APONTAMENTO E IMPRESSÕES SOBRE UMA BREVE VISITA AO
PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA,
CHIMOIO E BEIRA
EM JANEIRO DE 2000
(Condensado do relatório apresentado aos Serviços de Fauna Bravia)

Conforme desejo há muito em mente, concretizei finalmente uma visita ao Parque Nacional da Gorongosa , 19 anos passados após o ultimo trabalho que ali realizei – organização da 1ª Reunião Nacional de Fauna e Queimadas, em 1981 !

Participantes na 1ª Reunião Nacional de Fauna e Queimadas, realizada no PNG em 1981
Esta visita de carácter particular, que decorreu de 8 a 11 de Janeiro de 2000, tinha dois objectivos: rever o mais importante santuário da fauna bravia de Moçambique e recolher dados para complementar um trabalho que tenho em mãos e que pretende ser uma contribuição para a história da fauna e da caça deste país, que servi o melhor que pude e soube durante 38 anos (1952/1990).
Graças à compreensão e apoio dos responsáveis ao nível da Direcção – Dr. Soto e Engº Nakala – e a nível local – Engº Roberto Zolho -, a mesma visita foi bem sucedida, gratificante e proveitosa, tendo durante a mesma recolhido preciosos elementos para o referido trabalho, para além de ter satisfeito a curiosidade e muita ansiedade que grassavam na minha pessoa há muitos anos !
Julgava-me preparado psicologicamente para suportar uma eventual carga emotiva na chegada ao Parque. Bem me enganei porque quando atravessei a cancela do acampamento do Chitengo e deparei com o espectáculo de ruínas das infra-estruturas administrativas, escola, residências, correios, restaurante, armazéns e outras instalações, não me contive!...
Este estado emocional já se vinha a denunciar desde a entrada principal do Parque. Depois de sentir uma enorme felicidade no momento em que transpuz o portão, veio a decepção por não ver animais ao longo dos 17 Kms da estrada até ao Chitengo, quando nos tempos passados neste mesmo percurso se encontravam muitas manadas das mais variadas espécies, desde elefantes ao mais pequeno
antílope!
Graças à pronta intervenção do Engº Zolho, foi ultrapassada esta momentânea crise, que no fundo é uma fraqueza oculta, mesmo nos mais fortes!
A atenção que me foi dispensada pelo Administrador do Parque, a raiar mesmo o carinho que é apanágio dos moçambicanos para com os mais velhos, fez com que recuperasse rapidamente dos momentos menos bons da chegada e depois de observados os aspectos positivos, que já são muitos no Chitengo, acabei por me recompor e os três dias que ali passei
foram recheados de emoções positivas.
O meu anfitrião, cuja hospitalidade jamais esquecerei, tudo fez para que os meus objectivos fossem alcançados, proporcionando-me deslocações aos locais cujo interesse manifestei em visitar, nomeadamente: rio Urema; Mira-Hipo; tandos (planícies) do Missicadzi e Sunguè; Bué-Maria; locais onde os motoristas João Penga e Paulino Miranga foram
mortos por leões e leopardos em 1964 e 1970 e ainda ao local, perto do rio Púnguè, onde em Maio de 1974 eu próprio e alguns companheiros do Parque tivemos o primeiro encontro com um comandante e vários combatentes da Frelimo que operavam na região.
Facultou-me também encontros com os trabalhadores do Chitengo, com os agentes do corpo de fiscalização e com os dois únicos funcionários que foram meus companheiros de trabalho na década de 60 - Castigo Mamunanculo e Batage Vasco -, que ainda ali se encontram.
O guarda Castigo e o operador de máquinas Batage Vasco
Para além de ter recolhido dados importantes para o meu "Histórico", tive a oportunidade de transmitir aos novos agentes que ali trabalham algumas experiências vividas ao longo da minha carreira de fiscal de caça, particularizando factos ocorridos durante os seis anos em que dei colaboração directa ao Parque e incentivando-os a darem o seu melhor na defesa intransigente do
património à sua guarda.

Destaquei nessas conversas as maiores dificuldades que ao tempo enfrentava na luta contra os caçadores furtivos e seus colaboradores, que eram os acompanhantes residentes - pisteiros - e até os próprios régulos. Estes, juravam fidelidade aos fiscais do Parque, mas eram facilmente corrompidos pelos caçadores e isso dava azo a que esses furtivos tivessem a sua acção facilitada,
sobretudo nas zonas a leste dos rios Vanduzi, Mecombeze, Urema e Púnguè, onde fizeram autênticas razias nos efectivos de elefantes, búfalos, hipopotamos, crocodilos, zebras e grandes antílopes.

