Biografia - Parte 1

Biografia - Parte 2 Cronologia Opiniões de Peso Cartas Verso & Prosa

Com o mútuo compromisso de viver a "vida inimitável", passam dois meses em Bruxelas, entregando-se a sessões contínuas de "desregramento dos sentidos", embaladas a haxixe e absinto. Verlaine comeca a escrever Ro-mances sand Paroles e Rimbaud os poemas Chanson de la plus haute tour, L´Eternité e Ó saisons, ó chateaux. Certo dia, Verlaine tem a infeliz idéia de escrever à mulher, pedindo alguns documentos e fotos. Ao procurá-los, ela acidentalmente encontra as cartas de Rimbaud. Descobre toda a trama e as mostra ao pai. Este, indignado com a invenção da fictícia perseguição política, junta os envelopes às provas do processo de separação e põe fogo nos poemas e no manuscrito La Chasse Spirituelle, de Rimbaud, que descrevia as vias de acesso à Vidência. Em 21 de junho de 1872, Mathilde chega a Bruxelas em companhia da mãe, para apurar tudo. O marido a recebe cordialmente e, entre beijos e abraços, reconciliam-se. Tanto ela insiste que decidem partir juntos para Paris no mesmo dia. Enquanto os passaportes são vistoriados na fronteira, Verlaine desce à plataforma e o trem parte sem ele. No dia seguinte, Mathilde recebe uma carta terrivelmente insultuosa : "Bruxa cenoura, princesa camundonga, percevejo à espera de dois dedos e um urinol. É a culpada de tudo. Arrasou meu amigo. Volto para Rimbaud se ainda me quiser". Mathilde, enfurecida e revoltada, mostra a infame carta a todos, com firme propósito de "queimar" o marido nos meios literários. Até Victor Hugo a lê, e anota em seu diário : "Terrível história de P.V. Pobre moca e pobre criança. Ele mesmo é digno de pena !". Verlaine, cada vez mais paranóico, sente-se vigiado e perseguido pela polícia, pensando estar sendo vítima de alguma armação dos sogros. Mas é fato comprovado a existência de um documento da polícia secreta belga, notificando em 6 de agosto de 1872 que a Sra. Rimbaud havia requerido ao comissariado a busca de seu filho em Bruxelas.

Embarcam em Ostende com destino a Dover, na Inglaterra. Pela primeira vez Rimbaud contempla o mar. Chegam a Londres e, impressionados, querem ver tudo o que a grande capital do Império Britânico tinha a oferecer naquele século. No Clube dos Exilados da Comuna encontram velhos amigos, e um dos refugiados, Eugene Vermersch, lhes oferece um quarto na Holland Street. Vagueiam dias seguidos pelas ruas de Londres, explorando casas de ópio e galerias. Rimbaud comeca a dar aulas de francês e, com sua "prosa de diamante", comeca a engendrar novas e preciosas Iluminações. Mathilde envia sem parar todo tipo de papéis timbrados, desde audiências judiciais até intimações de pagamento de pensão alimentar. O processo de separação já está em franco andamento e não se falava em outra coisa nos meios literários parisienses. Mas a Sra. Rimbaud, temendo ver o filho envolvido em escândalo desse porte, lhe manda um vale postal para a viagem de volta. Então, Rimbaud atravessa o canal da Mancha e parte para Roche, cidade em que sua família possuía uma casa de campo. Neste tranquilo e bucólico lugar, passa os dias escrevendo, trancado num sótão. Compõe Marine, o primeiro poema em verso-livre de que se tem notícia na história da literatura moderna. Vinha planejando há muito engendrar versos "vazios" repletos de assonâncias e ritmos vagos. Marine apresenta dez versos livres sem rima. Rimbaud naquele velho sotão anuncia a poesia do século XX totalmente sintonizado com o futuro. Este poema representa o rompimento com a concepção linear do tempo.

Verlaine, totalmente abandonado em Londres, mergulha numa nova depressão. Envia sistematicamente bilhetes e telegramas de despedida a seus amigos e pede com urgência a presença da mulher e da mãe. Mathilde recusa-se a ir e apenas a Sra. Verlaine atenderá os apelos do filho. Ao encontrá-lo naquele estado, tem a idéia de o reanimar com a presenca de Rimbaud, a quem envia um vale postal. O jovem poeta ao chegar percebe que tudo não passava de exagero e simulação, pois Verlaine melhora instantaneamente ao vê-lo. Volta a Charleville alguns dias depois e o amigo também não se delongará muito em Londres, partindo imediatamente para a Bélgica. Sem recursos, Rimbaud chega na Sexta-Feira Santa, 11 de abril de 1873, após longa caminhada pelos bosques das Ardenas. Daí por diante, enclausurado naquele escuro e velho sótão, se empenhará com toda sua energia no preparo de sua grande obra. Reescreve alguns rascunhos que esbocara em Londres e inicia, com o título provisório de Livro Pagão, ou Livro Negro, a prossa abissal de Uma Temporada no Inferno.

