
No próprio Timor Leste, o nacionalismo pós-guerra veio mais devagar, mas chegou
finalmente(...).
Certos elementos da Igreja Católica
desempenharam papel importante no desenvolvimento do pensamento nacionalista. Embora a
maioria das escolas católicas estivessem orientadas para assuntos portugueses, os
jesuítas muitas vezes criticavam o colonialismo e as condições sociais. Em seu
seminário nos arredores de Dili, onde muitos dos timorenses orientais que trabalhavam
para a administração portuguesa tinham recebido sua educação, professores jesuítas
discutiam movimentos nacionalistas que estavam desabrochando e abordagens progressistas ao
desenvolvimento do Terceiro Mundo, e promoviam um sentido de identidade timorense entre os
estudantes.
Um jornal da Igreja, Seara, que estava livre
das leis de censura, ensinava tetum a seus leitores e muitas vezes servia como animado
fórum de idéias progressistas. Algumas das pessoas que contribuíam para ele, que tinha
tido contato com movimentos africanos de libertação, começaram a defender privadamente
a independência de Timor Leste. As autoridades portuguesas forçaram o Seara a parar de
ser publicado em 1973, mas nesta época dissidentes que tinha as mesmas idéias já
estavam se reunindo clandestinamente em Dili.
Embora a grande maioria da população ainda
vivesse como tinham vivido durante séculos, em vilarejos rurais, uma elite pequena,
educada, já tinha se desenvolvido pelos anos 70. Quando o império português finalmente
começou a ruir, este grupo de estudantes, professores e até administradores coloniais
ajudou o pequeno Timor Leste a emergir de sua posição de relativo isolamento, penetrando
no mundo turbulento da política internacional de poder.
(*) texto retido do Livro - TIMOR LESTE - Este País Quer Ser Livre, Sílvio L.
SantAnna, Editora Martin Claret , São Paulo, SP
A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA (*)
No final de abril de 1974, grupo de oficiais
militares esquerdistas, estacionados em Lisboa, capital de Portugal, derrubou o governo
fascista do país através de um golpe de estado, praticamente sem derramamento de sangue.
Havia certo desacordo entre os oficiais ( que se chamavam Movimento das Forças Armadas,
ou MFA) sobre o que fazer com as colônias de Portugal. O chefe conservador do MFA era a
favor daquilo que chamava de "autonomia progressiva... dentro de uma estrutura
portuguesa", mas outros oficiais, muitos dos quais tinham voltado recentemente da
luta contra movimentos de libertação nas colônias africanas, defendiam "algum tipo
de independência".
Em junho de 1974, Portugal tinha apresentado
três opções possíveis para Timor Leste: continuar associado a Portugal, tornar-se
independente, ou se tornar parte da Indonésia. Mas o governo português não empreendeu
nenhuma ação imediata em relação a qualquer dessas opções.
No próprio Timor Leste, no entanto, a resposta ao golpe de estado não foi tão lenta.
Dentro de pouco mais de um mês, três partidos políticos tinha sido formados: a UDT, a
ASDT (que mais tarde se transformou na Fretilin) e a Apodeti.
O primeiro partido a ser fundado, a UDT (União Democrática Timorense), era de modo geral
conservador e a favor de Portugal. No começo defendia a continuação da ligação com
Lisboa, mas com o aumento da oposição ao colonialismo passou a apoiar a idéia de uma
eventual independência total.
0 segundo partido, ASDT (Associação de
Sociais Democratas Timorenses), advogava "as doutrinas universais do socialismo e da
democracia". Totalmente comprometido com a independência desde o começo, imaginava
um período de descolonização de oito a dez anos, durante o qual Timor Leste teria a
oportunidade de desenvolver as estruturas políticas e econômicas necessárias para a
independência.
A liderança tanto da UDT quanto da ASDT vinha
em grande parte das classes média e alta - timorenses que tinham estudado no colégio dos
jesuítas em Soibada e no seminário nos arredores de Dili, e que eram administradores
coloniais ou professores. Os cidadãos timorenses mais ricos tendiam a apoiar a UDT.
Incluíam oficiais administrativos mais graduados, líderes nativos e importantes donos de
plantações. Um dos líderes da UDT - na realidade, seu primeiro presidente - foi mais
tarde nomeado governador de Timor Leste pelos indonésios, cargo que ocupou de 1981 a
1992.