Marfim e carne (escondida em tambores) apreendidos no PNG, em 1963,
a um dos caçadores furtivos referidos no texto.
Mencionei alguns dos principais furtivos que foram protagonistas dessas barbaridades, na década de 60 e que foram alvo de pesadas multas! Os nomes de alguns desses fora de lei ainda soam na actualidade, por estas bandas, quer dos próprios quer de seus descendentes, que a partir da Beira e arredores afluem à região, como bem ficou demonstrado nos massacres perpetrados no Parque, no
período que se seguiu ao acordo de paz (1992/1994), e mais recentemente na região de Marromeu onde as manadas de búfalos que restaram do período conturbado da guerra têm vindo a ser dizimadas!
Não tive surpresas relativamente à situação do Parque, já que as informações vindas daquelas paragens ao longo destes anos trouxeram sempre as más notícias sobre o que ali acontecia. O massacre dos animais, ocorrido principalmente após o acordo de paz em 1992, foi largamente noticiado depois da reocupação do Parque pelos Serviços de Fauna Bravia em 1994. Uma verdadeira
catástrofe que leva hoje os responsáveis a interrogarem-se como foi possível, já em época de pós guerra, se ter deixado, num curto espaço de dois anos, chegar à triste situação de extermínio de milhares e milhares de animais de todas as espécies de mamíferos e grandes répteis que povoavam aquele que pouco tempo antes era considerado o melhor e mais belo Parque de fauna bravia de África
!
Calcular agora quanto tempo vai levar para recuperar esse potencial, é tarefa que levanta muitas incertezas, já que tal experiência, mesmo conduzida, como já acontece, por técnicos abalizados, é algo controversa . Uma certeza têm todos: nunca menos de algumas dezenas de anos e com muitos apoios financeiros, muita dedicação e sacrifício, total consenso ao nível das estruturas
governamentais a todos os níveis (central, provincial, distrital e local) para uma política absolutamente proteccionista, para que o Parque seja integralmente respeitado (solos e subsolos, água e suas fontes, ausência de agressões ambientais quer local quer periféricas, florestas e animais).
Catástrofe muito semelhante em termos de desaparecimento de animais do Parque sucedeu na década de 30 e foi-me narrada pelo primeiro fiscal de caça que ali foi colocado - José Henriques Coimbra -, que testemunhou esse fenómeno. As grandes cheias provocadas pelo rio Zambeze atingiram de tal modo o Parque que milhares de animais morreram e outros desapareceram para zonas mais altas (a
zona baixa do PNG onde a maioria dos animais se concentrava é pouco mais alta que o nível do mar).
Espavoridas, as manadas, desde elefantes, búfalos, zebras e antílopes, afastaram-se para norte e noroeste procurando refúgio a dezenas e até centenas de quilómetros, nomeadamente para a região da Macossa. Levou alguns anos para que a situação se recompusesse. Os animais acabaram por voltar e a vida voltou paulatinamente à normalidade.
Tomemos este exemplo e aliemos o mesmo à investigação que se torna necessária e certamente se vão tirar conclusões. Paralelamente é importante garantir uma cobertura de fiscalização muito eficiente, para combater a acção dos caçadores furtivos.
* * *
Sugeri ao Engº Zolho a ideia de se homenagearem os trabalhadores que no passado muito deram com o seu trabalho, dedicação e saber à causa do Parque, alguns deles deram mesmo a sua própria vida ainda novos quando em serviço. Esta ideia foi bem aceite e por isso me permito destacar os elementos que bem conheci e que julgo merecerem tal distinção, a saber:
FIGUEIRA MUCANDA MEQUE
Guarda, de longe o funcionário que mais anos de vida deu ao Parque – mais de 60 anos ! Iniciou ali a sua actividade por volta de 1931, com apenas 12 anos de idade e faleceu em 1997, com 78 anos!
Este grande homem (grande no tamanho, no carácter e inteligência) chegou a chefe dos Guardas e por todos era admirado e respeitado. Os seus chefes habituaram-se à sua companhia nas deslocações pelo interior do Parque e sua periferia, aproveitando a sua sabedoria e bom senso para tomarem as decisões mais acertadas. Eu próprio beneficiei da sua sapiência para aumentar os meus
conhecimentos e deles fiz uso não só no Parque como noutras zonas do País onde prestei serviço. Em 1964 o guarda Figueira Meque fez parte da comitiva que representou o PNG numa exposição mundial de caça em Itália, transitando depois por Portugal.
