Estrada de Ferro Madeira-Mamoré
Primeiros estudos
Tentativas de construção Inglesas e Americanas
A região,
A região localizada no interior do antigo Território do Guaporé, fronteiriço com os estados do Amazonas e Mato Grosso, no lado Brasileiro, e com a Bolívia, representava importante fonte de fornecimento da borracha natural, extraída da seringueira (hevea brasiliensis), árvore natural da região. Desde que a borracha começou a ser explorada seu o transporte até os portos de mar sempre foi feito em canoas que desciam os Rios Madeira e Mamoré, efetuando a ligação entre Guajará-Mirim e Santo Antônio, onde os vapores (embarcações de maior porte) atracavam.
Antes porém do rio Madeira transformar-se em um rio que corre mansamente pela planície Amazônica até encontrar-se com o rio Amazonas, os viajantes viajavam por cerca de 400 km nos rios Mamoré e Madeira onde haviam cerca de 15 a 20 cachoeiras de vários tamanhos, que encareciam muito o custo do transporte, pois exigiam centenas de índios Bolivianos e Brasileiros para ajudar nos serviços de transposição das quedas, sendo que mesmo asism, em todas as viagens essas mesmas cacheiras cobravam um pesado tributo em termos de tempo, sacrifícios, vidas humanas e perda de mercadorias. Essas cachoeiras eram então o obstáculo natural que dificultava a ligação da Bolívia com o mar e aumentavam em muito o custo das mercadorias nos sentidos da exportação e importação, motivo pelo qual durante quase um século diversos governantes, engenheiros e autoridades da época idealizaram planos e meios de se fazer uma ligação entre essas localidades por terra, de forma a evitar as tão temidas cachoeiras e levar o progresso a essa região, já reconhecidamente uma das mais insalubres do planeta.
Porque uma Ferrovia?
Muitos planos, estudos e projetos foram elaborados pensando-se em ligar as localidades de Santo Antônio, ponto final dos vapores de grande porte que navegavam os rios Amazônicos e Guajará-Mirim, cidade fronteiriça que concentrava o comércio da região e da Bolívia, estudos esses que não chegaram a sair do papel. Em linhas gerais a idéia da construção de uma ferrovia na região data de meados do século passado, quando a construção de estradas de ferro no país já era uma realidade e comecou a ser pensado em uma ferrovia margeando o rio como uma alternativa viável para a região.
Nesse momento, quando corria o ano de 1861, nomes como os do general boliviano Quentin Quevedo, do engº brasileiro João Martins Silva Coutinho ou de Tavares Bastos foram os primeiros a sugerir uma ferrovia como instrumento de ligação do Estado do Mato Grosso com o Pará, além de ser um escoadouro para as importações e exportações da Bolívia. A guerra do Paraguai somente veio a reforçar essas idéias, na medida em que dotava de uma importância "estratégica" tal via de comunicação, uma vez que a ligação desse estado via Rio Paraguai estava obviamente prejudicada pelo conflito.
Dessas observações e considerações, nasceu, em 27.03.1967 o "Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição" entre Brasil e Bolívia, onde na cláusula 9ª, o Brasil indicava claramente a intenção de construir uma estrada, de ferro ou de rodagem, que lograsse superar o trecho encachoeirado dos rio Madeira e Mamoré.
Os Estudos e os Estudiosos
Decidida a questão, o Brasil começa a trabalhar nesse sentido e despacha, em 10/10/1967 os Irmãos Keller, engenheiros alemães, para estudar a construção da ferrovia, sendo que esses, após 4 meses de estudos na região e grandes sacrifícios, apresentaram seus estudos ao governo Brasileiro, indicando que, entre a construção de planos inclinados no rio, canalização deste ou costrução de uma ferrovia, seria essa última opção mais viável e que seu traçado deveira seguir paralelo às margens dos rios e passar, obrigatoriamente, em frente à foz do rio Beni, para recolher o comércio que descia por esse importante rio da região.
Os irmãos Keller também traçaram, eu seu relatório apresentado ao governo Basileiro, o qual para variar nada fez, diversas considerações, algumas bastante proféticas, como as características de insalubridade da região, e o fato de que a construção da estrada de ferro deveria ser conduzida por trabalhadores europeus, previsões que de fato foram bastante acertadas.