Um terceiro partido, Apodeti (Associação
Popular Democrática Timorense) era a favor de uma "integração autônoma" com
a Indonésia. (Seu nome original - Associação para Integração de Timor com a
Indonésia - foi logo mudado devido a reações públicas).
A Apodeti, que nunca teve mais de umas poucas
centenas de membros, parece ter sido em grande parte um projeto do serviço de
inteligência militar da Indonésia. A última coisa que a Indonésia queria era mais um
país independente nas suas fronteiras, e estava empenhada em garantir que isto nunca
acontecesse.
Três homens que estavam cooperando com os militares indonésios havia anos se tornaram os
líderes principais da Apodeti. E logo depois da fundação da Apodeti, a Indonésia
começou a fornecer apoio financeiro a agentes de Timor Leste.
A UDT no começo era o grupo maior e mais
popular, mas logo começou a perder terreno para ASDT, que estava mais bem organizada e
era mais inovadora. Quando o presidente interino do parlamento da Indonésia disse que era
favorável ao controle de Timor Leste pela Indonésia, a ASDT mandou um enviado, José
Ramos-Horta, a Jacarta, onde ele recebeu garantias do ministro de Relações Exteriores da
Indonésia de que a Indonésia defendia, sem dúvida, a autodeterminação de Timor Leste.
Em seguida Ramos-Horta foi para a Austrália,
mas o governo australiano não quis se encontrar com ele ou fazer qualquer declaração
oficial em favor da autodeterminação de Timor Leste. Ele conseguiu, no entanto, o apoio
de grupos de Igreja, sindicalistas, intelectuais e membros do parlamento.
Como seus membros - e a população de Timor
Leste em geral - estavam se tornando mais radicais, a ASDT mudou seu nome, em setembro de
1974, para Fretilin (Frente Revolucionária por um Timor Leste Independente) e exigiu de
Portugal a independência imediata. Voluntários da Fretilin começaram a sair de Dili,
indo para as áreas rurais, ensinando os habitantes das aldeias a ler e escrever em tetum,
estabelecendo cooperativas agrícolas, ajudando a organizar sindicatos e outros grupos, e
promovendo a cultura local, incentivando a criação de poesias, cantos e danças
nacionalistas. Graças a estas atividades, a Fretilin se tornou, no início de 1975, o
mais popular dos três partidos.
Enquanto o presidente de Portugal dizia que a
independência total de Timor Leste "não era realista", o novo governador de
Timor Leste, que era do MFA, e oficiais locais do MFA queriam ajudar o país a conquistar
sua liberdade. Em dezembro de 1974, convidaram os três partidos a aconselhar Lisboa sobre
a maneira de descolonizar Timor Leste. A UDT e a Fretilin se uniram durante este processo
e formaram uma coalizão. A Apodeti se recusou a participar, dizendo que só reconhecia o
governo indonésio, e não o português.
Em maio de 1975, a UDT, a Fretilin e o MFA
concordaram que um governo de transição seria estabelecido até outubro e que eleições
para uma assembléia nacional constituinte seriam realizadas no outono de 1976. Mas a
Indonésia tinha outros planos. Em meados de 1974 tinha sido desenvolvida a Operação
Komodo - assim chamada devido aos dragões Komodo, lagartos gigantes que comem pessoas, e
que vivem em outras ilhas da Indonésia.
A Operação Komodo
tinha o objetivo de fortalecer a Apodeti e enfraquecer a Fretilin, e obteve certo número
de sucessos diplomáticos. Num encontro com o presidente da Indonésia, Suharto, em
setembro de 1974, o primeiro-ministro da Austrália, Gough Whitlam, declarou que um Timor
Leste independente seria "inviável" e "uma ameaça em potencial para
área". Ele apresentou seu apoio a uma união voluntária entre Timor Leste e
Indonésia. Embora tenha acrescentado que a Austrália não aprovaria o uso da força em
Timor Leste, seus comentários, de maneira geral, foram considerados por Jacarta como
sendo muito favoráveis à sua posição.
