VERAS

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  NA SAUDADE  

 

 

 

Eu era rapazinho, era criança

e criança Paulina também era.

Corríamos os campos — Que aliança! —

primaveras colhendo em Primavera.

Ela travessa, célere, seguia

pela fita da estrada longa afora;

e distante de mim, além, corria,

sorrindo ao despertar da flava aurora.

E lá nos campos, as mãos suas iam

puxando os delicados, finos ramos,

colhendo as flores frescas que sorriam

sobre a relva adornada de recamos.

Tendo as flores no lenço em sua posse

«Ó toma! Ó toma!» alegre me dizia;

e ouvindo-lhe a voz sonora e doce

no céu azul do enlevo eu lhe sorria.

 

 

 

 

Voltávamos contentes em folguedo

nós — duas, ternas, gárrulas, crianças;

nós dois em cujo seio estava, quedo,

um bando de ilusões e de esperanças.

Eu comparava às vezes à bonina

a cor punícia de suas faces, bela;

outras vezes, no meio da campina,

eu comparava ao lírio o seio dela.

 

 

 

 

Os lábios seus eu comparava à rosa,

à rosa purpurina mais bonita;

e à coma percintada e perfumosa,

a noite que minha alma agora fita.

 

 

 

 

Mas que comparações! Ah, que loucura!

Às flores dos vergéis, tão maculadas

eu compará-la imaculada e pura

como as estrelas límpidas doiradas.

 

 

 

 

Pois as flores mais belas e olorosas

conservam e seu seio, ocultamente,

filtros nocivos, moscas asquerosas,

insetos carniçais, tudo indecente.

A noite o criminoso vil embuça —

a noite é treva, e a treva o abismo beija;

a noite sobre o pego se debruça

e nunca brilha e sói ser malfazeja.

 

 

 

 

E ela no olhar era uma clara estrela,

era um lírio na cor e na candura;

nos lábios era a rosa; e tinha, a bela,

nas melenas, da noite, a treva escura.

A escuridão, porém, apenas tinha

da noite escura em sua escura coma;

o mais tudo era seu, dela provinha:

a luz de seu olhar, do seio o aroma.

Foi ela sempre casta, sempre pura —

a boca, o colo, o riso era impoluto,

nunca teve no seio a desventura:

a tudo o que era mau tinha um reduto.

Dia, porém, chegou em que invadida

por uma dor atroz, profunda, imensa,

murchou, coitada!, em ânsias abatida

e foi para a região da indiferença.

 

 

 

 

Hoje, quando diviso alta e serena,

luzindo, clara estrela cintilante,

e no jardim a cândida açucena

e num arbusto uma ave gorjeante,

das assimilações me lembro agora,

que fiz ao lado dela; em ansiedade

sai-me o pranto em caudal olhos afora,

num misto de pesar e de saudade.

 
 

 

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