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"Bernardo Guimarães, o romancista da
Abolição"
A morte de BG e a
Teresa,
a companheira de sempre
Armelim Guimarães
Na corte, a "Revista
Ilustrada", de Ângelo Agostini, de 15 de março de 1884, publicou, com
o desenho de George Manders, o necrológio de Bernardo Guimarães, que
morrera no dia 10.
Em Ouro Preto, era a
"Província de Minas", de 13 de março, que lhe consagrava o
epicédio, transcrito que seria por Xavier da Veiga nas "Efemérides
Mineiras".
Valentim Magalhães, nas "Notas
à Margem", da "Gazeta de Notícias", de 12 de março de 1884, e
o número de 11 de março da mesma folha, do Rio de Janeiro, lhe dedicaram
elegíacas evocações.
No "Microcosmo" do Jornal
do Comércio, da Corte, era Carlos de Laet que lhe deitava palavras de saudade,
assim terminando: "A morte, portanto, de um homem como Bernardo Guimarães,
se em todo o País, onde se estima a literatura, seria motivo de justificadas
tristezas, como não será entre nós, onde tanto escasseiam os cultores das
boas letras? Aquele bravo, que valia por muitos, merece mais do que os prantos
vulgares, que se derramam quando um homem desce ao túmulo. Com a morte de
Bernardo Guimarães, não foi um soldado que perdemos; foi uma
legião".
Vinte anos depois, como feito preito
à memória do marido, D. Teresa Guimarães retomou o esboço de um romance
deixado pelo saudoso companheiro, obra então apenas nos primeiros rascunhos, e
terminou-o carinhosamente. Assim fazia para cumprir a promessa do esposo,
deixada no final do "Maurício" ou "Os Paulistas em São João
del-Rei".
O novo romance assim terminado
postumamente recebeu o título de "O Bandido do Rio das Mortes".
Editou-o, pela primeira vez, a Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, em
Belo Horizonte, em 1905, com prefácios do Monsenhor João Pio de Sousa Reis e
do Conde Afonso Celso. A segunda edição é de Monteiro Lobato & Cia., São
Paulo, 1922.
Não é, pois, verdade o que afirma
Escragnolle Dória: "Escreveu (Bernardo) até à última hora um romance
póstumo, "O Bandido do Rio das Mortes", ainda o deu a ler a muita
gente". (Em "Minas Gerais" em 1925, de Victor Silveira, página
410). Vê-se aqui, uma vez mais, o quanto de informações inteiramente erradas
se tem publicado sobre Bernardo Guimarães.
Afonso Celso, no prefácio dessa
obra, enaltece o desvelo da viúva de Bernardo, a admirável colaboradora do
marido morto, a "salvadora do livro" derradeiro. Compara-a à Madame
Michelet e à Madame Alphonse Daadet, observando porém que "a soma de
esforços necessários no Brasil foi incomparavelmente mais meritória do que a
reclamada em França". E termina:
"Não achais o fato belo e
tocante, leitor! Sois mineiro, isto é, acessível a todas as nobres comoções.
Vejo-vos, portanto, curvado qual eu estou, na mais respeitosa reverência,
perante D. Teresa Guimarães.
Salve ínclita mineira,
excelentíssima senhora!"
Basílio de Magalhães tem
igualmente palavras encomiásticas a D. Teresa Guimarães, dizendo, de uma
visita que ele lhe havia feito:
"Não há ainda muitos dias,
cumpri o dever de visitar aquela que, durante 17 anos, foi mais do que a
consorte -- foi o anjo tutelar de Bernardo Guimarães, foi a salvadora de uma
das suas melhores produções intelectuais, e foi, enfim, a heroína que, em
meio de indizíveis dificuldades e escondidas lágrimas, educou tantos filhos
precocemente orfanados e os encarreirou para a continuidade da tradição
espiritual paterna, zelando sempre e sempre defendendo a memória do ilustre
esposo extinto. Pareceu-me divisar-lhe sobre as cãs uma auréola de santa. E,
diante de D. Teresa Guimarães, que eu via pela primeira vez, acudiu-me aos
lábios o expressivo conceito de Dante:
La gloria del tuo sposo è gloria
tua!
"Mas o halo, que lhe nimbava de
luz e fronte engelhada, larga e meditativa, tinha, entre as vívidas
auriflulgências da bondade, da pureza e da fé, os apagados reflexos que lança
nas almas mais estóicas a lâmina açacalada da penúria ou da ingratidão.
