
Jean-Nicholas Arthur Rimbaud nasce em 20 de outubro de 1854 em Charleville,
nas Ardenas, no norte da França, perto da fronteira belga. Nesta pacata
cidadezinha, repleta de casas com telhados angulares, onde tranquilos burgueses
contemplam os meandros do rio Meuse, Vitalie Cuif, de origem camponesa e filha
de proprietários rurais, conhece o capitão Fréderic Rimbaud. Casam-se em 1853
tendo como primeiro filho Fréderic, que acabará como motorista de ônibus no
vilarejo vizinho de Attigny. Após o nascimento de Arthur, o casal viverá
praticamente separado, pois o pai apenas regressará ao lar raríssimas vezes. O
capitão de infantaria Rimbaud desde cedo havia se engajado no exército como
soldado e pouco a pouco galgara diversos escalões. Participara da conquista da
Argélia tornando-se posteriormente oficial de administração em Sebdu, na região
de Orã. Culto e letrado, deixou várias obras (que se perderam), como, por
exemplo, traduções do Corão, discursos militares, tratados de estratégia, etc..
Com a capitulação de Abdel-Kader, retorna à França e seu batalhão fica
estacionado nas Ardenas. Pouco após o casamento, deixa sua mulher Vitalie e
volta à vida militar em Lyon. No outono de 1854 permanece alguns dias em
Charleville para acompanhar o nascimento de Arthur, retornando novamente a seu
batalhão. No fim de 1856 recebe autorização para passar algum tempo com a
família. Neste período nascem Vitalie, em 1858, que viverá apenas dezessete
anos, e Isabelle, em 1860, que se tornará grande amiga do poeta e o assistirá em
seus derradeiros dias. O capitão Rimbaud percorre com sua unidade a Alsácia e
suas tentativas de retorno à vida familiar se revelarão infrutíferas, pois
Vitalie tornara-se autoritária e insuportável. Após infindáveis discussões com a
mulher, volta definitivamente a seu regimento e nunca mais de ouvirá falar
nele.
Os dois irmãos
são matriculados pela mãe em 1862 no Instituto Rossat, colégio frequentado pela
alta burguesia de Charleville. A precocidade de Arthur deixa os mestres
estupefatos, principalmente por sua incrível capacidade de traduzir a poesia
latina. Aos colegas anuncia com orgulho que quando adulto será explorador.
Arrebatando todos os prêmios escolares, leva certa vez ao desespero o velho e
rabugento Prof. Perrete, que diante daquele aluno incomum teria afirmado : "
Rimbaud é inteligente até não poder mais ; mas acabará mal... ". Entre
1868/1869 adquire tal domínio sobre as línguas antigas que consegue escrever
fluentemente versos rimados em latim. Desenvolve alguns versos epicuristas de
Horácio, que são enviados à Academia de Douai. A composicão recebe uma menção
especial e é publicada no Boletim Oficial da Instituição. Rimbaud declara ter
recebido em sonho aqueles poemas, do próprio Febo (Apolo), que anunciara a
seguinte revelação : " Tu vate eris " (Serás poeta). No fim do ano letivo
de 1869, o diretor do Instituto Rossat decide escolhê-lo para representar as
cores do colégio, num concurso acadêmico aberto entre os departamentos do norte
da França. O tema era intrincado e compunha-se de uma só palavra : " Jugurta ",
o rei da Numídia (antiga Argélia). Às nove horas da manhã, o diretor vem vê-lo
na sala de aula e o encontra com ar etéreo e sonhador. Não tinha escrito uma só
palavra ! " Estou com fome ", disse. O prof. Desdouets, sob o riso contido dos
presentes, providencia-lhe algumas torradas e o poeta entrega-se então ao
trabalho. Seus versos latinos obtêm o primeiro prêmio e o privilégio de serem
publicados no Boletim Acadêmico. Em dezembro, escreve seu primeiro poema em
francês, Les Etrennes des Orphelins.
Em 17 de janeiro de 1870, George Izambard, um jovem professor
de 22 anos, é nomeado para a cadeira de retórica do Instituto Rossat. Ele saberá
de imediato reconhecer e incentivar a vocação poética de Rimbaud, que o fascina.
