Pop Five Music Incorporated


(crédito: Aristides Duarte)

No Porto , em finais de 1967, formam-se os Pop Five Music Incorporated. A banda era constituída por David Ferreira (órgão Hammond, piano, guitarra e voz), António Brito (baixo, guitarra e voz), Paulo Godinho (voz, teclas e guitarra- irmão de Sérgio Godinho), Álvaro Azevedo (bateria) e Luís Vareta (baixo e voz).

O estilo da sua música era caracterizado por ter grandes influências "jazzísticas", próximas da fusão. No final do ano gravam o seu primeiro disco com o título da banda, para a editora Arnaldo Trindade, que incluía algumas versões de temas dos Beatles, Creedence Clearwater Revival, Traffic, Bee Gees e um tema de Bach "Jesus Alegria dos Homens". No entanto, essas versões não eram cópias, incluíam muitas improvisações dos membros da banda.

Foi um dos primeiros grupos portugueses a gravar em estereofonia, quando isso era raro pelas bandas deste jardim à beira mar plantado. A banda começou por gravar em duas pistas, nos Estúdios da RTP, no Monte da Virgem e, mais tarde, em Inglaterra, num estúdio com dezasseis pistas, o que era o máximo tecnicamente possível, à época.

O grupo principiou a as actuações em Festas e Bailes de Finalistas e resolveu modificar o seu repertório, passando este a incluir temas de Jeff Beck, Chicago e Blood, Sweat & Tears, ou seja, passou a estar mais próximo de um tipo de música mais pesado; que viria a ser chamado Hard-Rock.

António Brito (mais tarde conhecido por Tozé Brito) saiu da banda para o Quarteto 1111 e David Ferreira também abandonou. Para os seus lugares entrou Miguel Graça Moura, pianista com formação clássica e que determinou os novos rumos da banda. Este Miguel Graça Moura é o mesmo que até há pouco tempo dirigiu a Orquestra Metropolitana de Lisboa e que, nos anos 70 faria parte do grupo Smoog (nome derivado do sintetizador Moog.

Com a entrada de Miguel, a banda começou a escrever e interpretar originais que começaram por ser cantados em português. Desta fase foram editados "Menina" e "Homens do Mar" que não tiveram grande aceitação pública.

A banda resolveu regressar em força com um tema original cantado em inglês "Page One" (2) que ficaria conhecido como o indicativo do programa "Página Um" da Rádio Renascença . Este "single" incluía no lado 2 uma ária de Bach e foi lançado em diversos países europeus e não só.

Em 1970 gravam novo tema de sucesso: "Orange", um tema que incluía um longo solo de órgão tocado por Graça Moura. Em 1971 sai " Stand By", um tema de Rock Pesado, muito semelhante aos que faziam grupos como os Uriah Heep, Deep Purple ou Led Zeppelin. O lado B deste "single" era o tema "Golden Egg", composto por Miguel Graça Moura.

Actuam na edição de 1971 do Festival de Vilar de Mouros e obtêm grande sucesso, uma vez que o público gostava da banda. Foi neste Festival que o público pode apreciar as "performances" dos dois melhores teclistas da época: Miguel Graça Moura e José Cid (que actuou no Quarteto 1111).

Um dos sonhos da banda tornar-se-ia realidade com a ida a Londres para gravar vários temas que seriam, posteriormente, editados em "single": "Take Me To The Sun", "No Time To Live", "That's The Way", etc.

Em 1972 a banda separa-se. Álvaro Azevedo fará parte dos Arte & Ofício e Trabalhadores do Comércio. Graça Moura viria a dedicar-se à sua faceta de músico com formação clássica, após abandonar o Rock e Paulo Godinho participaria nas gravações de vários discos de músicos portugueses , incluindo os do seu irmão, até emigrar. Tozé Brito tornar-se-ia cantor e, mais tarde, executivo de uma multinacional discográfica, com escritório em Portugal.

Já em Fevereiro do corrente ano, foi lançado o CD duplo "Odisseia - Obra Completa 1968-1972", reproduzido na imagem, que inclui toda a discografia gravada pela banda, contendo ainda alguns temas gravados em Inglaterra e nunca editados. O CD, composto por 32 temas, contém "Mission Impossible", tema original da série de televisão, três temas dos Beatles ("O Bla Di O Bla Da", "Blackbird" e "Birthday"), um tema dos Traffic ("Medicated Go""), o famoso "Proud Mary" dos Creedence, "To Love Somebody" dos Bee Gees, "Adágio" de Albioni, "Fire" de Jimmi Hendrix, "Hush" de Joe South (tema muito famoso numa versão dos Deep Purple) e todos os originais da banda, cantados em inglês e em português.