As honrarias recebidas por este funcionário nunca passaram de simples retórica. Há que repôr na história do Parque a verdade sobre estes heróis e na medida da sua grandeza prestar-lhes justa homenagem.
JOÃO PENGA
Motorista, vitimado por leões em 1964, quando regressava ao Parque durante a noite, conduzindo a viatura do Administrador. Supõe-se que terá adormecido devido ao cansaço e na tentativa de procurar sair do valado para onde resvalou, junto à ponte sobre o rio Nhacapanda, na estrada entre a entrada do Parque e o Chitengo, foi surpreendido por um grupo de leões. Foi encontrado na
manhã seguinte já totalmente devorado, estando a viatura ainda com o motor a trabalhar.
PAULINO MIRANGA
Motorista, vitimado por um leopardo em 1970, quando, depois de uma avaria na sua viatura, no interior do Parque, procurou em vão boleia, andando a pé no sentido das picadas mais frequentadas por turistas. Gorada tal tentativa e como já se fazia noite, procurou refúgio no cimo de uma árvore de pequeno porte, junto da picada 2, ao lado da Lagoa Inhatite . Ali foi surpreendido pelo
felino e o seu corpo viria a ser encontrado por volta da meia noite, depois de buscas intensas conduzidas pelos funcionários do Parque e graças à perspicácia do guarda Castigo Mamunanculo, que seguiu os vestígios do seu arrastamento até ao local onde o animal se preparava para o repasto.
ANTÓNIO ALGESSE
Guarda, falecido em 1997, com idade avançada e depois de muitos anos com uma folha de serviços invejável ao serviço do PNG. Foi o pisteiro mais desejado por todos os fiscais que tiveram acção no controle dos elefantes na periferia do Parque, em defesa das machambas das populações.
Foi meu companheiro e auxiliar durante seis anos, não só na região do Parque, mas também em outras regiões das Provincias de Manica e de Sofala, onde igualmente a minha acção era frequentemente reclamada. Dele absorvi conhecimentos muito válidos nesta matéria, que enriqueceram os que já aprendera em Cabo Delgado, Niassa, Gaza e Maputo. Ao mesmo tempo um excelente companheiro, de
vivência e cultura tradicionais muito ricas.
CASTIGO MAMUNANCULO
Guarda, reformado, felizmente ainda no número dos vivos e felizmente também fazendo parte dos actuais funcionários do Parque!
Este corajoso e igualmente excelente funcionário do corpo de guardas do PNG, desde 1961, é um dos muitos ex-trabalhadores do Parque que se refugiaram na povoação de Metuchira, a cerca de trinta quilómetros do Chitengo, por motivo da guerra que afectou o mesmo Parque em 1983. Depois da reocupação, em 1994, os sobreviventes dessa dolorosa situação foram convidados a regressar às suas
funções, mas sómente dois o fizeram e entre eles o papá Castigo, (como é tratado carinhosamente pelos mais novos), que agora tem 75 anos!
Foi uma grande alegria ter reencontrado este velho companheiro de trabalho e o prolongado e sentido abraço que trocamos confirmou a amizade que partilhamos nos tempos passados!
Por tudo o que fez no passado (era também um dos "braços direitos" dos seus superiores), antes da humilhante saída do Chitengo em 1983 e pelo aprumo que ainda revela na posição simbólica de vigilante do acampamento , que em boa hora a administração do Parque lhe atribuiu, merece este valente e sábio guarda reformado o estatuto de um dos melhores funcionários que serviram e servem o
Parque Nacional da Gorongosa.
O guarda Castigo Mamunanculo junto da sua residência, no Chitengo
BATAGE VASCO
Operador de máquinas, que durante muitos anos garantiu a limpeza dos cerca de 500 Kms de picadas existentes no interior do Parque. É outro dos funcionários que se refugiaram em Metuchira, em 1983 e, tal como o papá Castigo, aceitou regressar ao Chitengo em 1994, não obstante se encontrar já reformado e a sua idade não lhe permitir voltar a conduzir máquinas pesadas.
Quando ali chegou e viu máquinas novas ficou deslumbrado e pediu logo para conduzir uma delas. Andou a dar voltas no acampamento do Chitengo, dando largas ao seu entusiasmo, mais parecendo uma criança com o seu brinquedo favorito!