Em "A influência da mulher na
vida de grandes homens", lembra o "Estado de Minas" (Belo
Horizonte, 9 de janeiro de 1944) a figura de Ana Smitkino, que taquigrafou as
novelas de Dostoievski; da esposa de Roberto Luís Stevenson, salvadora da obra
do marido, o criador de "O Homem e a Besta", de Carolina, a devotada
companheira de Machado de Assis. E, chegando à co-autora de "O Bandido do
Rio das Mortes", dizia o jornal:
"Igual influência teve Teresa
Guimarães na atormentada existência de seu marido, o grande romancista mineiro
Bernardo Guimarães. Dona Teresa sobreviveu ao novelista de "A Escrava
Isaura" quase meio século (aliás, exatamente meio século). E, durante
todo esse tempo de viuvez, permaneceu fiel à afeição que a ligara a Bernardo.
Foi um raro e comovedor exemplo de dedicação conjugal".
Como maior responsabilidade para
Teresa, contudo, competia-lhe a salvação de outras obras de Bernardo
Guimarães, as quais eram, conforme o próprio poeta declarou, as que mais ele
apreciava: os filhos. E ao morrer, em 1884, eram todos de menor idade. O mais
velho, Horácio, ainda não tinha completado os 15 anos. Foi uma luta heróica a
de Teresa, para manter e propiciar educação a uma numerosa família
inteiramente desamparada.
Morto o romancista, e enquanto vivia
a bondosa Dona Felicidade, caída do céu para Bernardo Guimarães -- ela tinha
algum recurso financeiro e fora fazendeira, o seu marido, Sebastião Gomes do
Val, lhe deixara a estância da Rancharia --, D. Tereza e os filhos não
passaram grandes privações, e os direitos autorais, que ainda lhe rendiam
alguns caraminguás, vindos da Corte muito esporadicamente, acudiam-se em
algumas pequenas despesas. Bernardo não era aposentado, nem a família amparada
por nenhuma instituição assistencial. Se era coisa que já existia, ele nunca
se preocupou com isso. Desaparecida D. Felicidade, a família do poeta e
prosador ficou mesmo na penúria.
Em Ouro Preto foi imediatamente
criada a Comissão Central encarregada de angariar auxílios, em todas as
cidades mineiras, para socorrer os filhos do estimado e admirado escritor. É o
que se lê em "O Itajubá", jornal da cidade do mesmo nome, do sul de
Minas.
Anos depois, "A Verdade",
da mesma cidade, de 2 de dezembro de 1893, transcrevia uma carta de Mário
Azevedo, remetida de Ouro Preto, com a qual fazia apelo a todos os mineiros no
sentido de ser levantada, em cada cidade do Estado, uma "cruzada do bem, em
prol da desventurada família de Bernardo Guimarães. O mesmo jornal, na
edição de 23 de fevereiro de 1895, noticiava a constituição, em Itajubá, de
uma comissão encarregada de receber ajuda para a família do poeta. Foi a
campanha que deve ter encontrado eco nos principais periódicos então
existentes em Minas Gerais.
Os deputados João José Frederico
Ludovico e o Dr. Manuel Joaquim de Lemos apresentaram à Assembléia Legislativa
Provincial a proposta de uma liberação à família do escritor de um conto e
duzentos mil réis anuais.
Dois anos mais tarde, em 27 de julho
de 1886, uma lei mineira mandava "aumentar uma rubrica na lei orçamental
(de 29 de junho daquele ano), destinando 840 mil réis anuais para auxiliar nos
seus estudos aos filhos do finado poeta mineiro Dr. Bernardo
Guimarães". (Xavier da Veiga, "Efemérides Mineiras", 3º
volume, páginas 167/168).
No Rio de Janeiro, a
"Semana" e a "Gazeta da Tarde" também levantaram
subscrições públicas em favor da família do menestrel vila-riquense. O
amanhã de um homem de letras é assim mesmo. Flutua sempre entre a fome e a
esmola.
Anos mais tarde, já com os filhos
mais velhos crescidos e dispostos todos a ajudá-la, D. Teresa mudou-se para
Belo Horizonte. E ali, na nova capital das Alterosas, alugou uma casa espaçosa
e montou um modesto hotel, que ficou conhecido por Pensão da Viúva de Bernardo
Guimarães. E os moços e a velha mãe passaram a viver do próprio trabalho,
sem mais precisar estender o chapéu à misericórdia dos outros.