Se propõe uma lição em versos latinos, o jovem poeta lhe entrega, além da
composição, uma variante em versos franceses. Izambard, acompanhando a espantosa
eclosão daquele gênio literário, o aconselha a enviar seus escritos ao famoso
periódico literário Le Parnasse Contemporain. Infelizmente, a série de
publicações já estava completa, e o eminente parnasiano Theodore de Banville lhe
escreve lamentando o fato e o felicitando pelos admiráveis poemas Ophelie e
Credo in Unam. Em agosto é deflagrada a guerra contra a Prússia. Entre os
estrondos dos canhões o poeta foge de casa, seguindo o exemplo do irmão, que se
evadira dias antes, e toma um trem para Paris. Queria ver de perto a queda de
Napoleão III, dizendo-se republicano e ateu. Sem documentos, é preso na
fronteira belga e enviado à prisão de Mazas. Izambard consegue sua soltura e o
abriga temporariamente em Douai na casa de suas tias. De volta a Charleville,
Rimbaud chega com o demônio da fuga no corpo, escapulindo para a Bélgica, e
retornando novamente a Douai, onde permanece três semanas na casa das tias de
seu mestre. Esta jornada inspira-lhe os antológicos poemas Au Cabaret
Vert e Ma Bohème. Izambard sai à sua procura na Bélgica e ao
encontrar seu amigo Durand, que hospedara o poeta em Bruxelas, recebe a
informação de que Rimbaud havia partido dias antes. Resolve então esquecer o
assunto e aproveitar aqueles dias de folga (as aulas estavam suspensas por causa
da guerra) na tranquila Douai. Mal empurra a porta ao chegar, ouve a advertência
de suas tias : - Rimbaud está aqui ! A situação era embaracosa para o mestre,
pois a Sra. Rimbaud já o havia responsabilizado publicamente pela fuga e
desaparecimento do filho em uma região onde as tropas travavam ferrenhos
combates. Izambard toma então a providência de escrever-lhe tranquilizando-a e a
resposta chega seca e rápida : uma intimação judicial para que entregue Rimbaud
imediamente à polícia. Sem outra saída, o confia ao comissário, com a condição
de este não maltratá-lo e o enviar o mais breve possível a Charleville. O
professor e o aluno despedem-se com forte aperto de mão. Nunca mais se verão.
Charleville é sitiada
pelos alemães e sofre pesados bombardeios. As aulas continuam suspensas e ele
aproveita este período para ler tudo o que lhe cai às mãos. Devora desde livros
de ocultismo e alquimia até as obras dos socialistas utópicos Saint-Simon,
Babeuf, Helvetius e Rosseau. Na biblioteca municipal, com seu espírito
sarcástico e brincadeiras de mau gosto, leva ao desespero o bibliotecário e os
velhos leitores, que satirizará no poema Les Assis (Os Sentados).
Percorre os escombros da parte bombardeada da cidade, em companhia de Ernest
De-lahaye, com quem discute filosofia, poesia e política por horas a fio.
Charleville acaba sendo ocupada pelos prussianos e, em 25 de fevereiro de 1871,
Rimbaud vende seu relógio e parte de trem para Paris. Encontra a capital tomada
pelo tumulto. O povo em delírio coletivo inquieta-se na Bastilha ante a
possibilidade da derrota na guerra. As tropas invasoras alemãs desfilam em 1o de
marco nos Campos Elíseos e Rimbaud perambula pelo Quartier Latin e bulevares,
comendo arenque defumado, bebendo vinho tinto e dormindo no cais e barcos a
vapor. Quinze dias depois volta à pé a Charleville, passando pelas perigosas
linhas inimigas, dizendo-se franco-atirador aos camponeses que patrioticamente
lhe oferecem pousada e pão com toucinho. Como sua escola estivesse servindo de
hospital aos feridos de guerra, as aulas são transferidas para o Teatro
Municipal. Ao ouvir esta novidade de sua mãe, replica ironicamente : - " Não
tenho nenhuma vocação para o teatro... ". Resolve tornar-se parnasiano e deixa
os cabelos crescerem até o ombro, como era de costume desse movimento. Mas o
novo modismo acaba sendo mal recebido na provinciana Charleville. Ridicularizado
pelos moleques de rua que lhe oferecem moedas para o barbeiro, acaba quase sendo
apedrejado no lugarejo vizinho de Theux onde residia a família Delahaye. Pensa
seriamente em viver como ermitão numa caverna que descobrira em Romery. Pede ao
amigo Delahaye que lhe envie todos os dias um pedaço de pão, e, neste insólito
refúgio, passam alegres momentos lendo e comentando Baudelaire, Poe, Rabelais e
os parnasianos. Em 18 de marco de 1871, eclode em Paris uma grande insurreição
popular. O governo é deposto e o poder acaba sendo tomado pela Comuna. Rimbaud
não vacila em engrossar as fileiras dos "communards", proclamando exultante : "A
ordem está vencida ! A burguesia egoísta e clerical foi vencida !". Os
"communards" comecam a recrutar voluntários ao soldo diário de 30 sous, e o
poeta acaba chegando em Paris em 23 de abril, após incontáveis caronas e longas
caminhadas. No centro de recrutamento é recebido calorosamente - : correm um
quepe e lhe arrecadam 21 francos, os quais retribuiu alegremente, pagando bebida
a todos. Incorporado ao pelotão dos franco-atiradores, começa a escrever uma
"Constituicão Comunista" (que se perdeu). Neste período compõe o poema Chant
de Guerre Parisien. Mas o clima "festivo" do movimento, aliado às
desagradáveis pilhérias, obscenidades e bebedeiras dos soldados acabam por
desiludi-lo. Queria tornar-se herói e não havia sido mais do que palhaço
!
