Título: UM GUIA PRÁTICO PARA O DESVIO (A User's Guide to Detournement)
Autor: Guy Debord e Gil Wolman
Data: Maio 1956
Descrição: Guia para usuários da deturnação
Palavras-chave: França, Maio de 68, Situationistas
Linguagem: Português
Material Relacionado: Traduzido da versão inglesa de Ken Knabb disponível em http://bopsecrets.org/SI/detourn.htm


TRADUÇÃO 1

Um Guia para Usuários da Deturnação(1)


Toda pessoa razoavelmente atenta em nossos dias está alerta ao óbvio fato de que a arte já não pode mais ser considerada como uma atividade superior, ou nem mesmo como uma atividade compensatória à qual alguém honradamente poderia dedicar-se. A razão para esta deterioração é o claro aparecimento de forças produtivas que necessitam de outras relações de produção e de uma nova prática de vida. Na atual fase da guerra civil em que estamos engajados, e em íntima conexão com a orientação que estamos descobrindo para certas atividades superiores por vir, acreditamos que todos os meios conhecidos de expressão irão convergir para um movimento geral de propaganda que terá que abarcar todos os perpétuos aspectos interativos da realidade social.

Há várias opiniões contraditórias sobre as formas e até mesmo sobre a verdadeira natureza da propaganda educativa, essas opiniões geralmente refletem uma ou outra variedade de reformismo político em moda. Basta-nos dizer que, em nossa visão, as premissas para a revolução, tanto no aspecto cultural como no estritamente político, não apenas estão maduras como começaram a apodrecer. Não se trata aqui de voltar ao passado, o que é reacionário; até mesmo os «modernos» objetivos culturais são em última análise reacionários na medida em que dependem de formulações ideológicas de uma sociedade passada que prolongou sua agonia de morte até o presente. A única tática historicamente justificada é inovação extremista.

A herança literária e artística da humanidade é usada para propósitos de propaganda partidária. É claro que é necessário ir além de qualquer idéia meramente escandalosa. A oposição à noção burguesa da arte e do gênio artístico tornou-se um chapéu roto. O bigode que Duchamp rabiscou na Mona Lisa não é mais interessante que a versão original daquela pintura. Temos agora que empurrar este processo ao ponto de negar a negação. Bertolt Brecht revelou em uma recente entrevista no Françe-Observateur que ele faz cortes no clássicos do teatro de forma a torná-los mais educativos, nesse aspecto ele está mais próximo que Duchamp da orientação revolucionária que proclamamos. É necessário destacar, contudo, que no caso de Brecht tais salutares alterações são estreitamente limitadas por seu infeliz respeito à cultura definida pelos parâmetros da classe governante — aquele mesmo respeito, ensinado tanto nos jornais dos partidos operários como também nas escolas primárias da burguesia, que induz até mesmo os distritos operários mais vermelhos de Paris a sempre preferir The Cid à Mãe Coragem [de Brecht].

Na realidade, é necessário eliminar todos resquícios da noção de propriedade pessoal nesta área. O aparecimento das já ultrapassadas novas necessidades por obras «inspiradas», torna-se obstáculo, hábito perigoso. Não se trata de gostar ou não delas. Temos que superá-las.

Pode-se usar qualquer elemento, não importa donde eles são tirados, para fazer novas combinações. As descobertas de poesia moderna relativas à estrutura analógica das imagens demonstram que quando são reunidos dois objetos, não importa quão distantes possam estar de seus contextos originais, sempre é formada uma relação. Restringir-se a um arranjo pessoal de palavras é mera convenção. A interferência mútua de dois mundos de sensações, ou a reunião de duas expressões independentes, substitui os elementos originais e produz uma organização sintética de maior eficácia. Pode-se usar qualquer coisa.

Desnecessário dizer que ninguém fica limitado a corrigir uma obra ou a integrar diversos fragmentos de velhas obras em uma nova; a pessoa pode também alterar o significado desses fragmentos do modo que achar mais apropriado, deixando os imbecis com suas servis referências às «citações».

Tais métodos paródicos foram freqüentemente usados para obter efeitos cômicos. Mas tal humor é o resultado das contradições dentro de uma condição cuja existência é tida como certa. Como o mundo da literatura quase sempre parece-nos tão distante quanto o da Idade da Pedra, tais contradições não nos fazem rir. É então necessário conceber uma fase paródica-séria onde a acumulação de elementos deturnados, longe de contribuir para provocar indignação ou riso em sua alusão a algum trabalho original, expresse nossa indiferença para com um inexpressivo e desprezível original, e se interesse em fazer uma certa sublimação.

Lautréamont foi tão longe nesta direção que ele ainda é parcialmente mal compreendido até mesmo pelos seus mais declarados admiradores. A despeito de suas óbvias aplicações deste método na linguagem teórica de Poésies — onde Lautréamont (utilizando as máximas de Pascal e Vauvenargues, particularmente) ele se esforça por reduzir o argumento, através de sucessivas concentrações, tão somente a máximas — um certo Viroux, três ou quatro anos atrás, causou considerável espanto ao demonstrar conclusivamente que Maldoror é uma vasta deturnação de Buffon e de outras obras de história natural, entre outras coisas. O fato dos prosélitos de Figaro, como o próprio Viroux, serem capazes de ver nisto uma justificação para desacreditar Lautréamont, e de outros acreditarem que tinham que defendê-lo elogiando sua insolência, apenas testifica a senilidade destes dois agrupamentos de parvos em elegante combate. Um lema como «o plágio é necessário, insinua progresso» ainda é pobremente compreendido, e pelas mesmas razões que a famosa frase sobre a poesia, que «deve ser feita por todos».