Foi no passado um óptimo trabalhador e agora reforço a admiração e respeito por este bravo resistente do PNG. Fiquei muito satisfeito, tal como no caso do guarda Castigo, de o ver e abraçar e saber que é estimado por todos!
PAULINO CAMPIRA
Ex-guarda, já reformado, que não aceitou regressar ao Parque. Continua no Metuchira, envolvido na sua machamba e certamente mitigando o sofrimento que a guerra colonial lhe impôs (foi mutilado de uma das orelhas quando em serviço no posto da Bela Vista)!
Não tive a oportunidade de ver este companheiro, que muito estimei e de quem mantenho viva na memória a sua figura de homem aprumado e de mais um entre os melhores guardas que o PNG teve no passado. Deixei para ele uma carta a saudá-lo, como era meu dever.
Pelo seu passado de sacrifício e dedicação, que lhe custaram muito caro e o traumatizaram para o resto da vida, merece a sua inclusão na lista dos eleitos para figurarem na história do nosso querido Parque Nacional da Gorongosa.
* * *
Não posso esquecer estes e outros companheiros, que me ajudaram e aos meus colegas, contribuindo para que a fauna bravia tivesse chegado aos dias da independência de Moçambique com a pujança de todos conhecida!
Outros ex-funcionários (não muitos porque a morte já levou a maioria), ainda se encontram na região de Metuchira e noutros pontos dos distritos subjacentes ao Parque, vivendo das reformas e das suas machambas, acomodados já aos novos locais de residência. Por isso e também pelas más recordações das situações de guerra que os atormentaram sériamente, declinaram o convite para
regressarem ao Chitengo.
Oportunamente indicarei outros nomes de colaboradores que, noutros pontos do país, igualmente merecem ser recordados e considerados.
- IMPRESSÕES COLHIDAS -
Naturalmente que a breve estadia no Parque não me permitiu avaliar todos os aspectos de renovação ali em curso. Gostaria de ter visitado os postos periféricos, mas por ser tarefa demorada, aliada às chuvas que recomeçaram no dia da minha chegada (após mais de um mês de autêntica seca), tal não foi possível.
Fiquei no entanto convencido de que a política actual de reestruturação, se não está totalmente acertada, pelo menos procura o melhor caminho. Daí ter regressado com a satisfação de um pai que visitou um filho bem orientado na vida!
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De entre as impressões que troquei com o Aministrador do Parque, relacionadas com o trabalho que ali se desenvolve ao nível da fiscalização, destaco a ideia comum quanto à necessidade de se reforçarem os efectivos, já que as dimensões do Parque são enormes e os postos existentes são ainda poucos para uma cobertura eficiente. Por outro lado, os agentes carecem de algumas condições
que são importantes para a sua estabilidade e rendimento, nomeadamente a sua rotação entre os postos mais isolados e os de melhor acesso; melhoria das condições das instalações; apoio social abrangendo as suas famílias; férias regulares; melhores meios de transporte; reciclagens atempadas, etc,.
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Inteirei-me do nível de preparação dada aos novos fiscais, quer nos aspectos técnicos quer nos de defesa pessoal e disciplina. Julgo adequados os métodos em uso, inspirados na disciplina há muito existente nos Parques da África do Sul e baseados na preparação militar, tendo em vista que nos últimos anos a acção dos caçadores furtivos, não só em Moçambique como em toda a África,
requer uma forte intervenção de agentes bem preparados.

Rinocerontes, a espécie mais perseguida pelos caçadores furtivos nos últimos anos em Moçambique.
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Comungo da ideia de que se deveria iniciar a construção de um novo acampamento central, desde há muito sugerido e com projectos já feitos para o Bué-Maria, na margem esquerda do rio Púnguè. A continuação de recuperação do Chitengo, onde já foi feita obra notável na restauração das habitações dos trabalhadores, de alguns rondáveis para visitantes, das redes de água e luz e dos
jardins, implica um grande esforço e verbas elevadas, já que muitas outras construções estão ainda em ruínas e praticamente terão de ser feitas de raís. Este esforço e o capital, em nosso modesto entender, poderiam ser aplicados naquele belo local, que os ecologistas já elegeram como sendo o ideal.
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Verifiquei que os poucos animais existentes nas áreas que visitei se encontram tranquilos. A existência de uma manada de elefantes (cerca de uma centena), acantonada há cerca de três anos na zona entre as picadas 7 e 12, relativamente perto do rio Urema, deixa-nos muito optimistas quanto à futura reabilitação destes paquidermes no Parque, embora se saiba que estes animais têm boa
memória e não esquecem facilmente as agressões de que foram vítimas no passado recente!