O retorno foi repleto de perigos e situações
embaracosas. Os prussianos estavam por toda a parte e, além disso, as patrulhas
do governo de Versailles rondavam os campos e aldeias à captura dos
"communards". Chegando a Charleville, recebe com pesar, em fins de maio, a
notícia do esmagamento da Comuna de Paris. Escreve então seu último poema
revolucionário, Orgie Parisienne. Neste momento sua mente fervilha de
idéias novas, que provocariam uma verdadeira revolução na história da
literatura. Viverá nos três anos vindouros a transformação literária dos tempos
modernos. Inspirado no pensamento de Baudelaire "Em todo grande poeta reside um
grande crítico", elabora um programa apocalíptico que orientará, como os
manifestos dadaísta e surrealista, a poesia futura. Possui um novo "código" e o
lanca numa simples carta, enderecada a Paul Demény, a célebre Carta do Vidente :
"O poeta se faz evidente por meio de um longo, imenso e refletido desregramento
de todos os sentidos... O poeta é um verdadeiro ladrão de fogo". Rimbaud
radicaliza sua posição estética, insurgindo-se contra a postura e o espírito do
parnasianismo. Reconhece e denuncia a falta de vigor deste movimento, que se
tornava cada vez mais fútil e insípido. Theodore de Banville, um dos luminares
desta corrente literária, que em seu rebuscado estilo abusava das flores
silvestres, rosas e violetas, acabará por ver, com espanto, como surgem tais
buquês na bizarra ótica do Vidente : "Os lírios campestres transmutar-se-ão
em clisteres de êxtase e as singelas violetas em "doces escarros das
Ninfas". Da mesma forma como o futurista Maiakóvsky iria ridicularizar a
"poesia para gestantes" dos simbolistas russos, Rimbaud envia ao eminente
parnasiano o poema satírico Ce qu´on dit au poète à propos de fleurs, com
o pseudônimo alquímico de Alcides Bava.
Entre os estrondos dos trovões em
noites de tempestade, folheia, na Biblioteca de Charleville, Dogma e Ritual
de Alta Magia, de Eliphas Levi, e Portal das Cores Simbólicas, de
Christian Pitois. Vasculhando uma empoeirada estante no sótão, descobre os
antigos tratados alquímicos L´Ars Auriferae, de 1610, e Theatrum
Chemicum, de 1659. Esses estudos herméticos o levam a conhecer Auguste
Bretagne, um daqueles alquimistas de província, silentes herdeiros da "Ars
Magna". Essa excêntrica figura era, entre outras coisas, amigo pessoal do poeta
maldito Paul Verlaine, famoso nos meios cult parisienses. Certa noite, enquanto
discutiam temas de ocultismo e alquimia, Bretagne tem a idéia de enviar alguns
poemas de Rimbaud ao polêmico escritor. Rimbaud admirava há muito tempo os
poemas de Verlaine, principalmente seus Poèmes Saturniens. Resolve então
compor um de seus melhores poemas : isola-se no campo perto do Velho Moinho, e,
com o rosto rente à água do rio, observa o fundo prismático entre os reflexos
dourados do sol. A corrente ondula sua longa cabeleira e, neste insólito
cenário, compõe O Barco Embriagado. Liberto de todas as amarras e devidamente brevetado
para os mais altos vôos siderais, vislumbra os sete mares no cristal líquido do
Meuse. Verlaine recebe com entusiasmo seus poemas e os mostra a seus amigos.
Poucos dias depois, Rimbaud recebe com muita alegria a resposta que tanto
esperava. "Venha, grande alma querida, o chamamos, estamos a sua espera". Um
vale postal ia em anexo, com um valor recolhido entre os parnasianos que
cobriria os gastos da viagem.