Aparte da obra de Lautréamont — que bem à frente de seu tempo foi em grande parte uma crítica precisa — as tendências para a deturnação que podem ser observadas na expressão contemporânea são em sua maior parte inconscientes ou acidentais. É na indústria da propaganda, mais do que na decadente produção estética, onde estão os melhores exemplos.

Podemos em primeiro lugar definir duas categorias principais de elementos deturnados, levando em consideração se o ajuntamento vem ou não acompanhado por correções inseridas nos originais. Temos aqui deturnações secundárias e deturnações enganosas.

A deturnação secundária é a deturnação de um elemento que não tem nenhuma importância em si mesmo e que tira todo seu significado do novo contexto em que foi colocado. Por exemplo, um recorte de jornal, uma frase neutra, uma fotografia comum.

A deturnação enganosa, também chamada deturnação de proposição-premonitória, é em contraste a deturnação de um elemento intrinsecamente significante que deriva de um diferente escopo de um novo contexto. Por exemplo, um slogan de Saint-Just ou um trecho de um filme de Eisenstein.

Obras extensamente deturnadas são usualmente compostas por uma ou mais séries de deturnações enganosas e secundárias.

Agora pode-se formular várias leis no uso da deturnação.

O mais distante elemento deturnado é aquele que contribui mais nitidamente à impressão global, e não os elementos que diretamente determinam a natureza desta impressão. Por exemplo, em um metagráfico [poema-colagem] relativo à Guerra Civil Espanhola a frase que mais destaca o sentido revolucionário é o fragmento de um anúncio de batom: «Belos lábios são vermelhos». Em outro metagráfico («A Morte de J.H.») 125 anúncios classificados de bares à venda expressam um suicídio mais notavel que as reportagens jornalísticas que a noticiaram.

As distorções introduzidas nos elementos deturnados devem ser tão simples quanto possível, pois o impacto principal de uma deturnação tem relação direta com a lembrança consciente ou semiconsciente dos contextos originais dos elementos. Isto é bem conhecido. Basta simplesmente notar que se esta dependência da memória insinua a necessidade de determinar o público alvo antes de inventar uma deturnação, este é apenas um caso particular de uma lei geral que governa não apenas a deturnação mas também qualquer outra forma de ação no mundo. A idéia da expressão pura, absoluta, está morta; sobrevive apenas temporariamente na forma paródica na medida em que nossos outros inimigos sobrevivem.

Quanto mais próximo de uma resposta racional menos efetiva é a deturnação. Este é o caso de um número bem grande de máximas alteradas por Lautréamont. Quanto mais aparente for o caráter racional da resposta, mais indistingüível se torna do espírito ordinário da réplica, que semelhantemente usa as palavras opostas contra ele. Isto naturalmente não se limita à linguagem falada. Foi nesse sentido que contestamos o projeto de alguns de nossos camaradas que propuseram deturnar um cartaz anti-soviético da organização fascista «Paz e Liberdade» — que proclamava, em meio a imagens de bandeiras sobrepostas dos poderes Ocidentais, «a união faz força» — acrescentando por cima em uma folha menor a frase «e coalizões fazem a guerra».

A deturnação através da simples reversão é sempre a mais direta e a menos efetiva. Assim, a Missa Negra reage contra a construção de um ambiente baseado em determinada metafísica construindo outro ambiente na mesma base, que apenas inverte — mas ao mesmo tempo conserva — os valores de tal metafísica. Não obstante, tais reversões podem ter um certo aspecto progressivo. Por exemplo, Clemenceau [chamado «o Tigre»] poderia ser chamado «o Tigre chamado Clemenceau».

Das quatro leis fixadas, a primeira é essencial e se aplica universalmente. As outras três, na prática, aplicam-se apenas a elementos deturnados enganosos.

As primeiras conseqüências visíveis da difusão do uso da deturnação, fora seu intrínseco poder de propaganda, foram a revivificação de uma multidão de livros ruins, e a extensa (não intencional) participação de seus desconhecidos autores; uma transformação cada vez maior de frases ou obras plásticas produzidas para estar na moda; e acima de tudo uma facilidade de produção que supera em muito, em quantidade, variedade e qualidade, a escrita automática que tanto nos chateia.

A deturnação não conduz apenas à descoberta de novos aspectos do talento; também colide frontalmente com todas as convenções sociais e legais, pode ser uma arma cultural poderosa a serviço de uma verdadeira luta de classes. O baixo preço de seus produtos é a artilharia pesada que derruba todas as muralhas da China do entendimento.(2) É um verdadeiro meio artístico proletário de educação, o primeiro passo para um comunismo literário.

No reino da deturnação pode-se multiplicar idéias e criações à vontade. No momento nos limitaremos a mostrar algumas possibilidades concretas em vários setores atuais da comunicação — estes setores separados são significantes apenas em relação às tecnologias atuais, com tudo tendendo a fundir-se em sínteses superiores com o avanço destas tecnologias.