Afonso da Silva Guimarães, filho de
Bernardo Guimarães, expondo a Milton Pedrosa ("Vamos Ler!" de 27 de
agosto de 1942, Rio de Janeiro) toda a quase indigência por que passaram seus
irmãos e ele na orfandade, relembra os três vultos femininos de sua saudade e
nímia gratidão, que os ampararam na infância: D. Felicidade, avó materna,
à qual Afonso dedicaria um dos seus contos de estréia; depois, conta ele:
"Quem tantas vezes não nos deixou praticar o nudismo entre parentes (sendo
nós os precursores talvez universais) foi a Chiquinha, a boníssima prima
Chiquinha, mãe de Alphonsus de Guimaraens. Francisca de Paula Guimarães Alvim,
cuja lembrança, nesta inesperada evocação, desperta, como sempre, imensa
saudade... Outra coisa de que não posso me esquecer, é do talento da prima
Chiquinha para a escultura, fazendo-nos catitos de cera, aos quais sabia
imprimir, com o admirável segredo de seus dedos de artista, uma acentuada veia
cômica de bonifrates".
Acima de todas, porém, nessa
tríade feminina de anjos protetores, era natural que estivesse mesmo D. Teresa
Guimarães. Quanto não lutou esse exemplo de mãe, "incansável, perseverante
e obstinada, na boca do forno e nas cópias de autos forenses a cinqüenta réis
por linha!"
D. Teresa Guimarães morreu à
meia-noite de 10 para 11 de outubro de 1934, em Belo Horizonte. Foi sepultada no
cemitério do Bonfim, no jazigo da família.
Notável coincidência: 10 de
outubro era a data de nascimento de sua mãe, D. Felicidade; e dia 11, o
aniversário de Germana, sua irmã.
Guardo como uma preciosa relíquia a
carta de D. Teresa, minha avó paterna, a mim dirigida, na qual ainda se nota a
firmeza de sua caligrafia, já depois dos 80, o que revelava a serenidade e a
tranqüilidade de espírito, e sempre preocupada com a memória de sue famoso
esposo, comunicava-me a inauguração do túmulo de mármore de seu
inesquecível Bernardo.
Bernardo Guimarães foi sepultado no
cemitério colado à Igreja de São José, de Ouro Preto, templo construído em
1757 pela Irmandade de São José dos Bem-Casados. Sobre a modesta tumba, foi
colocada uma coroa de flores, em nome da mocidade acadêmica da Paulicéia.
Decorridos sete anos, foram exumados
os restos mortais do escritor e colocados numa urna de madeira. O cônego
Raimundo Trindade, em seu livro "A Igreja de São José em Ouro
Preto", página 106, dá esta informação:
"Encontra-se no arquivo da
Irmandade uma carta de D. Teresa Guimarães, viúva do saudoso Bernardo
Guimarães, datada de 2 de abril de 1891, pedindo licença à Mesa para colocar
na capela uma urna com os ossos de seu finado marido. De fato essa urna lá
existe."
Em 1925, por ocasião das
comemorações do centenário de nascimento do romancista, ainda se encontravam
os seus ossos mal abrigados nesse cofre de pau. Tão precária acomodação dos
despojos do poeta levou Augusto de Lima a reclamar, penalizado, maior carinho e
desvelo para com a memória do cantor das "Folhas do Outono".
A "Tribuna de Ouro
Preto", órgão redigido pelos Drs. Carlos Veloso e Álvares
Magalhães, foi a folha que mais trabalhou para a consecução do mausoléu de
Bernardo, com apelos endereçados ao povo, aos intelectuais, à Câmara
Municipal de Ouro Preto, ao Congresso Mineiro e ao Presidente do Estado.
Foi ainda o jornal que, em Ouro
Preto, mais incentivou as comemorações do centenário. Naquela data, 15 de
agosto de 1925, os ossos do romancista ainda foram visitados nesse singelo cofre
de madeira, guardado no consistório da Igreja de São José. Sobre esse
escrínio fúnebre foram então depositados flores em profusão, salientando-se
um lindo ramalhete de camélias enviado pela "Tribuna de Ouro Preto".