Verlaine vai à estação esperá-lo com um amigo, o poeta e
inventor Charles Cros. Não reconhece Rimbaud entre a multidão, e, ao chegar em
casa, o encontra calmamente conversando com Mathilde, sua mulher. Fica pasmo ao
vê-lo, pois jamais poderia imaginar que aquele fedelho esguio com jeito de
camponês, gravata fina, calças curtas e meias de lã tricotadas pela mãe pudesse
ter escrito um poema tão negro como Les premières communions. A decepcão
é recíproca, pois Rimbaud também o havia imaginado diferente, não concebendo
como um poeta com tal estigma de maldito pudesse suportar aquele ambiente
familiar "pausterizado". Verlaine, aos 26 anos, casara-se há pouco tempo com
Mathilde Mauté, de 17 anos. Embora fosse reputado entre os promissores jovens
parnasianos, gracas à qualidade de seus livros Poèmes Saturniens e
Fêtes Galantes, atravessa no momento uma delicada situação financeira.
Refugiado na casa dos pais desde sua participação na Comuna de Paris, seu
principal objetivo é arrumar um lugar onde morar, pois sua mulher espera para
breve um filho. Na verdade, esta não era a melhor hora para a chegada de
Rimbaud. Os parnasianos tinham o costume de reunir-se mensalmente num banquete
chamado "Vilões-Gentis-Homens". Após refinadas beberagens e lautas iguarias,
poemas eram lidos e apreciados. A guerra interrompera esta tradição e no início
de outubro de 1871 um novo encontro é marcado. No esplêndido salão, todas as
atenções voltam-se àquele semblante infantil de "anjo no exílio" com olhos azuis
profundos e aparência desajeitada. Fascina a todos quando lê seu O Barco
Embriagado. D´Hervilly exclama com entusiasmo : "Jesus entre os doutores
!". "É o demônio", corrige prontamente Maitre. Decide-se que o jovem poeta seria
abrigado pelos amigos de Verlaine num sistema de "hospitalidade circular".
Charles Cros coloca a sua disposição seu excêntrico ateliê-laboratório, onde
Theodore de Banville mandará instalar uma cama. Dias depois, após um ligeiro
desentendimento, o refúgio é abandonado e Rimbaud passa a perambular por algumas
semanas com os membros da praca Maubert. Por estes tempos, os irmãos Cros
resolvem fundar um espaço, aberto apenas a um seleto grupo de artistas e poetas.
Gerenciado pelo músico e boêmio Ernest Cabaner, o Círculo Zutique tinha por sede
o terceiro andar do Hotel des Étrangers, no bulevar Saint-Michel. Lá, tudo era
permitido : beber, gritar, dançar, ler, cantar, batucar no piano, dar escândalo,
tomar ópio, haxixe, absinto e demais excessos. Quem seria o barman ideal
para este bizarro antro ? Rimbaud, é claro. No fim de novembro, chega
repentinamente à casa de Verlaine Delahaye, esperando que seu amigo de
Charleville ali estivesse. O autor dos Poemas Saturnianos o leva então no
bulevar Saint-Michel, e, apontando o Hotel des Étrangers, exclama solenemente :
Eis a toca do Tigre ! Delahaye lentamente percorre o amplo salão, onde, imersos
numa névoa opiácea, vultos letargem sob a luz difusa das lanternas. Ao fundo, de
uma sedosa poltrona violácea, Rimbaud emerge entre a gaze hipnótica, e com olhar
etéreo e distante diz : "Acabo de tomar haxixe, e com as pupilas dilatadas
vislumbro discos brancos e negros que vêm em minha direção". As reuniões
transcorriam alucinantes através das noites, levitadas pelo absinto, ópio e
haxixe. Neste insólito lugar, escreve Manhã de Embriaguez. Este poema em
prosa (que fará parte das Iluminações) será o crisol alquímico do verso
livre e manifesto supremo de espírito dionisíaco que o possuirá por completo.