Aparte dos vários usos diretos de frases deturnadas em cartazes, registros e rádio radiodifusão, as duas aplicações principais de prosa deturnada estão em escritos metagráficos e, em menor grau, na hábil perversão da moderna forma clássica.

Não há muito futuro na deturnação de romances inteiros, mas durante a fase transitiva poderia haver um certo número de empreendimentos deste tipo. Se uma deturnação fica mais rica quando associada a imagens, tais relações para com textos não são imediatamente óbvias. Apesar das inegáveis dificuldades, acreditamos que seria possível produzir uma instrutiva deturnação psicogeográfica da Consuelo de George Sand, que poderia ser relançada no mercado literário disfarçada sob algum título inócuo como «Vida nos Subúrbios», ou até mesmo sob um título deturnado, como «A Patrulha Perdida». (seria uma boa idéia reutilizar deste modo muitos títulos de velhos filmes deteriorados dos quais nada mais permanece, ou de filmes que continuam enfraquecendo as mentes dos jovens nos clubes de cinema).

A escrita metagráfica, não importa quão antiquada possa ser sua base plástica, apresenta oportunidades bem mais ricas para a prosa deturnada, como outros objetos apropriados ou imagens. Pode-se obter uma idéia do significado disso pelo projeto, concebido em 1951 mas eventualmente abandonado por falta de meios financeiros suficientes, que pretendeu fabricar uma máquina de fliperama arranjada de tal forma que o jogo de luzes e trajetórias mais previsíveis das bolas formaria uma composição metagráfica-espacial intitulada Sensações Térmicas e Desejos de Pessoas que Passam pelos Portões do Museu do Cluny Cerca de uma Hora depois do Poente em Novembro. Percebemos desde então que um empreendimento situacionista-analítico não pode avançar cientificamente por meio de tais obras. Não obstante, os meios permanecem satisfatórios para metas menos ambiciosas.

É obviamente no reino do cinema que a deturnação pode atingir sua maior efetividade e, para os que se interessam por este aspecto, sua maior beleza.

Os poderes do filme são tão extensos, e a ausência de coordenação desses poderes é tão evidente, que virtualmente qualquer filme que esteja acima da miserável mediocridade provê tema para infinitas polêmicas entre espectadores ou críticos profissionais. Apenas o conformismo dessas pessoas lhes impede descobrir tanto a atração apelativa como as falhas berrantes dos piores filmes. Para ilustrar esta absurda confusão de valores, podemos observar que Nascimento de uma Nação de Griffith é um dos filmes mais importantes na história do cinema por causa de sua riqueza de inovações. Por outro lado, é um filme racista e portanto não merece absolutamente ser mostrado em sua presente forma. Mas sua proibição total poderia ser vista como lamentável do ponto de vista do secundário, mas potencialmente meritório, domínio do cinema. Seria melhor deturná-lo em sua totalidade, sem a necessidade de sequer alterar a montagem, adicionando uma trilha sonora que faça uma poderosa denúncia dos horrores da guerra imperialista e das atividades da Ku Klux Klan que até hoje continua atuando nos Estados Unidos.

Tal deturnação — mesmo bem moderada — é em última análise nada mais que um equivalente moral da restauração de velhas pinturas em museus. Mas a maioria dos filmes merece apenas o corte para compor outras obras. Esta reconversão de seqüências preexistentes serão obviamente acompanhadas de outros elementos, musicais ou pictóricos como também históricos. Enquanto a reprodução cinematográfica da história permanecer em grande parte semelhante à reprodução burlesca de Sacha Guitry, alguém poderá ouvir Robespierre dizer, antes de sua execução: «Apesar de tantos julgamentos, a minha experiência e a grandeza de minha tarefa me convence que tudo está bem». Se neste caso uma apropriada reutilização de uma tragédia grega nos permite exaltar Robespierre, podemos imaginar frases tipo-neorealistas em para-choques de caminhão onde, por exemplo, um motorista de caminhão diz seriamente a outro: «Antigamente a ética existia apenas nos livros dos filósofos; nós a introduzimos no governo das nações». Percebe-se que que esta justaposição elucida a idéia de Maximilien, a idéia de uma ditadura do proletariado.(3)

A luz da deturnação propaga-se em linha reta. Até mesmo a nova arquitetura parece ter começado com uma fase barroca experimental, o complexo arquitetônico — que concebemos como a construção de um ambiente dinâmico relacionado a estilos de comportamento — provavelmente deturnará as formas arquitetônicas existentes, e em todo caso fará um uso plástico e emocional de todos os tipos de objetos deturnados: arranjos cuidadosos de coisas como guindastes ou andaimes de metal substituirão uma tradição escultural defunta. Isto choca apenas os mais fanáticos admiradores dos jardins estilo-francês. Comenta-se que em sua velhice D'Annunzio, aquele suíno pró-fascista, mantinha a proa de um barco torpedeiro em seu parque. Sem considerar seus motivos patrióticos, a idéia de tal monumento não está isenta de um certo charme.

Se a deturnação fosse estendida a realizações urbanísticas, não seriam poucas as pessoas que seriam afetadas pela exata reconstrução em uma cidade de um bairro inteiro em outro. A vida nunca pode estar demasiado desorientada: a deturnação neste nível realmente a faria bela.