Começando a ação,
Paralelamente a esse estudo, a Bolívia decidiu-se a entrar em ação e enviou aos Estados Unidos o General Quentin Quevedo para entrar em contato com os empresários locais, visando encontrar quem se interessasse na construção de um caminho que contornasse as cachoeiras do rio Madeira. Entre os Americanos, contactaram o coronel George Earl Church, que, sendo um empreendedor bastante agressivo, interessou-se pela empreita a ponto de dirigir-se à Bolívia e organizar uma cia. de navegação, a National Bolivian Navigation Company e iniciou um trabalho de procura de empreendedores nos Estados Unidos e Europa que financiassem os trabalhos de construção de uma ferrovia na região, o que não foi possível até que a própria Bolívia desse garantias a esse investimento, através do lançamento no mercado Europeu, de um mepréstimo de 2.000.000 de libras.
Como essa estrada de ferro seria construída no Brasil, havia a necessidade da obtenção de uma concessão desse país, o que foi conseguido pelo Cel. Church em 20.04.1870, sendo entretanto exigência do governo do Brasil que fosse organizada uma nova companhia, que deveria receber o nome de "Madeira and Mamoré Railway". Church rcebeu essa concessão pelo prazo de 50 anos, juntamente com a concessão de enormes áreas ao longo do traçado estipulado para a estrada (Santo-Antônio a Guajará Mirim), que somavam mais de 1.350 km².
Inicia-se a Saga
No dia 1° de março de 1871, foi finalmente incorporada a "Madeira Mamoré Railway Co. Ltd." e os banqueiros londrinos Earlanger & Co. se dispuseram a lançar o empréstimo, desde que a Bolívia, que nessa época estava passando por mudanças em suas políticas internas. Os banqueiros também condicionaram a aprovação do empréstico à contratação da empreiteira Inglesa "Públic Works Construction Company", o que foi aceito por Church, que também conseguiu que a Bolívia ratificasse a garantia ao empréstimo. Visitadas as cachoeiras do Madeira em conjunto com os engenheiros da Public Works para verificação da viabilidade da construção da estrada, esses, sem praticamente quaisquer estudos, dão como escolhido o ponto inicial para a construção da ferrovia a localidade de Santo Antônio e removem a primeira pá de terra.
Estava iniciando-se a saga da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Ao deixar Santo Antônio, o Cel. Church encontra-se com a barca "Exploradora", que vinha subindo o Madeira. Possivelmente, essa barca já trazia engenheiros para o levantamento da planta da futura ferrovia, uma vez que, somente em 06.07.1872 um grupo de 25 engenheiros chegou a Santo Antônio, juntamente com as máquinas, equipamentos e acessórios necessários para se construir e operar os primeiros kilometros da estrada de ferro. Descarregados os equipamentos, os Ingleses passam a contruir as primeiras edificações para abrigar os engenheiros, trabalhadores e equipamentos mais delicados.
Fracassam os Ingleses
Iniciados os trabalhos, a firma Public Works começa a sentir que seriam grandes os problemas e dificuldades para a construção da ferrovia, pois além da insalubridade e clima hostil da região, era muito dificil encontrar trabalhadores. Contribuiam para as dificuldades o grande o isolamento da região, cuja cidade mais próxima de maior tamanho era Manaus, mas esta ficava há uma distância de varios dias de viagem rio abaixo.
Paralelamente a esses problemas, a empresa ainda viu naufragar uma embarcação sua de 120 toneladas, e apesar de haver trazido materiais e equipamentos para a construção e operação do primeiro trecho, de 36 kms, os trabalhos não progrediam devido às doenças endêmicas da região, que começaram a afetar os encarregados da construção, ao ponto de um relatório do encarregado do governo brasileiro de medir as terras que seriam concedidas ao Cel. Church ao longo da ferrovia constar que em meados de 1873, todos os trabalhadores sofriam em maior ou menor grau de febres e ainda grassava um surto de varíola no acampamento, já havendo um pensamento geral no sentido de se proceder à retirada daquele local. Isso, menos de 6 meses após a chegada. Era mencionado também o ataque dos índios Caripunas, a falta de alimentos, medicamentos e demais recursos, além da dificuldade para se contratar trabalhadores.
Essas foram mais ou menos as mesmas conclusões do relatório do engenheiro enviado pela Public Works Inglesa, que ainda apurou que o custo estimado inicialmente para a ferrovia, devido às características da região e grandes esforços necessários para se conduzir a empreita, seria superior ao estimado no contrato inicial, bem como deveria demorar muito mais tempo que o previsto, e não sem a perda de um sem-número de vidas humanas.