O advogado Vicente Racioppi exaltou, naquele dia, diante dos restos mortais do
escritor homenageado e de numerosos intelectuais, a memória do "verdadeiro
fundador do romance no Brasil". Presente também estava o Dr. Pedro
Bernardo Guimarães, meu pai e filho de Bernardo Guimarães, que ali
representava a família do poeta.
Finalmente, por iniciativa do
Governador do Estado (Presidente, como era designado na época) Fernando Mello
Vianna, que contou com a aprovação da Assembléia Legislativa, foi concedida a
verba para a construção do túmulo do romancista, inaugurado que foi em 10 de
março de 1930, no governo estadual de Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, que
foi representado nas solenidades de inauguração. Presentes ainda estiveram
várias outras autoridades, a viúva e alguns descendentes do Bernardo, muitos
escritores e representantes da imprensa e de instituições culturais. O
discurso inaugural foi proferido pelo escritor Gastão Penalva. O mausoléu foi
projetado pelo escultor Antonio Mattos, tendo sido construído no Rio de Janeiro
sob a direção de Aníbal Mattos. Nele foi depositada a urna dos ossos, com o
seguinte documento:
"Imperial Irmandade do
Patriarca São José
Ouro Preto, 26 de agosto de 1930
Ata de colocação dos ossos do Dr.
Bernardo da Silva Guimarães no mausoléu que lhe mandou erigir o Estado de
Minas Gerais, sob a presidência do Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada.
Aos vinte e seis do mês de agosto
de mil novecentos e trinta, no Consistório da Imperial Capela de São José,
desta cidade de Ouro Preto, presente os abaixo assinados, membros da Mesa
Administrativa da respectiva Irmandade, representante da Exma. Família de
Bernardo Guimarães, construtor e operário do mausoléu e mais pessoas, pelos
Srs. membros da Mesa Administrativa foi apresentada uma urna de zinco, fechada a
cadeado, na qual declararam se achar encerrados os ossos do Dr. Bernardo da
Silva Guimarães. Em seguida foi a referida urna conduzida pelas pessoas
presentes ao local onde, no cemitério da referida Capela, estava sendo
construído o mausoléu mandado erigir pelo Estado de Minas Gerais, em virtude
de autorização legislativa, para que nele se colocassem os restos mortais do
mesmo Dr. Bernardo da Silva Guimarães, os quais foram efetivamente depositados
na cavidade a esse fim reservada no monumento, juntamente com uma cópia da
presente Ata, exemplares de jornais do dia, moedas em curso, cartões de pessoas
presentes, etc. Do que tudo, para constar, se lavrou a presente, no livro
próprio da Mesa Administrativa da Irmandade de São José, sendo tiradas mais
duas cópias, uma destinada à Exma. Família do ilustre finado e outra para ser
entregue a S. Ex. o Sr. Presidente de Minas Gerais, Sr. Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada, sob cuja Presidência se deu execução à lei que autorizou a
construção do monumento. Consistório da Imperial Capela de São José, em
Ouro Preto, 26 de agosto de 1930. (a) O 1º Juiz Diogo Borges de Magalhães; o
Secretário Amaro Andrade Racioppi, representando a família do romancista, por
incumbência de Pedro Bernardo Guimarães; Dr. W. de Araújo Dias; Olívio
Toffolo; Oswaldo Ramos; Avelino Fernandes Fontes, que está armando o monumento,
construído pelo Professor Aníbal Mattos e Vindelino dos Santos,
operário." (seguem-se as assinaturas).
Pelo que se infere da data e de
alguns dos dizeres desse documento, a urna -- já não de madeira, mas de zinco,
fechada a cadeado -- foi colocada no referido jazigo meses depois de sua
inauguração oficial, ocorrendo esta quando a obra ainda estava inacabada, --
se verdade é que essa inauguração se dera mesmo em 10 de março, conforme se
tem divulgado, dia do aniversário da morte do escritor.
O ato inaugural contou ainda com a
presença do Dr. João Veloso, representante da Edilidade de Ouro Preto; de D.
Helvécio de Oliveira, Arcebispo de Mariana; do Monsenhor João Barbosa,
Vigário de Ouro Preto; do Frei Virgílio, Vigário de Antônio Dias; de toda a
Irmandade de São José; dos preparatorianos componentes do Grêmio
"Bernardo Guimarães" de Belo Horizonte; de vários parlamentares; e
de populares.