Como bónus, este CD duplo inclui um DVD com a gravação que a banda fez , no dia 3 de Janeiro de 2003, na Discoteca Estado Novo, no Porto, aquando da sua reunião com a formação original. A história do Pop/Rock português reservará uma página importante ao grupo referido nesta crónica.


Pop Five Music Inc
Artigo de Miguel Francisco Cadete no "Público" de 6 de Fevereiro de 2004

Portugal. 1968. Há anos que o país está emaranhado numa guerra que tem lugar noutro continente mas sabe pouco do que se passa na Europa. Os Beatles, entretanto, já tinham revolucionado o mundo - pelo menos o mundo ocidental - e em Lisboa, no Porto ou Coimbra surgiam as primeiras manifestações, ainda que inocentes, caricaturais ou simplesmente amadoras daquilo que era tomado como música rock. Ou melhor, no princípio era o yé-yé, música com guitarras eléctricas para inconscientes bailes de finalistas ou folclóricos concursos no Teatro Monumental.

Em Coimbra, que atraía os jovens com pretensões académicas, nascia a música de intervenção, nitidamente colada à oposição que se fazia ao regime. O Porto mantinha o seu estatuto provinciano, aliás como o resto do país. E as bandas de rock surgiam nos liceus e em zonas residenciais como as Antas e a Foz. Foi quando o yé-yé já estava a dar o berro que surgiram os Pop Five Music Incorporated, também eles praticantes da readaptação dos clássicos da música pop mas com orgulho suficiente para ousarem alguma criatividade.

Juntamente com o Quarteto 1111, os Pop Five Music Incorporated cometeram a proeza de inaugurar os anos 70 da música rock em Portugal. Constituídos, à altura da sua formação, por David Ferreira (órgão, voz), António Brito (baixo e guitarra, mais conhecido por Tózé Brito, hoje administrador da editora Universal), Luís Vareta (baixo e viola), Paulo Godinho (voz e viola, irmão de Sérgio Godinho) e Álvaro Azevedo (bateria), os Pop Five estiveram quase a tornar-se um caso sério da música rock quando assinaram contrato discográfico com a etiqueta Orfeu de Arnaldo Trindade, a mesma que editava os discos de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, entre muitos outros nomes maiores da música portuguesa. Durante cinco anos mantiveram uma carreira "impossível" no tal país "orgulhosamente só", que lhes valeu a edição de um álbum, dois EPs e seis singles. Findaram-se em 1972, quando a popularidade se desvanecia e a chamada para a guerra dos seus músicos desfazia a possibilidade de continuar.

Mais de 30 anos depois, a sua obra integral é reeditada em CD: "Odisseia - Obra Completa 1968-1972" é também um documento histórico sobre a juventude portuguesa no final dos anos 60. Afinal, tal como hoje, eles imitavam os seus ídolos e permitiam-se a evasão de cantar em inglês para um povo maioritariamente analfabeto. Uma forma subtil de dizer que eram do contra? O baterista Álvaro Azevedo viria mais tarde a fazer parte dos Arte & Ofício e dos Trabalhadores do Comércio (mas nunca esteve nos Psico, ao contrário do que apareec em várias biografias), e foi o principal obreiro desta reedição dos Pop Five Music Inc.

Hoje dedica-se à exploração de um bar-discoteca no Porto, e não tem medo em confessar: "Todos os grupos nascem da mesma maneira. São grupos de amigos na adolescência, com 17 ou 18 anos, e a nós aconteceu o mesmo. Quando nos juntámos, só queríamos tocar em festas de amigos e nas garagens. Um de nós tinha uma garagem grande e era aí que ensaiávamos, com um amplificador, uma aparelhagem de vozes e os instrumentos. Não havia meios técnicos: ligávamos o baixo, a guitarra e a organeta no mesmo amplificador. Mas as coisas foram evoluindo e das garagens passámos para as festas de finalistas e para os festivais no Verão com mais três ou quatro grupos. Nós, tal como os grupos de baile, ouvíamos os Beatles e os Stones na rádio - porque, na altura, os discos eram artigos de luxo - mas não nos limitávamos a copiar. À época existiam grupos tecnicamente melhores mas nós éramos mais atrevidos. Não é que transformássemos as músicas das quais fazíamos versões mas tentávamos não copiar. Se não conseguíssemos tirar o solo, fazíamos o solo à nossa maneira."