Os próprios títulos, como vimos anteriormente, são um elemento básico na deturnação. Isto resulta de duas observações gerais: que todos os títulos são intercambiáveis e que eles têm uma importância decisiva em vários gêneros. Todas as histórias de detetive «Série Noir» são extremamente semelhantes, contudo basta simplesmente mudar continuamente os títulos para garantir uma considerável audiência. Na música um título sempre exerce uma grande influência, contudo a escolha é bem arbitrária. Assim não seria uma má idéia fazer uma correção final ao nome «Sinfonia Heróica» mudando-a, por exemplo, para «Sinfonia Lenin».(4)

O título contribui fortemente na deturnação de uma obra, mas há uma inevitável ação contrária à obra no título. Assim pode-se fazer extenso uso de títulos específicos retirados de publicações científicas («Biologia Litoral dos Mares Temperados») ou militares («Combate Noturno de Pequenas Unidades de Infantaria»), ou até mesmo de muitas frases encontradas nos livros ilustrados infantis («Paisagens Maravilhosas Cumprimentam os Passageiros»).

Para encerrar, mencionaremos rapidamente alguns aspectos do que chamamos de ultradeturnação, quer dizer, as tendências para uma deturnação que atua na vida social cotidiana. Pode-se dar outros significados a gestos e palavras, e isto tem sido feito ao longo da história por várias razões práticas. As sociedades secretas de China antiga fizeram uso de técnicas bem sutis de sinalização que abrangiam a maior parte do comportamento social (a maneira de organizar xícaras; de beber; de declamar poemas interrompendo-os em determinados pontos). A necessidade de um idioma secreto, de contra-senhas, é inseparável de qualquer tendência em jogo. No final das contas, qualquer sinalização ou palavra é suscetível de ser convertida em qualquer outra coisa, até mesmo em seu contrário. Os insurgentes monarquistas do Vendée, por conduzirem a asquerosa imagem do Sagrado Coração de Jesus, foram chamados de Exército Vermelho. No domínio limitado do vocabulário político de guerra esta expressão foi completamente deturnada durante um século.

Fora da linguagem, é possível usar os mesmos métodos para deturnar roupas, com todas suas fortes conotações emocionais. Aqui novamente encontramos a noção de disfarce que é inerente ao jogo. Finalmente, quando alcançamos à fase de construir situações — a meta última de toda nossa atividade — todo mundo será livre para deturnar situações inteiras mudando deliberadamente esta ou aquela condição que as determina.

Não apresentamos estes métodos brevemente expostos aqui como algo inventado por nós, mas como uma prática geralmente difundida a qual nos propomos sistematizar.

Em si mesma, a teoria da deturnação bem pouco nos interessa. Contudo achamos que ela está ligada à quase todos os aspectos construtivos do período pré-situacionista da transição. Assim seu enriquecimento, pela prática, parece necessário.

Futuramente prosseguiremos no desenvolvimento dessas teses.

GUY DEBORD, GIL J WOLMAN


[NOTAS DO TRADUTOR]

1. A palavra francesa détournement significa desvio, diversão, reencaminhamento, distorção, abuso, malversação, seqüestro, ou virar ao contrário do curso ou propósito normal. Às vezes é traduzida como «diversão», mas esta palavra gera confusão por causa de seu significado mais comum como entretenimento inativo. Como a maioria das outras pessoas que de fato pratica o deturnação, eu simplesmente preferi aportuguesar a palavra francesa.

2. Os autores estão deturnando uma sentença do Manifesto Comunista: «O baixo preço das mercadorias da burguesia foi a artilharia pesada que derrubou todas as muralhas da China, que forçou a capitulação do intenso, obstinado e bárbaro ódio aos estrangeiros».

3. Na primeira cena imagina-se uma frase de uma tragédia grega (Oedipus em Colonus de Sófocles) sendo colocada na boca de Maximilien Robespierre, líder da Revolução francesa . Na segunda, uma frase de Robespierre sendo colocada na boca de um motorista de caminhão.

4. Beethoven originalmente nomeou sua terceira sinfonia em homenagem a Napoleão (tido como defensor da Revolução Francesa), mas quando Napoleão coroou a si mesmo como imperador o compositor rasgou furiosamente tal dedicatória renomeando-a como «Heróica». A alusão a Lenin nesta passagem (como eventualmente é mencionado em «estados operários» no «Relatório na Construção de Situações» de Debord) é um vestígio de um vago anarco-trotskyismo nos primitivos letristas, em um período politicamente menos sofisticado.


Este artigo foi publicado no jornal surrealista belga Les Lèvres Nues #8 (maio de 1956).

Traduzido por Railton Sousa Guedes com base na versão inglesa de Ken Knabb (com ligeiras modificações da versão «Métodos de Deturnação» na Antologia Situacionista Internacional).

(O material acima é livre para o uso pessoal ou não comercial)

Vide também (em inglês) [Deturnação como Negação e Introdução]


TRADUÇÃO 2

 

UM GUIA PRÁTICO PARA O DESVIO

Toda pessoa razoavelmente consciente de nosso tempo já se deu conta do fato óbvio de que a arte não pode mais ser considerada como uma atividade superior, ou mesmo como uma atividade compensatória para a qual alguém pode honradamente se devotar. A razão para tal deterioração é com certeza a emergência de forças produtivas que necessitam de outras relações de produção e de uma nova prática de vida. Na fase de guerra civil na qual estamos envolvidos, e em estreita conexão com a orientação que estamos descobrindo para certas atividades superiores que virão, nós acreditamos que todos os meios de expressão vão convergir num movimento geral de propaganda e precisam englobar todos os aspectos perpetuamente interativos da realidade social.