Esse relatório, somado ao fato de após quase um ano de permanência da equipe da Public Works no local ainda não ter sido assentado nem um metro de trilhos, levou a empreitera a entra na justiça em Londres para rescindir o contrato. De acordo com os registros da época, reproduzidos no livro A ferrovia do Diabo, em 09.07.1873 a Public Works entregava uma petição afirmando que fora enganada quanto à real extensão da estrada e condições da região "a qual era um antro de podridão e onde seus homens morriam como moscas", frase que pode servir como resumo do que enfrentariam todas as empreitas que iriam lançar-se à construção dessa ferrovia e começou a lançar a mística dde que seria uma ferrovia "amaldiçoada".
No Brasil, a repercursão desse fato também era grande, pois em setembro de 1873, o Diário do Grão Pará, em Belém, afirmava que o pessoal que subiu o Madeira voltou "flagelado pela peste", os europeus importados para auxiliar na construção "desertaram" e que toneladas de equipamentos e materiais estavam "expostos à ação do tempo" e deteriorando-se na floresta amazônica, além de mencionar a morte de dezenas de trabalhadores e engenheiros por doenças tropicais diversas.
Entretanto, não obstante a paralisação dos trabalhos de construção da ferrovia, os Ingleses continuaram com os serviços de levantamento topográfico, visando mapear toda a futura linha da estrada de ferro, com o objetivo de provar, junto aos tribunais ingleses, que a extensão final da estrada seria muito maior que a firmada no contrato com o Cel. Church. Pra isso, uma parte do grupo permaneceu em Santo Antônio até janeiro de 1874, quando, terminados os serviços de levantamento topográfico, o grupo retirou-se de volta para a Inglaterra, bastante abalado pelas doenças e o drama que viveram aqui, a ponto do engº brasileiro Carlos Morsig escrever, em 1883, que "durante 16 meses de estada no Madeira, foi o pessoal da empresa cruelmente dizimado por terríveis enfermidades.", de onde se conclui que realmente devem ter havido centenas de mortos entre os funcionários dessa empresa.
Fracassam os americanos
Face o pânico verifdicado entre os investidores da Bolsa de Londres com os rumos da construção da ferrovia, o cel. Church tentou restabelecer a confiança no empreendimento, conseguindo que uma empreiteira americana, a dorsay & Caldwell assumisse o compromisso de construir os primeiros 15 km da ferrovia, apenas utilizando-se dos materiais abandonados em Santo Antônio pela Public Works. Para isso, um contrato foi assinado em 17.09.1873 e em 24.01.1874 chegou a Manaus um grupo de engenheiros e ajudantes, decididos a tomar as medidas e providências necessárias para a retomada do empreendimento. Porém, dias após sua chegada à Santo Antônio, o grupo volta, devido ao falecimento de um dos seus integrantes, tendo portanto fracassado mais uma empresa em lançar mão da contrução dessa ferrovia.
A retomada da construção
Estando o Brasil bastante interessado na construção da ferrovia, o Imperador D. Pedro II encaminhou um projeto ao senado propondo que o Brasil garantisse fundos suplementares para a construção dessa ferrovia, pois aparentemente o ponto mais crítico para os tribunais ingleses, é que o custo provável da ferrovia superaria em muito o custo inicial. A proposta ao senado Brasileiro era de uma suplementação de fundos da ordem de £$ 400.000,00 e mesmo havendo forte oposição no senado, essa disposição do governo brasileiro em auxiliar a construção da ferrovia deu novo alento ao cel. Church, que entrou em acordo com a Public Works, que retirou a ação de perdas e danos dos tribunais ingleses, permitindo que os juizes autorizassem a liberação do dinheiro do empréstimo Boliviano para a construção da estrada, porém "somente na medida em que as obras prosseguissem".
De posse dessa situação favorável nos tribunais, o cel. Church vai tentar encontrar, nos Estados Unidos, as firmas e capitais necessários à construção da estrada de ferro, conforme veremos a seguir.