A situação era comum nos grupos portugueses que se dedicavam ao rock. As versões dos Beatles e dos Shadows faziam, quase obrigatoriamente, parte do reportório. Mais do que forjar uma identidade própria, os grupos dedicavam-se ao mais puro entretenimento, ainda que com variações introduzidas devido à falta de técnica, como acontecia com os Pop Five. A inexistência de discos do género no mercado criava também uma oportunidade, logo identificado pelas companhias discográficas, que substituíam os originais Beatles e Shadows pelos seus correspondentes portugueses.

No caso de Arnaldo Trindade e da marca de discos Orfeu, depois dos acontecimentos de 1968 em França, é natural que existisse uma associação do rock a uma certa contracultura. Em 1970, o primeiro álbum dos Quarteto 1111 entra para a história como o primeiro disco de rock português a ser censurado pelo regime. E a bem dizer, os Pop Five Music Inc também fizeram parte do reviralho, ainda que de forma completamente inconsciente. "Os discos não chegavam cá a tempo e horas", continua Álvaro Azevedo, "e nós começámos a ser conhecidos no Porto e arredores devido às festas que fazíamos. Isso chegou aos ouvidos da editora Orfeu, que na altura era representada pelo Carlos Cruz e pelo Viale Moutinho. São eles que nos aparecem no local onde ensaiávamos para que lhes tocássemos o 'Ob-la-di Ob-la-da" e o 'Blackbird', dos Beatles. Como esses discos não existiam no mercado, propuseram-nos gravar versões daquilo. Não digo que fossem discos de ouro ou platina, mas vendiam-se muito bem. Por outro lado, não havia consciência política. Mas recordo-me de, naquela altura, dormir com os discos do Zeca Afonso debaixo da cama. O Arnaldo Trindade pedia para nós guardarmos aqueles discos que um dia destes viria buscá-los. E nós nem sabíamos qual era o problema, se era a PIDE ou o que era... Recordo-me de ter 200 ou 300 discos debaixo da cama sem saber porquê."

Isolado do mundo, Portugal mantinha-se como uma espécie de ave rara onde não sopravam os ventos dos "swinging sixties" londrinos. O bloqueio era apenas desfeito por programas de rádio, como o "Em Órbita" ou pelos raros amigos que iam a Inglaterra e traziam as últimas novidades discográficas. É assim que os Pop Five acompanham o que se vai fazendo lá fora, para mais tarde gravarem as suas versões. Os dois primeiros EPs, editados em 1968 e 1970 já incluem, no entanto, um original de TóZé Brito ("You'll see") no meio de versões dos Beatles ("Ob-la-di..." e "Birthday") e do "Adagio" de Albinoni, esta muito devido à formação clássica que os teclistas dos Pop Five gostavam de ostentar.

Um virtuosismo que contrastava gritantemente com a candura das suas primeiras gravações, registadas em inacreditáveis duas pistas nos estúdios do Monte da Virgem, em Vila Nova de Gaia. Mas da pop "bubblegum" dos seus primeiros dois EPs, os Pop Five aderem rapidamente a uma pompa e circunstância só possível pela entrada de Miguel Graça Moura (até há pouco maestro da Orquestra Metropolitana de Lisboa), logo depois do abandono de TóZé Brito e David Ferreira. O primeiro álbum, ainda que exclusivamente repleto de versões de clássicos (Beatles, Traffic, Bee Gees, Creedence Clearwater Revival, Jimi Hendrix, George Harrison) demonstrava uma maior maturidade e ambição, e até foi gravado em quatro pistas. Intitulava-se "A Peça" e tinha início com uma muito conceptual "Overture", a que se seguia uma versão jazzística de "Jesus, Alegria dos Homens", composição original de J.S. Bach. O dedo de Graça Moura fazia-se sentir.