Não se sabe quem convenceu o outro, mas em 27 de maio os dois encontram-se novamente na capital londrina, onde passam a morar na Great College Street. A situação torna-se cada vez mais insuportável e uma série infindável de brigas e discussões culmina numa noite em que Verlaine volta com um pequeno jantar e Rimbaud, ao vê-lo pela janela, grita : " Você parece um babaca com esse arenque na mão ! ". Irritado com a gozacão, Verlaine abandona o amigo na mais completa miséria. Sem dinheiro algum, Rimbaud tenta escrever-lhe desculpando-se e pedindo que volte. Dias depois, recebe um comunicado do fugitivo, deixando bem claro que desta vez a ruptura seria definitiva. Verlaine, em Bruxelas, entra novamente em depressão e escreve inúmeras cartas à mãe, esposa, Sra. Rimbaud e amigos, comunicando sua decisão final de acabar com a vida. A Sra. Rimbaud envia-lhe uma resposta de conteúdo edificante na qual relata que previa há vários anos este desfecho, mas entretanto o exorta a confiar em Deus. A mãe de Verlaine, assustada com o ultimato, ruma imediatamente a Bruxelas. Após uma longa conversa com a mãe, Verlaine remete um telegrama a Rimbaud : " Voluntário Espanha. Venha até aqui. Hotel Liégois ". Por muito tempo ele se arrependerá amargamente deste convite. Nem bem Rimbaud aparece recomeçam as antigas discussões. No dia seguinte, 10 de julho, Verlaine, paranóico e com a cabeça quente, decide comprar um revólver e farta munição. Aparece no fim da tarde no hotel completamente bêbado e com olhar transtornado mostra a arma a Rimbaud, dizendo : " Isto é para você, para mim, para todo mundo ! ". As discussões acirram-se e Rimbaud resolve abandonar a cidade. Tenta sair do quarto com firme propósito de tomar o trem das 15h40. Quando sua mãe desembolsa a quantia para a viagem, Verlaine se opõe, trancando violentamente a porta com ferrolho. " Pouco importa ", responde Rimbaud. " Vou quer queira, quer não ! ". Neste instante, Verlaine aponta-lhe o revólver e atira, gritando : " Toma, já que quer ir embora ! ". Uma bala atinge Rimbaud no punho e outra fica cravada no chão. O poeta sangra um pouco e Verlaine, já calmo, o carrega com a ajuda da mãe, ao hospital Saint-Jean. Contam aos médicos que tudo não passara de um mero acidente. Aplicam-lhe um curativo e pedem que volte no dia seguinte para a extração da bala. Com o braço na tipóia, o jovem poeta insiste em partir imediatamente, e os três dirigem-se à estacão. Na plataforma, comecam a discutir e Rimbaud, tomado pelo pânico, corre até um policial, gritando : " Ele quer me matar ! ". São levados à delegacia e Verlaine é preso sem apelação, acusado de tentativa de assassinato e lesões corporais. Em 8 de agosto de 1873, Verlaine é julgado pelo Tribunal de Bruxelas. Victor Hugo é convocado às pressas a depor e interceder a seu favor, mas recusa-se, confortando apenas a esposa e o filho do poeta. Verlaine é condenado a dois anos de prisão e duzentos francos de multa. Negam-lhe todos os recursos ou atenuantes : é imediatamente escoltado à Penitenciária Agrícola, onde cumprirá a dura pena.


Após o episódio com Verlaine, Rimbaud retorna a Roche, onde acaba de escrever naquele sótão sua obra-prima : Uma Temporada no Inferno. Ele insufla seus escritos com o espírito gaulês pré-cristão : " Herdei de meus ante-passados gauleses o amor pelo sacrilégio. Tenho os olhos fechados à vossa luz ". Em Bruxelas, um editor de revistas jurídicas resolve editar a obra. Os custos ficariam a cargo do autor e o Sr. Poot lhe pede então um adiantamento. A mãe do poeta acabará desembolsando a quantia, embora a contragosto. Em outubro de 1873 Uma Tem-porada no Inferno é finalmente publicada. Rimbaud recebe alguns exemplares e, no mesmo dia, entrega um deles na portaria do presídio com a lacônica dedicatória : " A P. Verlaine ". Sua mãe não entende uma palavra do livro e pergunta-lhe, perplexa : "O que quis dizer ?". "Disse o que está dito, literalmente e em todos os sentidos", responde Rimbaud, com certa irritacão. Em Paris distribui alguns volumes a amigos. O episódio de Bruxelas havia se espalhado com muita rapidez no Quartier Latin e Rimbaud passa a ser acusado da ruína do amigo. Nos meios literários ninguém mais ousa dizer que é seu conhecido e entre os parnasianos apenas os fatos desagradáveis, como sua conduta imprópria nos encontros, são lembrados. De vítima passa a vilão da história. Voltando a Roche, nem quer ouvir falar em literatura, e é possível que tenha queimado os exemplares restantes, como também alguns manuscritos.