Os americanos da P. & T. Collins
Nos Estados unidos, que nessa época começavam a surgir como potência industrial, o cel. Church encontrou, nas firmas Philadelfia and Reading Coal and Iron Co., fornecedora de aço e na P. & T. Collins, tradicional e conceituada firma de engenharia, os parceiros para tocar a construção da estrada de ferro, e em 25.10.1877 foi lavrado um contrato, onde esta última assumiria, por £ 1.200.000,00 a construção da ferrovia. Apesar do preço ser o dobro do proposto pela Public Works, e haver na Inglaterra apenas 700.000 libras disponíveis para a construção dessa ferrovia, Church contava com o governo brasileiro, que desde 1873 estava analisando uma lei que garantisse mais 400.000 libras aos construtores da ferrovia, lei essa que foi efetivamente aprovada cerca de um mês após a assinatura do contrato com as empreiteiras americanas.
Um fato curioso e promissor
Ultimadas as negociações entre todas as partes, em 4 de janeiro de 1878 parte para o Brasil o vapor "Mercedita", e nesse ponto, segundo as reportagens da época, registra-se um fato bastante interessante: Era a primeira vez na história norte-americana que estava partindo dos E.E.U.U. uma expedição equipada com capitais americanos, materiais americanos e organização e direção de americanos, para executar, no estrangeiro, uma obra de grande vulto. Os 54 engenheiros que integravam o corpo técnico da empreita eram, no entender dos jornais, o mais fino grupo de profissionais jamais reunido nos Estados Unidos e estavam, sem o saber, iniciando uma nova era para os Estados Unidos, que cada vez mais passaram a ser os grandes "empreendedores" do mundo, transformando esse país na potência que é hoje. Veja a tradução da matéria completa sobre a partida.
Iniciam-se os trabalhos
Imediatamente após a chegada, os americanos já começaram a mandar as primeiras turmas para o serviço de campo, e mais alguns navios partiram dos EUA carregados de pessoal, materiais e equipamentos, que após diversos incidentes, inclusive com a perda total de um dos navios, chegaram ao brasil para reforçar as turmas de trabalho.
Durou pouco entretanto esse ritmo de trabalho, pois em março desse mesmo ano já começavam a surgir os primeiros relatos de doenças atacando os homens e falta de pagamento de algumas contas no Pará por parte da firma. Faltavam provisões e as equipes de trabalho que estavam em plena floresta amazônica eram obrigadas a caçar para alimentar-se. Os remédios e demais recursos também eram escassos, a ponto dos encarregados começarem a pensar em abandonar os serviços ainda nesse mês de março, o que foi contornado com a chegada de mais um vapor, que além de trazer novos animos e trabalhores, trouxe o presidente da firma P. & T. Collins, que, tendochegado para supervisionar pessoalmente os serviços, injetou novo animo no pessoal e começaram a ser construídos edifícios, padarias, etc...
Par e passo o relato dos engenheiros das inomináveis dificuldades em se avançar pela floresta tropical, o encontro com animais exóticos e venenosos e o ataque dos índios, a construção da ferrovia prosseguia lentamente, mas em maio as doenças já haviam atingido a todos. A malária estava grassando sem piedade entre os homens. Novamente começava a faltar viveres, remedios, etc.., e uma parte grande dos homens menos doentes saía diariamente para caçar ou pescar para alimentar o acampamento.
Embora a situação financeira da firma fosse dificil e o cel. Church não estivesse conseguindo levantar os fundos congelados na Inglaterra, havia uma determinação forte dos americanos em prosseguir na construção da ferrovia, de forma que, mesmo atacados por doenças, sofrendo da falta de alimentos e remédios e trabalhando em condições sanitárias péssimas, no dia 4 de julho de 1878 foram inaugurados os primeiros 3 kilometros de trilhos, com uma pequena locomotiva, a cel. Church fazendo esse percurso e descarrilando em uma curva....
A essa altura dos acontecimentos, era evidente que o projeto encaminhava-se para um triste fim, pois estavam previstas a conntrução de 10 km de trilhos por mes, e nos primeiros 4 meses foram assentados apenas esses tres km iniciais, de forma que a produção estava sendo de apenas 10% da prevista. Para piorarainda mais esse quadro, em 16.07.1878 é recebida uma carta do cel. Church onde esse admite que não conseguirá desbloquear os recursos depositados no banco da Inglaterra e portanto não terá como pagar o empreiteiro e, mesmo que houvesse possiilidades, o pagamento contratual por esses 3 km de trilhos assentados não cobriria nem de perto os gastos da P. & T. Collins para a sua colocação.