"made in England". Os grupos portugueses de rock começavam então a despontar e, a par dos Pop Five, muitos outros iniciavam-se na gravação de discos e a fazer concertos. Para Azevedo, vivia-se mesmo uma época fervilhante, ainda que sem a mediatização que viria a marcar o rock português surgido na década de 80. "Os nossos discos começaram a ouvir-se na rádio e até surgiam algumas críticas na revista 'Flama' e nalguns outros jornais. Já existiam os Chinchilas [de Filipe Mendes], os Zoo [de Guilherme Inês], o Quinteto Académico, e ainda apanhámos a fase final do yé-yé, dos Sheiks ou do Conjunto de Sousa Pinto. E existiam muitos grupos de baile... Nós éramos diferentes, éramos um grupo de rock, ou de pop. O que não impedia que muitas vezes, em algumas festas, nos viessem perguntar: 'Será que vocês podem tocar um tango?'"

Para os Pop Five Music Inc, o reconhecimento chegaria logo em 1970, quando gravaram o tema "Page One" (2), indicativo de um programa de rádio de José Manuel Nunes, o "Página Um", emitido pela Renascença e que veio a ter uma importância similar à do "Em Órbita" pela divulgação que fazia da música pop, rock e folk de origem anglo-saxónica. Os Pop Five transformavam-se em estrelas à medida do país. O single chegou mesmo a ser editado em vários territórios internacionais como o Brasil, Austrália, Holanda, França e Alemanha, com a particularidade de o lado B, "Ária para a 4ª Corda", outra composição de Bach, ter sido escolhida nalguns casos como o tema principal.

A preponderância de Miguel Graça Moura voltava a fazer-se sentir, levando os Pop Five para os caminhos de uma música com pretensões eruditas. No single seguinte, outro dos seus temas mais popularizados, "Orange", a importância de Graça Moura volta a ser notória, não só devido à orquestração mas também ao gigantesco solo de órgão. Os Pop Five mostravam-se a par do seu tempo, acompanhando o trabalho de bandas como os Procol Harum ou dos belgas Wallace Collection. E voltavam a acertar na "mouche".

Os dois últimos singles correram tão bem, comercialmente falando, que a editora Orfeu levou os Pop Five para Londres, onde haviam de gravar os seus três derradeiros singles. Para trás tinha ficado a tentativa de cantar em português, "mais por imposição dos homens da rádio", que se veio a mostrar falhada com o single "Menina" / "Homens do Mar". Em Inglaterra, os Pop Five deparam-se nos Estúdios Pye - os mesmos onde José Afonso gravou os álbuns "Traz Outro Amigo Também" e "Coro dos Tribunais" - com uma megalómana mesa de gravação de 16 pistas e, pela primeira vez, passa a fazer sentido a expressão "made in England" que mandavam imprimir nas capas de todos os seus discos.

De uma assentada, o grupo grava os seis temas que viriam a constituir o reportório dos seus três últimos singles, publicados entre 1971 e 1972, mas sem nunca conseguir repetir o êxito dos tempos de "Page One" (2) e "Orange". "Stand By", "Take me to the sun" e "No time to live" viriam a marcar o declínio dos Pop Five Music Inc que, com alguns dos seus membros a cumprir serviço militar obrigatório, se dissolveriam definitivamente em 1972.

Um ano antes, em 1971, um último momento de glória: são um dos grupos portugueses que participam na primeira edição do Festival de Vilar de Mouros, ao lado de nomes como Manfred Mann e Elton John. Eram cada vez menos pop e mais rock, sendo notória a influência de bandas inglesas como os Led Zeppelin e Deep Purple, e até a recente inspiração em estados alterados da mente. Hoje, Álvaro Azevedo já não tem nada a esconder: "As primeiras experiências com droga que tive nessa época também eram um pouco inconscientes. Foi em Vilar de Mouros e, para ser sincero, nem se falava em droga. Esse chavão, 'droga', só surgiu mais tarde. Na altura falava-se em erva e nunca se dizia droga e a verdade é que, em Vilar de Mouros, toda a gente fumava. As pessoas davam umas passas, ficavam um bocado maradas e pronto. Já existiam outras drogas, mas os ácidos só apareceram mais tarde, em 1972 e 1973, depois de termos conhecimento do que era o Maio de 68, dos encontros de artistas, dos movimentos contra a guerra, da contracultura,..."