Existem várias opiniões conflitantes sobre as formas e mesmo sobre a própria natureza da propaganda educativa, opiniões que geralmente refletem uma ou outra variedade de política reformista atualmente em voga. É suficiente dizer que, do nosso ponto de vista, as premissas para a revolução, tanto no plano cultural quanto no estritamente político, não só estão maduras, mas já começaram a apodrecer. Não estão apenas retornando a um passado que é reacionário; mesmo os objetivos culturais «modernos» são em última análise reacionários, já que dependem de formulações ideológicas de uma sociedade arcaica que prolongou sua agonia de morte até o presente. A única tática historicamente justificada é a inovação extremista.

A herança literária e artística da humanidade deve ser usada para objetivos propagandísticos de guerrilha. É, evidentemente, necessário ir além do mero escândalo. Já que a oposição à noção burguesa de arte e gênio artístico se tornou há muito um sapato velho, o bigode que Duchamp pintou na Mona Lisa não é mais interessante do que a própria Mona Lisa sem bigode. Nós precisamos empurrar este processo ao ponto de negar a negação. Bertold Brecht, revelando numa entrevista recente no France-Observateur que ele faz cortes nos clássicos do teatro de forma a fazer as performances mais educativas, está muito mais perto da orientação revolucionária que estamos propondo do que Duchamp. Entretanto, devemos notar que, no caso de Brecht, estas saudáveis alterações estão mediocremente limitadas por seu desafortunado respeito à cultura, da forma como é definida pela classe dominante - esse mesmo respeito, ensinado tanto nos jornais dos partidos operários quanto nas escolas primárias da burguesia, e que leva até os distritos operários mais roxos de Paris a sempre preferir o El Cid [um filme de Hollywood] à Mãe Coragem [uma peça de Brecht].

Na verdade é necessário eliminar todos os vestígios da noção de propriedade pessoal nesta área. A aparição de novas necessidades torna as obras «inspiradas» anteriores obsoletas. Elas se tornam obstáculos, vícios perigosos. Não se trata de discutir se nós gostamos ou não delas. Nós precisamos superá-las.

Quaisquer elementos, não importa de onde forem tirados, podem ser usados para fazer novas combinações. As descobertas da poesia moderna a respeito da estrutura analógica das imagens demonstra que quando dois objetos são unidos, não importa quão distantes os seus contextos originais, uma relação é sempre formada. Se restringir a um arranjo pessoal de palavras é mera convenção. A interferência mútua de dois mundos sensíveis, ou a união de duas expressões independentes, supera os elementos originais e produz uma organização sintética de grande eficácia. Qualquer coisa pode ser usada.

Está implícito que não há limite para corrigir uma obra ou para integrar diversos fragmentos de trabalhos obsoletos em um novo; pode-se alterar o significado desses fragmentos de qualquer forma apropriada, deixando aos imbecis a sua escravidão às referências e às «citações».

Tais métodos parodísticos foram frequentemente usados para obter efeitos cômicos. Mas tal humor é o resultado de contradições dentro de uma condição cuja existência não é posta em questão. Já que o mundo da literatura nos parece quase tão distante quanto a idade da pedra, tais contradições não nos fazem rir. Torna-se necessário conceber então um estágio paródico-sério no qual a acumulação de elementos desviados, longe de procurar despertar indignação ou riso ao aludir a um trabalho original, expressará nossa indiferença em relação a um original insignificante e esquecido, e que procura proporcionar uma espécie de sublimação.

Lautréamont avançou tanto nessa direção que ele é ainda parcialmente mal entendido mesmo pelos seus mais ostentosos admiradores. A despeito de ser óbvio que ele aplicou esse método à linguagem teórica em Poésies - onde Lautréamont (baseando-se particularmente nas máximas de Pascal e Vauvenargues) esforça-se para reduzir o argumento, através de sucessivas concentrações, a simples máximas - um certo Viroux causou bastante sensação três ou quatro anos atrás ao demonstrar conclusivamente que Maldoror é um vasto desvio de Buffon e de outras obras de história natural, além de outras coisas. O fato de que os prosaístas do Figaro, como o próprio Viroux, foram capazes de vê-lo como uma justificativa para denegrir Lautréamont, e de que outros acreditaram que deveriam defendê-lo exaltando sua insolência, apenas testemunha a senilidade destes dois bandos de caquéticos em combate cortês. Um slogan como «O plágio é necessário, o progresso o pressupõe» é ainda pouco compreendido, e pelas mesmas razões, como na frase famosa sobre a poesia que «deve ser obra de todos».

Fora o trabalho de Lautréamont - cujo aparecimento tão à frente de seu tempo o preservou em larga medida de uma crítica precisa - as tendências rumo ao desvio observadas na expressão contemporânea são na maior parte inconscientes ou acidentais. É na indústria do marketing, mais do que na produção estética decadente, que podemos encontrar os melhores exemplos.

Podemos começar definindo duas categorias principais de elementos desviados, sem considerar se, ao serem unidos, os originais passam por algum tipo de correção. Estes são os desvios menores e os desvios enganadores.