Essa notícia, em conjunto com o corte do crédito da firma em Belém do Pará e nos Estados Unidos, selaram o desastre que foi a tentativa de P. & T. Collins de construir uma ferrovia nessa região. Às dezenas, depois centenas e de todas as formas, os trabalhadores começaram a desertar da empresa, chegando a Belém do Pará com a roupa do corpo, sendo obrigados a mendigar alimentos e remédios até obter passagem de volta aos EUA, o que foi providenciado pelo Consul Americano, que conseguiu junto ao governo americano um vapor para "carregar" cerca de 300 pobres-coitados que 6 meses antes haviam chegado cheios de esperança e vida à região das cachoeiras de Santo Antônio.
Permaneceu em Santo Antônio o presidente da P. & T. Collins, juntamente com um fiel grupo de engenheiros e técnicos que, sabendo-se falidos, entendiam que a única esperança seria o prosseguimento dos serviços, na esperança do cel. Church conseguir receber os créditos bloqueados em Londres, esperança essa que desvaneceu-se quando chegou a Santo Antônio em 16.02.1879 um perito nomeado pelos tribunais londrinos para atestar se seria possível ou não a construção da ferrovia, e após vistoriar os primeiros 6 km já construídos, cretornou a Londres com um relatório desfavorável à empresa Collins.
Apesar dessa constatação, Thomas Collins insistiu em permanecer no local, esperando por um milagre, mas, além das doenças continuarem a atacar o pessoal da ferrovia, os índios da região, antes intimidados pelo grande número de homens e armas, ao perceber que a construção estava semi-paralizada, também começaram a arriscar-se mais em suas incursões, atacando os trabalhadores e chegando a atingir o próprio presidente da empresa, Sr. Collins (03.05.1879), que, atravessado por duas flechas, ficou entre a vida e a morte durante alguns meses, até que em 19.08.1879 todos os americanos que ainda estavam em santo Antônio receberam ordens de voltar aos Estados Unidos, abandonando à vegetação os 7 Km de ferrovia já construídos.
Era mais uma empresa que fracassava na região, tendo retirado-se derrotada após 18 meses na região, contabilizando cerca de 141 mortes entre as 719 pessoas que vieram dos Estados Unidos para trabalhar na ferrovia. Faleceram ainda cerca de 300 a 400 trabalhadores brasileiros e bolivianos. Particularmente, o Sr. Collins perdeu tudo o que tinha e sua esposa enlouqueceu, sendo internada em um Sanatório. O cel. Church, perdido mais esse "round", desiste da construção da estrada, levando os tribunais londrinos a ratearem o valor depositado entre os investidores e o Brasil a declarar caduca, em 1881, a concessão para a construção da ferrovia. A construção da ferrovia parecia cada vez mais um sonho distante e impossível.
O Brasil decide construir a Ferrovia
Definindo o futuro traçado
No ano em que a firma P. & T. Collins abandonou Santo Antônio, coincidentemente a Bolívia envolveu-se em uma guerra com o Chile, que viria a perder 3 anos depois em 1882, e como resultado dessa derrota, viu-se privada de seus portos marítimos, uma vez que o Chile deles se apossou, transformando a Bolívia em um País sem saídas para o Mar.
Dessa forma, a Bolívia, não querendo pagar os pesados tributos que certamente Chile e Peru cobrariam pela passagem de suas mercadorias, recorre ao Brasil em busca de auxílio, uma vez que esse País sempre havia facilitado o comércio Boliviando, inclusive isentando-o de taxação no trânsito pelo território Brasileiro. Por outro lado, o brasil também vislumbrou nessa situação a "mola" impulsora para aquela região da Amazônia, uma vez que concentrar todo o movimento de exportação e importação Bolivianos certamente justificaria, financeiramente, a empreita que representava a construção da Madeira Mamoré, sendo firmado, em 15.05.1882 um tratado que versava sobre a navegação nos rios bolivianos e a construção da E.F.M.M., sendo despachada imediatamente para a região, pelo Brasil, uma equipe de engenheiros (a comissão Morsing) para os estudos visando a construção da ferrovia.
Já na chegada a Santo Antônio, em 19.03.1883 e diante da desolação do local e do total estado de abandono dos restos da aventura da firma P. & T. Collins e da enormidade do que havia sido feito durante aquele quase um ano para os padrões de produtividade dos trabalhos na região (construídos 6 km de trilhos, aterrados cerca de 20 km e estudados mais de 100 km), já declarou um dos membros da comissão: "São incríveis os trabalhos feitos por aqueles heróicos Americanos, a despeito de todas as contrariedades"...