O cotejo com os maiores nomes da música popular internacional, como aconteceu em Vilar de Mouros, sublinhava a desigualdade de condições: "Hoje é impossível subir para cima de um palco enquanto está um grupo a tocar, mas no concerto do Elton John eu estava ao lado do baterista - que era o que me interessava -, a olhar para aquela bateria cheia de timbalões. Tinha o meu 'kit' normal e quando vi o homem montar uma bateria com dez ou doze timbalões só pensava: 'Mas o que é isto?'"

Por outro lado, desenhava-se a disputa entre os dois melhores teclistas de rock em Portugal: Miguel Graça Moura dos Pop Five e José Cid do Quarteto 1111. Polémicas que ao público passavam despercebidas. "Na altura, as pessoas chegavam-se ao pé do palco, o grupo começava a tocar e o público ficava ali a ouvir. Havia um ou outro que punha o braço no ar e se estivesse uma rapariga ao lado, era natural que durante um slow se agarrassem para dançar. Mas o público não participava da festa e era completamente passivo", conta ainda Álvaro Azevedo enquanto descreve o contexto do primeiro grande festival de música em Portugal. Dois anos depois de Woodstock e um ano a seguir ao festival da Ilha de Wight, o público português ainda não estava sintonizado com os novos rituais urbanos que procuravam o bucolismo do campo para celebrar a magia do rock. A Europa continuava longe e a MTV ainda não tinha iniciado as suas emissões. Em Portugal não foi certamente o rock que fez cair o muro, mas talvez tenha ajudado.


Reedição da obra dos Pop Five

"No Princípio Eram Os Beatles"
Artigo de M.F.C. no "Público" de 6 de Fevereiro de 2004

Para que não se arraste o equívoco de que a música urbana portuguesa não tem história, é preciso saudar a edição, quase simultânea, da obra integral dos Pop Five Music Incorporated e da colectânea "All You Need Is Lisboa", recentemente publicadas. Ambas se reportam ao período que vai de meados dos anos 60 até ao início dos anos 70 e passam a constituir, desde já, documentos históricos imprescindíveis para conhecer o estado da música pop em Portugal dos últimos 40 anos. A primeira por percorrer a biografia de um grupo ao longo da sua fugaz trajectória entre 1968 e 1972, pelo que deixa perceber das intenções, motivações, inspirações e condições técnicas que enformavam as ambições de um punhado de rapazes do Porto. A segunda por sublinhar especificamente o papel dos Beatles no crescimento da música pop em Portugal, não só pela importância própria dos quatro de Liverpool, mas sobretudo pelas razões e pela forma como estes foram assimilados por artistas portugueses de variados quadrantes.

Não, estes discos não têm o valor musical das obras-primas. Mas realçam o papel periférico de Portugal relativamento ao resto do mundo numa época em que a guerra em África ou a censura condicionavam também o orgulho dos seus criadores. Como diz Luís Pinheiro de Almeida nas notas que acompanham "All You Need Is Lisboa", "os ventos irreverentes, rebeldes e contestatários sopravam fortes de Liverpool, mas entravam brisas em Portugal. O país era obrigado ao 'orgulhosamente só' de Salazar e Caetano, isolado do mundo, da modernidade (...). Provinciana, a malta, vigiada, gozava como podia."

Não admira, por isso, que o grosso da obra completa dos Pop Five Music Incorporated, uma das bandas portuguesas mais importantes no deserto que era o rock em Portugal na viragem dos anos 60, fosse constituído por versões de clássicos da música anglo-saxónica. Os Beatles, obviamente, mas também Jimi Hendrix, Bee Gees, Creedence Clearwater Revival, Lalo Schifrin ou Spencer Davis Group forneciam matéria-prima para deambulações de um grupo de portuenses com 17 ou 18 anos dispostos a impressionar amigos e amigas em festas de liceu. Do pop "pastilha elástica" e provocatoriamente adolescente dos seus dois primeiros EPs ("Those were the days" e "Ob-la-di Ob-la-da") até ao primeiro álbum, pomposamente intitulado "A Peça", percebe-se, no entanto, o esforço de acrescentar outra dignidade à música que pediam emprestada.