Essas experiências sinestésicas (transmutação de som em cor, poesia, perfume ou
vice-versa), já haviam sido profetizadas por Baude-laire em seu antológico
ensaio sobre o haxixe e o ópio, Os Paraísos Artificiais. Imerso o tempo
todo nestes sublimes estados de percepção, Rimbaud compõe o poema Vogais,
inspirado no cromatismo do século XVII e nos antigos tratados de alquimia, como
"L´Ars Auriferae", de 1610. Vislumbra no som das vogais seu cristalino
espectro cromático : " A negro, E branco, I rubro, U verde e
O azul ! "
Devido a seu inconveniente senso de humor e abusos de toda
ordem, Rimbaud acaba sendo posto fora do Círculo Zutique. Em janeiro de 1872,
outro encontro dos Vilões-Gentis-Homens é organizado. No amplo salão, à luz
incandescente dos lustres de cristal, o parnasiano Richepin recita, emocionado,
L´Ane e Le Lion, poemas de uma enfadonha monotonia. Rimbaud, na
cabeceira da mesa, não suportando mais tanta mediocridade, pontua cada verso com
a expressão : "Que merda !". Pedem-lhe para parar e ele insiste cada vez mais
alto. Carjat (fotógrafo autor dos famosos retratos de Rimbaud e Baudelaire) o
chama então de crápula e D´Hervilly de "porco imundo". Expulso à força do
recinto, em meio a grande confusão, ameaça Carjat na saída com uma bengala,
sendo impedido por Verlaine. O pintor Latour, que por esta época retratava o
grupo num célebre quadro, começa a receber pedidos de recusa por parte de vários
"Vilões" a aparecer na pintura ao lado de Rimbaud e seu "cúmplice" Verlaine. A
presença do poeta das Ardenas começa a se tornar cada vez mais incômoda nos
meios literários parisienses. Verlaine é advertido de que seria recebido nas
próximas reuniões, mas seu amigo não, pois tornara-se "persona non grata".
Provocando mais escândalos que admiração, Rimbaud recebe a primeira farpa
venenosa do jornal Le Peuple Souverain, que comentou num de seus artigos
: " No Quartier Latin, Verlaine dava o braco a uma encantadora criatura, a
mademoiselle Rimbaud ". Para piorar mais as coisas, Verlaine chega completamente
embriagado em sua casa e, após violenta discussão, tenta estrangular sua mulher.
Mathilde o abandona, aconselhada pelo pai, e uma separação oficial é requerida
na Justica. Ela, entretanto, admite a possibilidade de reconciliaçcão, com a
única e exclusiva condição do total afastamento de Rimbaud. Sem recursos,
Rimbaud retorna às Ardenas, onde aproveita para desintoxicar-se. Em Charleville,
quase inicia uma briga ao escutar as bravatas de um grupo de soldados alemães
que voltavam do campo de batalha. Sua mãe, certa noite, ao vê-lo escrever as
primeiras Iluminações,
proclama consternada : " Isto não levará a lugar nenhum ! ". Verlaine não
demorou muito a entediar-se com aquela vidinha "pasteurizada" que era obrigado a
enfrentar na casa de seus sogros. Em poucas semanas escreve a Rimbaud,
pedindo-lhe encarecidamente que volte. O jovem poeta retorna então a Paris, onde
encontra abrigo num ateliê de pintura. Passa o dia numa taverna do Quartier
Latin, a "Academia do Absinto", pois neste pitoresco local a forte bebida
(conhecida como "A Feiticeira Verde") custava apenas 3 centavos. No dia 7 de
junho de 1872, um domingo, Mathilde sofre uma repentina indisposição e Verlaine,
ao sair para procurar um médico, encontra Rimbaud no caminho. Resolvem partir
imediatamente para a Bélgica, conseguindo uma soma de dinheiro com a mãe de
Verlaine sob o pretexto de uma fictícia perseguição política à sua participação
na Comuna de Paris. Rimbaud escreverá posteriormente em Vagabundos : " Eu
tinha realmente, com toda sinceridade de espírito, assumido o compromisso de
devolvê-lo ao seu estado primitivo de filho do Sol ". Decidem passar por
Charleville, que seria caminho e, no trem, morrem de rir assustando os
passageiros contando histórias macabras de assassinatos e violações, das quais
vangloriam-se de ter participado. Mas a diversão dura pouco, pois um vizinho de
poltrona chama a polícia ferroviária e os dois poetas são levados à delegacia
mais próxima. Entretanto, o comissário os liberta, convencido de que não
passavam de bons gozadores apenas. Ao chegar à pacata Charleville, visitam o
velho Bretagne, e passam alegres momentos conversando e bebendo vinho. Ao cair
da noite, resolvem atravessar a pé a fronteira e o alquimista, na tentativa de
poupar-lhes uma caminhada de mais de quinze quilômetros, requisita uma carroca a
seu vizinho, apresentando os dois como o reverendo Verlaine e o seminarista
Rimbaud, que viajam à Bélgica em missão secreta para o Vaticano, em trajes
laicos. Ao partir, recebem do simpático amigo um violão, um relógio de pulso e
alguns francos.