Quando a Fretilin e UDT começaram a trabalhar
juntas, a Indonésia incrementou a Operação Komodo. Em meados de fevereiro de 1975, os
militares indonésios (comumente chamados pela sigla ABRI) realizaram exercícios em
Sumatra que simulavam um ataque por ar e mar a Timor Leste. Logo depois disto a Indonésia
começou a divulgar relatórios falsos de um golpe planejado pela MFA e Fretilin, e uma
suposta perseguição a membros da Apodeti.
A operação Komodo, juntamente com a crescente
popularidade da Fretilin, enfraqueceu a coalizão UDT-Fretilin. A Indonésia conseguiu
convencer os membros mais conservadores da UDT de que, se fosse permitida a permanência
de esquerdistas na coalizão, isto resultaria em isolamento internacional. No final de
maio de 1975, a UDT se retirou formalmente da coalizão.
Líderes da UDT se encontram com representantes
do governo indonésio em Jacarta e se convenceram de que a Indonésia não permitiria que
Timor Leste se tornasse independente sob a Fretilin e provavelmente nem mesmo sob a UDT.
Eles achavam que só limpando o território da influência "comunista" poderiam
ter alguma possibilidade de evitar uma invasão da Indonésia.
Finalmente, em meados de agosto de 1975, a Indonésia passou à UDT notícias falsas do
serviço secreto sobre uma iminente tomada do poder pela Fretilin, completadas com
informações sobre carregamentos clandestinos de armas chineses e a entrada em Timor
Leste de "terroristas vietnamitas" para ajudar a Fretilin. A UDT lançou um
golpe, capturando rapidamente a estação de comunicações e o aeroporto de Dili.
Mas a UDT subestimou muito a força da
Fretilin, que conseguiu persuadir a maioria das unidades timorenses do exército
português a ficar do seu lado. Logo a Fretilin controlava toda Dili e no final de
setembro tinha expulsado 500 soldados da UDT e 2.500 refugiados (na maioria famílias de
líderes e soldados da UDT) para Timor Ocidental. A breve guerra civil tinha terminado.
A Indonésia só permitia que os refugiados
entrassem em Timor Ocidental se assinassem uma petição em favor da integração de Timor
Leste à Indonésia. Conforme declarou um antigo líder da UDT: "Era a última coisa
que queríamos, mas com as forças da Fretilin se aproximando e sem comida, realmente não
tínhamos outra alternativa a não ser concordar".
A Fretilin imediatamente começou a estabelecer
um governo de fato para preencher o vazio deixado pelos portugueses, que tinham fugido
durante a guerra civil. O antigo cônsul da Austrália em Dili, James Dunn, assim
descreveu a reação do povo:
"Esta estrutura administrativa tinha limitações evidentes, mas gozava claramente de
amplo apoio e cooperação da população, inclusive de muitas pessoas que antes apoiavam
a UDT... Na realidade, os líderes do partido vitorioso foram recebidos de braços
abertos, espontaneamente, nos principais centros por multidões de timorenses. Em minha
longa associação com o território, nunca tinha presenciado tais demonstrações de
calor e apoio espontâneo por parte das pessoas comuns."
A fim de completar o processo de
descolonização, a Fretilin convocou um conferência de paz entre eles, Portugal e
Indonésia, mas os contínuos adiamentos por parte de Portugal impediram que as
conversações se realizassem. Enquanto isto, a ABRI ( forças militares indonésias )
estava realizando incursões através da fronteira, a partir de Timor Ocidental, para dar
a impressão de que a guerra civil continuava. ( A Indonésia negou estas incursões, mas
até a CIA as confirmou ).
A ABRI logo capturou algumas cidades perto da
fronteira entre Timor Leste e Timor Oeste. Sua campanha culminou num ataque de duas
semanas por terra, ar e mar a uma cidade chamada Atabae, a apenas 56 quilômetros de Dili.
Finalmente, a ABRI tomou Atabae no dia 28 de novembro de 1975.
Confrontada com uma invasão iminente, global,
a Fretilin declarou a independência da República Democrática de Timor Leste nesse mesmo
dia.
A Fretilin esperava que esta declaração proporcionasse alguma proteção internacional a
Timor Leste, mas somente quatro antigas colônias portuguesas da África, reconheceram o
novo país imediatamente. As nações ocidentais, que sabiam tudo sobre os planos de
invasão da Indonésia, permaneceram em silêncio, ( ou forneceram algumas colaboração
para esta invasão).