É túmulo bem projetado,
construído de granito escuro, erguendo-se à cabeceira a artística estrela em
que o toreuta entalhou um anjo plangente, que segura o medalhão com a efígie
do escritor. No poial em que se assenta o anjo, lê-se a seguinte inscrição,
em relevo:
A
Bernardo
Guimarães
o
Estado
de
Minas Gerais
Em 1914, o prefeito de Belo
Horizonte Olinto Meireles, no governo estadual de Júlio Bueno Brandão, mandou
erigir, na Praça da Liberdade, a herma de Bernardo Guimarães. Informa Basílio
de Magalhães dever-se a iniciativa a João Pinheiro. Assim sendo, a
concretização desse monumento tardou, mas pelo menos, seis anos, já que este
ilustre presidente estadual falecera em 1908. O busto do poeta foi esculpido
pelo célebre artista Rodolfo Bernandelli, o consagrado gênio da arte plástica
que, na afirmação de Rodrigo Otávio, "foi o maior escultor de sua terra,
um dos maiores do mundo em seu tempo". ("Minhas Memórias dos
Outros", 1935, páginas 419).
"Não é à toa -- afirmou
Marques Rebelo ("Cenas da Vida Brasileira", edição de "O
Cruzeiro", Rio, 1951, página 85) -- que a Praça da Liberdade tem aquela
amplidão de rosas, o espelho dum tanque onde as andorinhas vão roçar nos seus
vôos de flecha, o busto do romancista Bernardo Guimarães (que parece sonhar
com os sinos de Ouro Preto) e as linhas amáveis, quase majestosas da Secretaria
do Interior..."
Afonso de Magalhães não gostava
desse trabalho de Bernardelli. Falando da herma do poeta, assim ajuizava:
"Ao contemplá-la pela primeira vez, em 1920, não me agradou aquela obra
de arte, pois que, no meu da luxuriante vegetação que se ostentava ali,
ocultando em parte os belos palácios do governo estadual, não me revelou a
efígie brônzea o delicado lírico dos "Cantos da Solidão", porém
sim uma espécie de fauno, erguendo o colo desnudo dentre moitais verde-negros e
floridos, de olhar aceso à espreita de hamadríades incautas ou de oréades
transviadas... Acredito, entretanto, que, se por deliberada insinceridade quanto
à impressão real dos traços fisionômico do escritor mineiro, é que poderia
o primoroso artista do "Cristo e a Mulher Adúltera" fixar-lhe de
outro modo a expressão que dos mesmos ressaltava. Não quero se injusto com o
escultor, a quem tanto admiro, nem faltar à verdade no que respeita ao facies
físico de Bernardo Guimarães".
Onze anos mais tarde, quando se
comemorava o centenário de nascimento do cantor das "Folhas de
Outono", a Academia Mineira de Letras colocou na coluna da herma do poeta
uma lápide assinalativa da homenagem, com os seguintes dizeres:
A
ACADEMIA MINEIRA
DE LETRAS
FEZ COLOCAR
ESTA LÁPIDE
EM COMEMORAÇÃO
AO CENTENÁRIO
DE
BERNARDO GUIMARÃES
15-8-1925
Estiveram presentes à essa cerimônia a veneranda viúva do homenageado, filhos
e netos do escritor, membros da Academia Mineira de Letras, representantes do
Governo e de várias instituições culturais, jornalísticas, estudantes,
intelectuais e admiradores do poeta e prosador vila-riquense e populares. A
cortina que velava a lápide foi descerrada pela menina Isabel Maria, bisneta de
Bernardo Guimarães, filha do Dr. Alfredo Carneiro Santiago. Em nome da
Academia, orou Aníbal Mattos.
A Academia Mineira de Letras tem
Bernardo Guimarães como Patrono da cadeira nº 15, de que o primeiro ocupante
foi o poeta Dilermando Cruz.
A Academia Brasileira de Letras, do
Rio de Janeiro, tem-no como Patrono da cadeira nº 5, da qual foi o primeiro
ocupante o consagrada vate parnasiano Raimundo Correia.
É Bernardo Guimarães patrono da
cadeira nº 21 do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
São incontáveis os grêmios
literários e bibliotecas colegiais em todo o País com o nome do cantor das
"Inspirações da Tarde", bem como academias literárias interioranas,
entre as quais a Academia Catalana de Letras (Patrono da cadeira nº 2), da
cidade goiana que tão vinculada está à vida do romancista de Ouro Preto.