Curiosamente, é quando se decidem a gravar um original, "Page One", ainda que nitidamente influenciado pela música de Joe Cocker, que os Pop Five alargam o seu raio de acção e popularidade, chegando a alcançar um êxito à reduzida escala nacional. Os singles "Page One" e "Orange" quase fizeram deles artistas de corpo inteiro. Percorrendo os meandros do funk que já haviam tentado na versão de "Missão Impossível", ou os caminhos ínvios da música sinfónica, como acontecia em "Ária" ou "Jesus, Alegria dos Homens", iam descobrindo uma via própria, ainda que à mercê das ambições de cada um dos seus elementos. A tentativa de cantar em português, por pressão dos radialistas mas também pela qualidade e êxito das canções de alguns baladeiros como "Pedra Filosofal", veio, contudo, a revelar-se frustrante.

Quando a editora os envia para Londres a fim de gravarem aqueles que viriam a ser os três últimos singles, os Pop Five já tinham endurecido a sua música de acordo com as coqueluches que surgiam, sobretudo, em Inglaterra. Gravam guitarras eléctricas à Jimmy Page, assumem um certo psicadelismo e afastam-se definitivamente do rótulo pop que havia marcado os primeiros passos. A distância relativamente ao país real era cada vez maior e o fracasso das novas canções correspondia à ida para a tropa dos seus músicos. Obviamente, foi o fim desta aventura.

Tal como acontecia com os Pop Five Music Inc, as versões dos Beatles eram quase obrigatórias no reportório de qualquer grupo português, tendo muitas delas passado à posteridade devido à sua edição em vinilo. É essa recolha que Luís Pinheiro de Almeida apresenta em "All You Need Is Lisboa", uma colectânea em que a música dos Beatles é revista à luz dos artistas portugueses dos anos 60. Sejam eles do rock ou do fado, da música ligeira ou do yé-yé, respeitando o original ou permitindo-se desvios à norma, no inglês original ou em tradução portuguesa, o certo é que prestaram vassalagem aos Beatles ocupando, de certa forma, o lugar que a raridade ou inexistência de discos e concertos em Portugal deixava em aberto.

Desde a alegria transbordante do Duo Ouro Negro para "I want to hold your hand" ao tom circunspecto de "Michelle" pelos Sheiks (de Paulo de Carvalho e Carlos Mendes), do hilariante e alfacinha fado castiço de Carlos Bastos associado a "Hey Jude" (com arranjo para guitarra portuguesa de António Chainho) até ao original "Penina" de McCartney escrito num hotel do Algarve a altas horas da noite para os portugueses Jota Herre, encontra-se aqui de tudo - e até algumas boas surpresas.

Nomes menos conhecidos da história da música rock em Portugal como o Conjunto Universitário Hi-Fi (onde pontuava Carlos Correia, acompanhante de José Afonso) ou o Conjunto Académico Os Espaciais (do qual fazia parte Toni Moura, mais tarde dos Psico e dos Tantra), assinam versões quase perfeitas de "I call your name" e "When I'm 64". Simone de Oliveira dá azo ao seu virtuosismo, algures entre o bel-canto e Sandie Shaw, e o Quarteto 1111 encerra este eclético alinhamento com a homenagem "Ode to the Beatles", cuja letra é construída com títulos de canções dos Beatles. Irrepreensível é também o livreto que acompanha "All You Need Is Lisboa", com textos de Pinheiro de Almeida e do brasileiro Marcelo Fróes, e a reprodução das capas dos discos de onde foram retirados todos os temas.


POP FIVE MUSIC INCORPORATED
Odisseia - Obra Completa 1968-1972
Movieplay



VÁRIOS
All You Need Is Lisboa
EMI-VC



Venham mais cinco da pop portuguesa
Crédito: Porta da Loja

Cinco putos do Porto, no fim dos anos sessenta, fizeram um grupo rock e chamaram-lhe Pop Five Music Incorprated: Álvaro Azevedo, Tozé Brito, Paulo Godinho , Luís Vareta e Nuno Cameira, a que se seguiram, em substituição, David Ferreira e Miguel Graça Moura, tocavam em bailes, festas e festivais e as músicas eram quase sempre iguais quando não eram alheias.

Sabiam tocar os instrumentos, onde predominava o órgão Hammond de sonoridades envolventes e determinantes, que expelia a maestria contida do músico Graça Moura, ambientado em Conservatório. Por isso, num mesmo disco, misturavam "Ob La di Ob la da" com uma arranjada Aria de Bach. Como eram do Porto, cidade ligada a ingleses, então em plena explosão rock, recebiam os discos de lá e plagiavam-nos cá, em versões amanhadas de ouvido, mas atrevidas, de um fulgor de juventude que nem sequer estacava perante um Jimi Hendrix ou evitava a banda sonora de Lalo Schifrin para uma "Missão Impossível".