Essas contrariedades não tardaram a afetar a comissão Morsing e após cerca de um mês de permanência no local, já começavam a registrar-se as primeiras mortes de engenheiros, e o próprio chefe da comissão adoeceu, sendo retirado do local. Para variar, os índios também continuavam perturbando os trabalhos e assustando os encarregados do trabalho a ponto destes não se aventurarem nas matas à procura de caça para substituir a alimentação pobre do local, o que contribuiu ainda mais para piorar as condições de saúde dos membros da comissão, registrando-se mais algumas mortes de engenheiros e trabalhadores, até que a comissão retirou-se em 19.08.1883, quando já não havia nenhum membro que não estivesse doente.
II - O caso das Plantas
Entretanto, pouco antes de abandonar o local, a comissão encontrou o jogo de plantas originais do levantamento topográfico para a construção da estrada de ferro feitas pela Public Works, plantas essas que há 10 anos atrás haviam dado início a toda a celeuma envolvendo a construção da ferrovia, por ser a base do processo movido por essa empreiteira em Londres. Nessa ação, a empresa utilizou-se de cópias dessas plantas para embasar sua alegação de haver sido enganada, visto que a ferrovia teria na realidade uma extensão bem maior do que a contratada. Durante muitos anos, na falta das plantas originais --agora encontradas-- houveram duas correntes distintas de opinião: Os defensores da "fidelidade" das plantas, ou seja, que acreditavam que realmente os engenheiros ingleses havia levantado todo o trecho entre Santo Antônio e Guajará Mirim, e os que achavam que ela havia sido "fabricada" nos escritórios londrinos.
É importante essa observação, pois a comissão Morsing havia levado do Rio de Janeiro as plantas feitas pela P.&T. Collins e já havia "conferido-as" na extensão de 106 km, dando-as como boas. Como agora haviam sido encontradas as plantas originais (que a Public Works sempre garantiu serem genuínas e oriundas do trabalho de mapeamento do trecho entre Santo antônio e Guajará-Mirim), bastaria "linkar" as duas plantas e conferir os primeiros kilometros da planta da Public Works para, havendo aderência entre os levantamentos, finalmente poder-se acreditar ter em mãos o futuro traçado da ferrovia.
Essa decisão foi tomada pelo Engº Morsing, então já recuperado e de volta à região, onde encontrou-se em Manaus com o que restava da comissão, chefiada pelo substituto de Morsing, o engº Pinkas, que havia retirado-se de Santo Antônio completamente depauperada. Despachadas 2 turmas de engenheiros para conferir os primeiros kilometros da planta da Public works e "linkar" o início desta com o final da planta da P.&T. Collins, trabalhos esses terminados, novamente com grandes sacrifícios, em 28.01.1884, quando o engº Camarão retornou a Manaus e informou, com grande satisfação de todos, que os dados da planta da Public Works eram bastante exatos e confiáveis, o que levou o engº Morsing a aceitar essa planta como boa e dar por encerrados os trabalhos da comissão. Naquele momento, apurou-se que o traçado da ferrovia deveria ter cerca de 361,7 km, conforme planta abaixo...
Porém, o caso das plantas ainda não estava terminado. Alegando que durante o processo em Londres havia sido afirmado que as plantas da Public Work eram falsas e que portanto o engº Morsing não as poderia ter aceito como boas, o engº Pinkas conseguiu levantar uma polêmica que convenceu o então Ministro da Agricultura a constituir nova comissão para refazer os estudos, comissão essa chefiada pelo engº Pinkas, que chegou a Santo Antônio em 20.06.1884, regressando em 10.09.1884, tendo aparentemente realizado a proeza de levantar mais que o dobro de tudo que havia sido levantado (confirmado) pela comissão Morsing em apenas 77 dias, novamente às custas de grande sacrifício em vidas humanas.