Desvios menores são os desvios de um elemento que não tem importância própria, e que portanto toma todo seu significado do novo contexto onde foi colocado. Por exemplo, um resumo informativo, uma frase neutra, uma foto lugar-comum.

Desvios enganadores, também chamados desvios com proposta premonitória, são por outro lado o desvio de um elemento intrínsecamente significativo, o qual toma um dimensão diferente a partir do novo contexto. Um slogan de Saint-Just, por exemplo, ou uma sequência cinematográfica de Eisenstein.

Obras extensivamente desviadas serão portanto geralmente compostas de uma ou mais séries de desvios enganadores e menores.

Várias normas de utilização do desvio podem agora ser fomuladas.

O elemento que contribui mais decisivamente para a impressão geral é o elemento mais distante, e não os elementos que determinam diretamente a natureza da impressão. Por exemplo, num metagrafo [poema-colagem] relacionado à guerra civil espanhola, a frase com o sentido revolucionário mais claro é um fragmento de um comercial de batom: «Lábios bonitos são vermelhos». Em outro metagrafo, («A Morte de J.H.») 125 anúncios classificados de bares à venda expressam um suicídio mais dramaticamente do que as reportagens de jornal que o noticiaram.

As distorções introduzidas nos elementos desviados devem ser as mais simples possíveis, já que o impacto de um desvio é diretamente proporcional à memória consciente ou semiconsciente dos contextos originais dos elementos. Isto é bem sabido. Permita-nos apenas notar que se esta dependência da memória implica que deve-se determinar o público-alvo antes de planejar-se um desvio, isto é apenas um caso particular de uma norma geral que governa não só o desvio como também outras formas de ação neste mundo. A idéia da expressão pura e absoluta está morta; ela sobrevive temporariamente em forma de paródia apenas enquanto o nosso inimigo sobreviver.

O desvio se torna menos efetivo à medida que se aproxima de uma resposta racional. Este é o caso de um grande número de máximas alteradas de Lautréamont. Quanto mais o caráter racional da resposta é aparente, mais difícil fica distinguí-lo de uma réplica ordinária, que também usa as próprias palavras do oponente para atacá-lo. Foi por esta razão que objetamos o projeto de alguns de nossos camaradas que propuseram o desvio de um cartaz anti-soviético da organização fascista «Paz e liberdade» - a qual proclamou, entre imagens de bandeiras das potências ocidentais, «A união faz a força» - adicionando a isto uma folha menor com a frase «e a coalizão faz a guerra».

O desvio pela simples inversão é sempre o mais direto e o menos efetivo. Portanto, a missa negra reage contra a construção de um ambiente baseado numa metafísica dada, construindo um ambiente dentro da mesma lógica, que simplesmente inverte - e portanto simultaneamente conserva - os valores dessa metafísica. Entretanto, tais inversões podem reter um certo aspecto progressista. Por exemplo, Clemenceau [chamado «O Tigre»] pode ser referido como «O Tigre chamado Clemenceau».

Das quatro normas propostas, a primeira é essencial e universalmente aplicável. As outras três são praticamente aplicáveis apenas a elementos desviados enganosamente.

As primeiras consequências visíveis do uso amplo do desvio, além do seu poder intrínseco de propaganda, será o ressurgimento de uma multidão de livros ruins, e portanto a extensa (e não almejada) participação de seus autores desconhecidos; uma transformação crescente de frases ou obras de arte que por acaso estejam na moda; e sobretudo uma facilidade de produção que ultrapassará de longe em quantidade, variedade e qualidade a escrita automática que nos entediou por tanto tempo.

O desvio não leva apenas à descoberta de aspectos novos do talento; somando-se a isso, e se chocando contra todas as convenções sociais e legais, não poderá falhar em se tornar uma arma cultural a serviço da verdadeira luta de classes. Os seus produtos baratos são a artilharia pesada que derruba todas as Muralhas da China do conhecimento (1). É um verdadeiro meio de educação artística do proletariado, o primeiro passo em direção a um comunismo literário.

Idéias e criações no reino do desvio podem ser multiplicadas à vontade. Por hora nos limitaremos a mostrar algumas poucas possibilidades concretas em vários setores atuais de comunicação - ficando claro que esses setores separados só têm significado em relação às tecnologias atuais, e tendem a se fundir em sínteses superiores com o avanço dessas tecnologias.

À excessão dos vários usos diretos de frases desviadas em cartazes, discos e programas de rádio, as duas principais aplicações da prosa desviada são os escritos metagráficos e, em menor grau, a perversão astuta do formato clássico dos quadrinhos.

Não há muito futuro no desvio de quadrinhos completos, mas durante a fase de transição talvez haja um certo número de realizações deste tipo.Tais desvios têm a vantagem de ser acompanhados de ilustrações cujas relações com o texto não são imediatamente óbvias. A despeito de inegáveis dificuldades, nós acreditamos que seja possível produzir um desvio psicogeográfico instrutivo da Consuelo de George Sand, que assim desfigurado poderia ser relançado no mercado literário disfarçado sob um título inócuo como «A Vida no Subúrbio», ou mesmo com um título também desviado, como «A Patrulha Perdida». (Seria uma boa idéia reutilizar dessa maneira vários títulos de velhos filmes deteriorados dos quais nada resta, ou de filmes que continuam a assassinar as mentes dos jovens nos cinemas).