Foi muito gratificante ter visitado essa zona e embora não tivessemos feito a aproximação da manada, para evitar eventuais perturbações no seu seio, pelo menos vimos os vestígios frescos da sua passagem em perfeita tranquilidade. Isto revela que a fiscalização está atenta, mantendo o Parque e sobretudo esta zona, fora do alcance dos furtivos!
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Não sei se voltarei ao Parque Nacional da Gorongosa, mas dele vou procurar sempre, enquanto viver, ter notícias. Sei que as vou ter mesmo lá longe, já que os meios de comunicação actuais assim o vão permitir e a simpatia dos técnicos responsáveis não deixará de prevalecer!
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IDAS AO CHIMOIO E BEIRA
Embora o objectivo principal desta viagem tivesse sido o Parque Nacional da Gorongosa, aproveitei para visitar também estas duas importantes cidades do centro de Moçambique, que tão bem conheci durante seis anos de actividade na região (1963/1968). Foram visitas curtas, mas reconfortantes do ponto de vista sentimental, já que revi locais de que guardo gratas recordações!
Comecei pela cidade de Chimoio (ex-Vila Pery), actualmente servida por uma das melhores estradas de Moçambique, quer a partir da Beira quer da fronteira do Zimbabwe!
Visitei esta bela cidade, que se apresenta bem conservada e aumentada na parte residencial, com bonitas moradias. Fui aos pontos estratégicos admirar a beleza das montanhas do planalto, como são a cordilheira de Manica, com o monte Vumba em destaque e, ali bem perto, o ex-libris da cidade que é o monte "Cabeça do Velho"!
Depois, como não podia deixar de ser, fui rever as instalações que foram a sede do Posto de Fiscalização e minha residência, cuja construção eu próprio orientei em meados da década de 60! Estas infra-estruturas, que na época foram consideradas as mais completas de entre todos os postos de fiscalização de caça de Moçambique, encontram-se, desde há uns anos atrás, fora da alçada dos
Serviços de Fauna Bravia. São agora ocupadas pelos Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro.
Seria importante que as instâncias superiores determinassem a reinstalação do sector de fiscalização nesta cidade, reconhecida que é a importância faunística da região. Justificava-se assim o retorno das referidas instalações aos Serviços que as custearam e construiram.
Como era dia de tolerância de ponto e todo o comércio se encontrava encerrado (comemorava-se o Ramadan - festa anual da comunidade mahometana), não tive a oportunidade de contactar velhos conhecidos. Regressei depois de uma breve paragem em frente do edifício dos Serviços de Veterinária, onde trabalhei fazendo parte do staf que teve a cargo a administração do Parque Nacional
da Gorongosa, entre 1963 e 1965 (a partir desta data e com a nomeação do primeiro administrador residente - médico veterinário Dr Francisco Romão - a gestão do Parque passou a ser feita no Chitengo).
* * *
No trajecto para a Beira fiz uma paragem em Nhamatanda (ex-Vila Machado), para visitar o ex-motorista do Parque, António Figueira Meque, filho mais velho do saudoso guarda Figueira Meque, atrás mencionado. Ele exerce ali funções de motorista na Direcção Distrital de Agricultura e confessou-me que gostaria de voltar a trabalhar no PNG, mas integrado no quadro dos fiscais.
Aproveitei para saudar os elementos afectos ao Posto de Fiscalização local, dois dos quais me reconheceram e cumprimentaram com afecto.
Na Beira fui hóspede do Dr. Baldeu Chande, biólogo moçambicano e velho amigo que entrou para os Serviços de Fauna como guarda de Parques e Reservas no início da década de 70 e que tem feito uma carreira brilhante, tendo concluído recentemente o seu curso na Universidade do Cabo - África do Sul. Foi ele quem orientou a difícil tarefa de reocupação do Parque Nacional da Gorongosa,
em 1994, deixando ali um trabalho notável na mobilização das populações rurais, no combate aos furtivos, na restauração do acampamento do Chitengo, reabertura de algumas picadas, construção dos primeiros postos de fiscalização periféricos, retirada de minas, etc,!
Em boa hora realizei esta viagem pois para além dos dados importantes que colhi sobre o Parque, relativos à época conturbada do pós guerra (1992/1994) e do período difícil da reocupação, outros assuntos foram abordados, nomeadamente sobre a Reserva e Coutadas de Marromeu, que o Dr Chande tem vindo a apoiar através de um projecto (UICN), que ele próprio chefia na cidade da Beira.