Note-se que o Pop Five, na altura, era um grupo português entre outros. Noutro grupo da época, o Sindikato, tocavam Rui Cardoso, Jorge Palma, Vítor Mamede, Rão, entre os outros nove músicos que tentavam imitar os Blood Sweat and Tears. Os anos dos Pop Five terminaram em 1972, quando os putos atingiram a idade de ir à tropa que na altura se fazia no Ultramar.

No ano anterior, juntaram-se aos Sindicato, Psico, Quarteto 1111, Objectivo, Pentágono, Chinchilas, Contacto e Celos, em Vilar de Mouros, para cerca de 20 mil pessoas ouvirem e onde se apresentou aos portugueses Elton John, antes de se tornar o "rocket man".

A apreciação crítica no Mundo da Canção nº 21, pela pena implacável do crítico Jorge Cordeiro, que lá esteve, é expressiva e breve: "música sem grande força e de execução medíocre". A nota positiva de Vilar de Mouros 71, em música rock nacional, foi para os Psico:" "conseguiram a primeira adesão macissa(sic) do público : para tal tiveram que executar um velho rock dos anos 50. O público pôs-se de pé, entrou no balanço e terminou apoteoticamente."

Nesse relato circunstanciado do festival, o crítico abalança-se ao retrato sociológico da juventude do Portugal de então: "Nascia finalmente o Festival? Não. E porquê? Não só pela frieza do nosso público que ainda está imbuido de muitos preconceitos, mas por culpa dos próprios grupos. A música praticada foi toda ela muito igual, muito semelhante mas principalmente porque entre cada actuação queimavam minutos a afinar instrumentos verificar aparelhagem, experimentar microfones, numa minúcia ridícula e cocabichinha, denunciadora de insegurança e até cabotinismo."

Quais são as obras primas dos Pop Five? Duas: "Page One" de 1970 e "Orange" de 1971, esta gravada em Inglaterra e que apesar disso decepcionou, por falta de originalidade e nível musical, o crítico do jornal Disco de 1.9.1971, Hélio Sousa Dias que o assimilou abertamente à influência dos Wallace Collection, grupo menor e que chegou a visitar Portugal para tocar "Daydream"(1).

As primeira dessas músicas tem autoria equívoca, atribuída ao grupo, segundo Álvaro Azevedo que assim o escreveu no pequeno livreto de apresentação da colectânea Odisseia, agora lançada e que reune toda a obra gravada do grupo: "o Tozé Brito também colaborou na sua criação", nas palavras aí escritas. Contudo, a autoria deverá atribuir-se a Miguel Graça Moura, o qual não só não enjeita essa paternidade como a reivindica.

O tema "Page One", foi adoptado por um radialista da Rádio Renascença para anunciar o seu programa "Página Um". "Page One" é uma música de marcação funky, onde predomina a secção rítmica baixo-bateria que lhe imprimia uma cadência urgente, na abertura daquele programa de rádio que se prolongou até alguns anos depois do 25 de Abril e que normalmente passava em primeira mão, as novidades discográficas vindas de Londres, por via aérea e contando com a colaboração de portugueses aí emigrados, como era o caso de António Cartaxo, hoje apresentador na Antena 2. A música mais conhecida dos Pop Five é assim, uma reminiscência de um belíssimo programa de rádio e com uma sonoridade rítmica inicial, tentadoramente copiada e semelhante à sonoridade funky de um Lee Dorsey de Get Out of My Life Woman ou de um Lowell Fulson de Tramp, ambos de 1966 e avoengos do Hip-Hop.

No início de 2003, os Pop Five, minus Graça Moura, ocupado nessa altura noutros assuntos que o afastaram desse convívio revivalista, reuniram no Porto e retocaram algumas cantigas, num espectáculo gravado em DVD e que acompanha a "Odisseia".


(1) - "Daydream", canção dos Wallace Collection lançada em 1969 cuja melodia principal era assumidamente uma cópia de um tema do "Lago dos Cisnes" de Tchaikovsky.

(2) A canção «Page One» foi incluída na colectânea «Os Reis do Ritmo», publicada em 2003 pela editora Valentim de Carvalho


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