Gaifanas
 
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GAIFANAS

CIRURGIA DELICADA

(**)

“Gaifanas” foi  o termo que ouvi pela primeira vez da boca do nosso Professor Pereira da Silva (***), mestre de genética, que teve de voltar a estudar anatomia para nos elucidar como é que um esqueleto é composto, como se consegue movimentar, alimentar, ver, etc.

Pois o “Zeco”, como carinhosamente lhe chamávamos, uma vez que viemos a saber que era este o nome usado pelo clã familiar, possuía também mestria na arte de pregar partidas, género pantera cor-de-rosa. Fabricava as malandrices e ficava com o ar seráfico de quem também estava a ir na conversa.

Proveniente de uma família católica, crente e guiada pela lealdade, verdade e honra, veio parar à faculdade o Chico Afonso.

O Chico até era engraçado e possuía uns olhos que, sem serem  nada de especial, tinham umas pestanas bem grandes, que me faziam inveja, ou  antes, achava-as mal empregadas nuns olhos de homem. Porém, como bom católico apostólico  romano, este moço  em tudo acreditava.

Vai daí o bom do Zeco, se bem o pensou, melhor o fez. Convenceu o nosso herói da verdade de que a pálpebra superior de um dos olhos tinha uma dita gaifana, e que a única solução era a intervenção cirúrgica.

A operação feita por oftalmologista seria muito cara, mas ele e o Dr. Amaral  poderiam operá-lo na faculdade.

Depois de muito pensar, e melhor  ponderar, foi marcado  o dia da delicada intervenção.

Foi rápida, sem dor, a cirurgia, depois de ser  instilada uma gota de soro fisiológico no olho em causa e o mesmo ser hipoteticamente sensibilizado por uma crina de cavalo.

Fora, previamente, preparado um pouco de “cat-gut” com um nó a algo muito pequeno apenso ao mesmo.

De olho vendado, foi o bom do Chico Afonso para casa, depois de um período de repouso necessário para se recompor da anestesia e suas implicações na possível perda de equilíbrio!!!...

Ao chegar ao lar paterno, foi recebido com grande alvoroço por parte da preocupada mãe que viu o seu rebento entrar entrapado em casa. Nisto chegou o pai que lhe pergunta o que se passara.

Resposta imediata do filhote:

-         Uma gaifana!

Ao que o pai respondeu:

-         Padeiro sou eu e  gaifana é que esses filhos da mãe não me arranjavam! Não tenho a Coimbra, mas tenho  a tarimba!

          Cresce e aparece e vai lavar a cara antes que o adesivo deixe marcas!

 

REFERÊNCIAS:

(*) – “Gaifanas” é mais um termo utilizado  na gíria pelos amantes das partidinhas e aplica-se para referenciar uma suposta doença nos olhos da pessoa que se pretende ridicularizar. Em Moçambique, nomeadamente nos meios pequenos do interior, era uma das maleitas atribuídas aos incautos que acabavam de chegar e se deixavam cair nessas partidas, normalmente caçadas hipotéticas aos gambosinos, às oletúrias, aos leões e outros animalejos.

Ver “Caçada às Oletúrias”, onde um jovem acabado de chegar da metrópole foi atingido por essa “doença” ocular.

(**) -  É autora desta “Estória” a Drª Maria Virgínia Soto e Silva, médica veterinária que estudou  na Faculdade de Veterinária de Lourenço Marques (actual Maputo), onde os factos ocorreram antes da independência de Moçambique. 

Nos últimos tempos esta simpática VETMOX tem-nos brindado com belas narrativas de episódios vividos nos seus tempos de estudante, alguns deles por si protagonizados e que, a exemplo desta “estória”, não deixará de nos autorizar a inseri-las aqui.

 (***) – O Professor Dr. José Manuel Pereira da Silva, médico veterinário, foi uma figura muito conhecida em Moçambique, onde exerceu altos cargos no sector da educação, nomeadamente o de vice-reitor da Universidade de Lourenço Marques, director da Faculdade de Veterinária e professor da cadeira de anatomia da mesma Faculdade. Em Portugal, onde se fixou depois da independência daquele país, exerceu também funções de destaque como a de director do Instituto Nacional de Investigação Agronómica e a de técnico superior da Estação Agronómica da Fonte Boa. Foi ainda um dos técnicos apoiantes do Jardim Zoológico de Lisboa.

 O mestre “Zeco”, granjeou entre os seus numerosos alunos uma estima e admiração sem precedentes naquele estabelecimento superior de ensino, graças à sua invulgar inteligência e ao seu apurado sentido de camaradagem sem barreiras. A própria “estória” revela como eram puras e sãs as relações entre professor e alunos.

 Pessoalmente, recebi do Professor Pereira da Silva muitas provas de simpatia durante os nossos contactos quando ele dava apoio técnico à mais destacada empresa  pecuária do sul de Moçambique, onde a minha acção como fiscal de caça se impunha para evitar a invasão dos caçadores que atraídos pelos animais selvagens devassavam o interior das propriedades e causavam imensos prejuízos nas manadas de bovinos.

 Falecido recentemente depois de prolongada doença, o Professor Pereira da Silva é agora recordado com saudade por todos quantos tiveram o privilégio de receber as suas doutas lições, quer académicas quer de camaradagem.

 Marrabenta, Fevereiro de 2004

Celestino Gonçalves

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