Segundo ele, nos últimos dois anos tem vindo a aumentar a actividade dos caçadores furtivos nestas áreas, decrescendo ali, de uma forma muito acelerada, os efectivos de búfalos, recentemente calculados em cerca de dois mil! Acrescentou que têm sido desenvolvidas acções de fiscalização bastante apertadas, mas os furtivos continuam impunes!
Informei o Dr Chande que idêntica situação ocorria no início da década de 60, altura em que os efectivos de búfalos rondavam os 60.000 e os furtivos actuavam também impunemente, devido à falta de meios por parte dos fiscais para se deslocarem na região alagada do delta do Zambeze, precisamente por onde penetravam os mesmos furtivos para caçar na Reserva e Coutadas e do mesmo modo
escoar a carne.
Conforme apurei nessa altura, durante uma operação de fiscalização e reconhecimento àquelas áreas, feita através do rio Zambeze e seu braço Mucêlo, a carne dessas caçadas era canalizada para as vilas de Chinde e Luabo, onde era vendida. Agora, que se vem acentuando a caça furtiva nas mesmas áreas, é provável que os métodos e o destino da carne sejam os mesmos e a não serem combatidos
eficazmente, os dois mil búfalos que se calcula serem os que restam na região, serão dizimados rapidamente!
Aproveitei a estadia na cidade da Beira para cumprimentar o Director Provincial de Agricultura, a quem fiz um breve resumo das minhas observações e impressões colhidas no PNG. Alguns funcionários desta direcção são meus conhecidos, do antes e pós independência e foi um prazer vê-los e saudá-los!
Naturalmente que dei uma vista de olhos pelos locais que bem conheci nesta cidade do Xiveve: a praia; o farol, a praça do Município; o Maquinino; a avenida da República (que conserva as bonitas acácias, jacarandás e figueiras da Índia); o belo edifício dos Caminhos de Ferro; a ponte-cais; a velha maternidade onde nasceu a minha filha, etc,.

Vista parcial da cidade da Beira
A fama que a Beira criou, nos últimos anos, de cidade pouco cuidada, começa a dissipar-se. Nota-se algum desenvolvimento na construção civil e sobretudo no arranjo das ruas e avenidas. Particularmente chamou-me a atenção a grande avenida, de via dupla e com excelente iluminação, recentemente concluída e que liga a cidade ao bairro da Manga! É um importante melhoramente que revela
o interesse do governo em restaurar e dar um aspecto digno à segunda maior cidade do país!
* * *
AGRADECIMENTOS
Desejo agradecer a quem me deu esta oportunidade de voltar ao Parque Nacional da Gorongosa e cidades de Chimoio e Beira, viagem que efectuei, por estrada e sózinho, impelido pelo forte desejo de voltar a lugares que muito adorei e adoro e que, devido à minha idade, julguei não voltar a ver.
Agradecimentos que vão para o Dr. Soto e Engº Nakala, da DNFFB – Serviços de Fauna Bravia; para o Engº Roberto Zolho, que me recebeu maravilhosamente no PNG e me proporcionou uma estadia, contactos e visitas que não esquecerei mais; para a Drª Brit Reichelt, jovem e entusiasta bióloga que no Chitengo muito me acarinhou; para o velho amigo Dr. Baldeu Chande, pela sua hospitalidade
e preciosos elementos que me forneceu.
Finalmente agradecimentos ao Presidente do Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural, Engº João Carrilho, pela cedência da viatura excelente com que efectuei a viagem de mais de três mil quilómetros, sem qualquer problema e ainda pelo encorajamento que me deu para levar em frente o meu trabalho de pesquisa de dados históricos sobre a fauna, a caça e as pessoas envolvidas.
A todos um BEM-HAJA e até sempre!
Celestino Gonçalves
Maputo, Janeiro de 2000
ESCLARECIMENTO
Este "Apontamento", cujo original foi apresentado aos responsáveis nacionais dos Serviços de Fauna Bravia, em Maputo, no meu regresso do Parque Nacional da Gorongosa, Chimoio e Beira, em Janeiro de 2000, omitiu alguns pormenores de carácter confidencial, que óbviamente não poderiam ser aqui divulgados. Foi agora mais condensado, para evitar a extensa
leitura a que antes obrigava.
Marrabenta, Agosto de 2001
Celestino Gonçalves

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