A escrita metagráfica, não importa quão obsoleto seja o seu suporte plástico, apresenta oportunidades muito mais ricas para o desvio da prosa, bem como de outros objetos ou imagens. Pode-se ter uma uma idéia disto através do projeto, concebido em 1951 mas eventualmente abandonado por falta de recursos financeiros suficientes, que propunha uma máquina de fliperama, disposta de tal forma que o jogo de luzes e as trajetórias mais ou menos esperadas das bolas formariam uma composição metagráfica-espacial intitulada Sensações Térmicas e Desejos de Pessoas Passando Pelos Portões do Museu Cluny Por Volta de Uma Hora Após o Pôr-do-sol em Novembro. Desde então nós nos demos conta de que uma proposta analítica-situacionista não pode avançar cientificamente através de semelhantes empreitadas. No entanto, os meios permanecem adequados para objetivos menos ambiciosos.

É obviamente no reino do cinema que o desvio pode alcançar a sua maior eficácia e, para os que se preocupam com este aspecto, a sua maior beleza.

Os poderes do filme são tão amplos, e a ausência de coordenação de tais poderes é tão evidente, que virtualmente qualquer filme que está acima da miserável média pode fornecer material para polêmicas infindáveis entre expectadores ou críticos profissionais. Apenas o conformismo dessas pessoas as impede de descobrir encantos igualmente sedutores e defeitos igualmente óbvios mesmo nos piores filmes. Para dissecar essa absurda confusão de valores, podemos observar que Birth of a Nation [O Nascimento de uma Nação, um filme épico mudo sobre a história dos Estados Unidos] de Griffith é um dos filmes mais importantes da história do cinema, graças às inovações que introduziu. Por outro lado, é um filme racista e portanto não merece ser exibido em sua presente forma. Mas sua proibição total poderia ser tida como equívoco do ponto de vista secundário, mas potencialmente mais importante, do cinema. Seria melhor desviá-lo por completo, sem necessariamente alterar mesmo a montagem, adicionando uma trilha sonora que fizesse uma poderosa denúncia dos horrores da guerra imperialista e das atividades do Ku Klux Klan, que continuam até o presente dia.

Tal desvio - de fato bastante moderado - é em última análise nada mais do que o equivalente moral da restauração das pinturas antigas nos museus. Mas a maioria dos filmes só merecem ser cortados para compor outros trabalhos. Esta reconversão de sequências preexistentes será obviamente acompanhada de outros elementos, musicais ou pictóricos, bem como históricos. Enquanto a história continua sendo reescrita pelo cinema, até o presente momento, à maneira das recriações burlescas de Sacha Guitry, poderíamos ter Robespierre dizendo logo antes de sua execução: «A despeito de tantos julgamentos, minha experiência e a grandeza de minha tarefa me convencem de que tudo está bem.» Neste caso a reutilização apropriada de uma tragédia grega nos permite exaltar Robespierre, e por outro lado podemos imaginar uma sequência de estilo neo-realista, no caixa de um bar de estrada, com um caminhoneiro dizendo sériamente a outro: «A ética era préviamente confinada nos livros dos filósofos; nós a introduzimos na governança das nações.» Pode-se ver que esta justaposição ilumina a idéia de Maximilien, a idéia da ditadura do proletariado. (2)

A luz do desvio se propaga em linha reta. À medida que a nova arquitetura parece ter começado com um estágio barroco experimental, o complexo arquitetônico - o qual é concebido como a costrução de um ambiente dinâmico relacionado a estilos de comportamento - provavelmente desviarão formas arquiteturais existentes, e de qualquer maneira farão uso plástico e emocional de todos os tipos de objetos desviados: a organização cuidadosa de coisas tais como guindastes ou andaimes que substituem uma tradição escultural falecida. Isto é chocante apenas para os admiradores mais fanáticos dos jardins de estilo francês. Conta-se que na sua velhice D'Annunzio, esse porco pró-fascista, tinha a proa de um navio torpedeiro em seu jardim. Deixando de lado os seus motivos patrióticos, a idéia de tal monumento não deixa de ter seu charme.

Se o desvio fosse extendido às realizações urbanísticas, poucos ficariam insensíveis à reconstrução exata de toda uma vizinhança de uma cidade em outra. A vida é sempre um labirinto: desviá-la dessa maneira a tornaria verdadeiramente bela.

Os próprios títulos, como já vimos, são elementos básicos do desvio. Isto advém de duas observações gerais: que todos os títulos são intercambiáveis e que eles têm uma importância decisiva em vários gêneros. Todas as histórias de detetive da série «Noir» são extremamente semelhantes, e mudar contínuamente os títulos é suficiente para manter a audiência. Na música o título sempre exerce uma grande influência, mas sua escolha é arbitrária. Portanto não seria uma má idéia fazer uma correção final ao título da «Sinfonia Eroica» mudando-a, por exemplo, para «Sinfonia Lênin». (4)

O título contribui fortemente para o desvio de um trabalho, mas existe uma inevitável ação contrária do trabalho no título. Portanto podemos fazer vasto uso de títulos específicos tirados de publicações científicas («Biologia Costeira de Mares Temperados») ou militares («Pequenas Unidades de Infantaria em Combate Noturno»), ou mesmo de muitas frases achadas em livros infantis ilustrados («Paisagens Maravilhosas Acenam aos Viajantes»).