Na primavera de 1874, volta a Londres em companhia do jovem poeta provencal Germain Nouveau. Alugam um pequeno quarto na Stampford Street e Rimbaud retoma suas Iluminações. Um estudo grafológico feito recentemente veio provar que a maior parte desses poemas em prosa data dessa época, revelando também rasuras feitas pelo poeta. Por sua vez, os poemas de Nouveau publicados pela revista parisiense Le Renaissance apresentam grande influência rimbaudiana, como, por exemplo, Les hôtesses. Durante este período, presume-se que Rimbaud tenha dado aulas de francês e trabalhado como guia turístico e intérprete. Um mês após sua chegada em Londres, Germain Nouveau é advertido de que, na companhia de Rimbaud, não teria futuro literário. Decide então retornar o mais breve possível a Paris. Em maio, Rimbaud recebe a visita de sua mãe e da irmã, Vitalie, de dezesseis anos. Passam alegres momentos visitando a cidade, enquanto o poeta procura em vão um emprego. O Times de Londres publica em sua secão de classificados em 7 e 8 de novembro o curioso anúncio : "Parisiense de vinte anos, de elevados conhecimentos literários e linguísticos e excelente conversação, oferece-se para acompanhar um gentleman (de preferência artista) ou então uma família em viagem pelos países do Sul ou Oriente. Muito boas referências. A.R. King´s Road, no 165".

Em janeiro de 1875 Rimbaud parte para Stuttgart com o intuito de aprender o alemão. Verlaine, por essa época, havia saído da prisão e, convertido agora ao cristianismo, considera-se um novo homem, cujo lema é " Nos amemos em Jesus ! ". Nem bem atravessa os portões do presídio, vai em busca de Rimbaud na Alemanha, movido por uma dupla missão : recuperar o amigo e salvar uma alma ! Encontram-se na casa do doutor Lübner (onde Rimbaud dava aulas aos filhos dele) e Verlaine lhe mostra seus mais recentes versos místicos de inspiração cristã. Rimbaud, por sua vez, lhe entrega os originais das Iluminações, inumbindo-o de levá-los a Germain Nouveau em Paris. Tudo corre às mil maravilhas, até que em um certo momento Rimbaud comeca a irritar-se com toda aquela pregação e, entre blasfêmias e palavrões, o intima a conhecer as famosas cervejarias da cidade. Rimbaud escreve a Delahaye, em 5 de marco de 1875 : " Verlaine apareceu aqui de terço na mão... Três horas depois havíamos renegado seu deus e sangrado as 98 chagas de N.S. ". Ao que tudo indica o encontro terminara mais uma vez em briga. Nunca mais se verão : a ruptura desta vez é definitiva. Verlaine, poucos dias depois, declara que Rimbaud é um crápula e aos trinta anos não será mais que um burguês vulgar. O jovem poeta, por sua vez, comenta a amigos que Verlaine não passa de um grande unha-de-fome disfarçado de jesuíta e ainda por cima querendo dar lições de moral.... Jamais se saberá o porquê, mas aos dezenove anos Rimbaud pára de escrever. De agora em diante constarão apenas suas cartas e um relato técnico de poucas páginas, encomendado em 1883 pela Sociedade Geográfica. Mas a unidade entre sua vida e a poesia é tão intensa que, mesmo não mais escrevendo, sua grande aventura poética neste momento está apenas começando. Será o eterno adolescente, desbravador das paragens inauditas, tanto poéticas quanto insólitas, como os infindáveis e escaldantes desertos africanos. Em nenhum momento este espírito aventureiro, profético e poético o abandonará.


Leia sobre as viagens de Rimbaud e sua
segunda fase a partir de 1875 em cronologia

* Todo o texto e material de pesquisa para construção desta
seção foram retirados do livro "Rimbaud - por ele mesmo",
da Editora Martin Claret.

* Perfil biográfico elaborado por Alberto Marsicano