Como após 7 meses ainda não haviam sido apresentadas as plantas levantadas pelo engº Pinkas, veriifcou-se no Rio grande celeuma e debates entre facções que apoiavam o engº Morsing e o engº Pinkas, e que praticamente terminariam após denúncias de integrantes da comissão de que a planta apresentada por esse último havia sido, em realidade, forjada em grande parte nos escritórios do engº no Rio de Janeiro. Na realidade, nas duas plantas a ferrovia corria praticamente paralela, apenas diferindo no trecho entre as cachoeiras do Jirau e Guajará-Mirim, justamente o trecho dado como bom Por Morsing de acordo com as plantas da Public Works, e no local de início da ferrovia, que Pinkas estabelecia em Santo Antônio. Somente em 1912, terminada a construção da ferrovia, iria confirmar-se, com certeza, que Morsing estava correto e Pinkas errado. Abaixo, o traçado previsto de acordo com a planta de Pinkas.
III - Orçamentos
Nem bem estava-se terminando de discutir a validade ou não das plantas, uma vez que foi ainda criada uma terceira comissão (!!!!!) para estudar e dar um parecer conclusivo sobre qual das duas plantas era a mai sexata, e já começava nova polêmica envolvendo a construção da estrada, que era a questão dos orçamentos para a sua construção, pois se o projeto Morsing estipulava a soma de 47:000$000 por kilometro, a proposta de Pinkas era de 26:507$020 /km e logo foi ridicularizada pela imprensa, que comparou-o com o custo de construção da Cia Mogyana, de 22:690$218, destacando que esta situava-se em uma província cheia de recursos, de boa salubridade, próxima dos oceanos e a Madeira Mamoré, estando em uma zona infestada por doenças tropicais e exigir inomináveis sacrifícios aos seus construtores, certamente não poderia ser construída por preço tão pouco superior ao preço pago pela Cia Mogyana.
IV - A República e a C.E.F.M.G.
Apesar de 1887 continuar trazendo constantemente à baila o assunto Madeira-Mamoré, o advento da proclamação da República e o surgimento de várias outras propostas de integração para a região acabaram por desviar o assunto da plantas e orçamentos, o que muito agradou ao governo, ainda não recuperado dos fiascos no sentido de providenciar um simples estudo do traçado da ferrovia. Entretanto, a política ferroviária do novo governo e apujança da iniciativa particular, que já se fazia sentir principalmente no eixo Rio-São Paulo-Minas, reaqueceram a idéia de uma ferrovia naqueles confins e em 30.05.1891, foi dada pelo governo concessão a José E. S. Oliveira e Francisco M. Rocha para a construção da mesma, só que agora tendo seu ponto inicial cerca de 200 km abaixo de Santo Antônio (em Humaitá) e final também a cerca de 200 km de Guajará mirim, na confluência dos rios Guaporé e Mamoré, pelo que o nome da nova cia deveria ser Companhia Estrada de ferro do Madeira e Guaporé. Como a concessão estabelecia a caducidade se após 2 anos da mesma não houvesse sido iniciada a onstrução, a mesma caducou, visto nem se ter registros de quaisquer trabalhos dessa empreita no local.
V - E o mundo, como estava?
Nessa toada, já às portas do novo século, enquanto no Brasil ainda se discutia a construção da Madeira Mamoré como única forma de "colocar os Andes às portas do atlântico", forma ufanista com a qual o engº Pinkas, em seus discursos defendia a viabilidade de contrução da ferrovia e já passavam-se cerca de 25 anos desde que os primeiros Ingleses da Public Works chegaram à região do Madeira sem que houvesse ainda sido sequer iniciada a construção da ferrovia e a região continuasse matando ou inutilizando quem se dispusesse a construir tal obra naquelas paragens, algumas novidades já estavam acontecendo, que iriam afetar de forma definitiva a ferrovia, que até o momento ainda estava no papel e nas cabeças de alguns idealistas e visionários, que viam nesse empreendimento o grande alavancador do progresso na região e a mola propulsora da descobertas de riquezas inimagináveis nas terras ainda inexploradas ao longo do seu traçado. Quais eram essas novidades?
Se a importância do comércio da borracha crescia a cada ano na região, podendo viabilizar quase que por sí só a construção da ferrovia, também era verdade que desde o final do século os ingleses já estavam plantando no Oriente a seringueira, de forma ordenada e comprodutividade muitas vezes superior à conseguida pelos seringueiros do Brasil, o que viria a ser descoberto (infelizmente), somente algum tempo depois.
Por si só, esses 2 acontecimentos já justificariam toda uma revisão nos planos de construção de qualquer ferrovia naquela região, o que infelizmente não foi nem sequer pensado, levando o Brasil a uma aventura na Amazônia que até hoje está envolta em mistérios e indagações.