Finalmente, faremos breve menção a alguns aspectos do que chamamos de ultradesvio, ou seja, as tendências para a o funcionamento do desvio na vida social quotidiana. Gestos e palavras podem tomar outros sentidos, como de fato ocorreu durante toda a história, por várias razões práticas. As sociedades secretas da China antiga faziam uso de sinais de reconhecimento muito sutis, associados às boas maneiras (a forma de dispôr xícaras; de beber; citações poéticas em pontos pré-combinados). A necessidade de uma linguagem secreta, de senhas, é inseparável de uma tendência à brincadeira. No final das contas, qualquer sinal ou palavra é passível de ser convertido em outra coisa, e até no seu oposto. Os insurgentes realistas de Vendée, pelo fato de usarem a imagem nojenta do Sagrado Coração de Jesus, eram chamados de Exército Vermelho. No estreito domínio do vocabulário da guerra política esta expressão foi completamente desviada em menos de um século.

Linguagem à parte, é possível usar os mesmos métodos para desviar roupas, com todas suas fortes conotações emocionais. Aqui podemos encontrar novamente a noção de disfarce intimamente ligada à brincadeira. Finalmente, quando chegarmos ao momento de construir situações -- o objetivo último de toda nossa atividade -- todos serão livres para desviar situações inteiras através de mudanças deliberadas desta ou daquela condição determinante.

Os métodos aqui brevemente descritos não são apresentados como de autoria nossa, mas como uma prática bastante difundida a qual procuramos sistematizar.

Em si, a teoria do desvio pouco nos interessa. Mas parece-nos que ela está ligada a quase todos os aspectos construtivos do período de transição pré-situacionista. Portanto, julgamos que seu enriquecimento através da prática seja necessário.

Nós deixaremos o desenvolvimento dessas teses para mais tarde.

GUY DEBORD, GIL J WOLMAN

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[NOTAS DO TRADUTOR]

(1) Os autores estão desviando uma frase do Manifesto Comunista: «Os produtos baratos da burguesia são a artilharia pesada com a qual ela derruba todas as Muralhas da China, com a qual ela força o ódio obstinado dos bárbaros a capitular.»

(2) Na primeira cena imaginada a frase de uma tragédia grega (Édipo em Colonus, de Sófocles) é colocada na boca do líder revolucionário francês Maximilien Robespierre. Na segunda, uma frase de Robespierre é colocada na boca de um caminhoneiro.

(3) Beethoven deu originalmente à sua terceira sinfonia o nome de Napoleão (visto como o defensor da Revolução Francesa), mas quando Napoleão proclamou a si mesmo imperador, rasgou em fúria a dedicatória que havia feito e mudou o título para «Eroica». O respeito implícito que esta passagem dá a Lênin (como as breves referências a «Estados Operários» no trabalho «Relatório sobre a Construção de Situações» de Debord) é um vestígio de um vago anarco-trotskismo do período inicial e menos politicamente sofisticado dos autores.

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Este artigo apareceu no jornal surrealista belga Les Lèvres Nues #8 (Maio 1956).

Traduzido [para o inglês] por Ken Knabb (levemente modificado a partir da versão intitulada «Métodos de Desvio» na Antologia da Internacional Situacionista). Esta versão portuguesa foi traduzida a partir do texto inglês de Knabb, disponível no site www.bopsecrets.org pelo Sindicato do Rock.

Sem direitos autorais.

 

[Tradução enviada pelo «Sindicato do Rock» www.sindicatodorock.cjb.net.]


Obra Cinematográfica Completa de Guy Debord

INTRODUÇÃO

SCRIPTS
Uivos para Sade (1952)
No Caminho de Algumas Pessoas por um Curto Período de Tempo (1959)
Crítica da Separação
(1961)
A Sociedade do Espetáculo filme (1973)
Refutação de Todos os Julgamentos, Pró ou Contra, Sobre o Filme A Sociedade do Espetáculo (1975)
In girum imus nocte et consumimur igni (1978)


DOCUMENTOS
Deturnação: Guia para Usuários
Notas Técnicas dos Primeiros Três Filmes
Carta sobre Passagem
Por um Julgamento Revolucionário da Arte

Na Sociedade do Espetáculo (resposta a uma crítica do livro)
Cinema e Revolução
Na Sociedade do Espetáculo (lançamento do filme)
O Uso de Filmes Roubados
Temas de In girum
Instruções para o Engenheiro de Som de In girum
Introdução à Obra Cinematográfica Completa de Guy Debord

 

Traduzido por Railton Sousa Guedes
Fonte de consulta:
http://www.bopsecrets.org/ 


OUTROS ESCRITOS DE DEBORD (versões retiradas de http://www.terravista.pt/IlhadoMel/1540 e adaptadas)

A Sociedade do Espetáculo
Panegírico


Dossiê Situacionista e textos de Debord publicados pela Biblioteca Virtual Revolucionária

Dossiê Internacional Situacionista

Perspectivas da transformação consciente da vida quotidiana


Teses sobre a revolução cultural

Introdução a uma crítica da geografia urbana


Texto de Phil Baker

Cidade Secreta: Psicogeografia e Devastação de Londres -- Um Ensaio de Phil Baker



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