E não seria Catalão que deixaria
de homenageá-lo com a denominação de uma de suas vias públicas. Cornélio
Ramos, em "Catalão de Ontem e de Hoje", assim comenta: "Poucos
do lugar, entretanto, têm conhecimento de que aqui viveu um dos nossos mais
festejados romancistas, uma verdadeira glória nacional. Um pedaço de rua
lembra ainda à geração presente a passagem do escritor por nossa terra,
todavia, justo seria que seu nome figurasse em toda a extensão da rua, isto é,
da Estrada de Ferro ao Ginásio João Neto de Campos, e que as placas com o nome
do romancista tivessem as letras douradas, para nossa maior vaidade, cônscios
que somos de nossa tradição de nossa cultura." (Página 50).
Bernardo Guimarães, como nome de
rua, é o que se encontra por todo esse Brasil afora. Em Belo Horizonte, a rua
Bernardo Guimarães é uma das maiores artérias da cidade. Em Ouro Preto, a Rua
Bernardo Guimarães fica, com muita significação, no Alto das Cabeças, com
início no Largo do Rosário, e atravessa, pela ponte do mesmo nome, o
tradicional córrego da Caquende. Na bela e próspera Uberlândia, além a Rua
Bernardo Guimarães, há a rua Pedro Bernardo Guimarães, esta em homenagem ao
filho mais moço do escritor, uma das vias centrais da grande urbe triangulina
(o Professor Pedro também tem nome de rua em Itajubá, cidade do sul de Minas).
São Paulo (a capital) tem sua Rua Bernardo Guimarães na Vila Anastácio. O Rio
de Janeiro, embora em um de seus bairros mais afastados (Quintino Bocaiuva),
também não deixou de homenagear o cantor de "A Baía de Botafogo",
com o batismo de uma de suas vias públicas. Vejo ainda, no Rio de Janeiro
placas com Rua Escrava Isaura (Itanhangá), Rua O Garimpeiro (Inhaúma)...
Muitas outras cidades homenageiam o escritor mineiro.
Também são inúmeras as edições
de obras de Bernardo Guimarães. Há edições de seus romances até em
quadrinhos.
O "Jornal do Brasil"
iniciou, certa vez, a publicação, em fascículos, sem a autorização da
família do autor, do romance "O Bandido do Rio das Velhas" (ou das
Mortes). Movido o processo pelo herdeiros do escritor, o caso andou pelos
tribunais e pelas colunas de jornais, do Rio, de São Paulo e de Belo Horizonte,
em 1940. Entre essas folhas, citem-se apenas o "Diário de Notícias"
(de 5 de outubro de 1940), "Diário da Noite" (de 4 de outubro de
1940) e o "Diário da Tarde", de Belo Horizonte (de 5 de outubro de
1940).
Exigiu-se a devida indenização.
Atuaram nesse processo, como advogado da família do romancista, os Drs.
Confúcio Augusto Pamplona e Diogo Gomes Xerez. Hoje tal não aconteceria. As
edições das obras de Bernardo estão em domínio público.
A obra mais popular de Bernardo
Guimarães, "A Escrava Isaura", celebrizou-se indelevelmente não só
pela ampla aceitação do livro, que vem sendo constantemente reeditado há mais
de um século, como também pelas inúmeras adaptações para o palco e
picadeiro de circos, para mambembes, cinema e televisão.
O filme "O Seminarista" é
de 1977, produção da Lynxfilm-Vila Rica Cinematográfica-Embrafilmes, em
cores. Teve a direação de Geraldo Santos Pereira. O papel de Margarida foi
interpretado pela encantadora Louise Cardoso. O seminarista, ou seja, o Padre
Eugênio foi o jovem Eduardo Machado. Trabalharam ainda Nildo Parente, Lídia
Mattos, Liana Duval, Raul Cortez, Xandó Batista, Tony Ferreira, Beth Fischer,
Fernando Caldeira, Urbano Loes, Marcelo Santos Pereira, Vicente Tropia, Vicente
Câmara e Cristina Leal. A adaptação foi de César Mêmolo Júnior.
"O Garimpeiro" foi vertido
para o francês por Victor Orban, que também verteu, para o mesmo idioma,
"Uma História de Quilombolas", também de Bernardo Guimarães.
"A Escrava Isaura" já foi
divulgada na Europa em alemão. Consta ter sido esse romance lançado na China,
em 1977, em edição de 300 mil exemplares.
[Leia
o capítulo O Sucesso da telenovela A Escrava Isaura]
Jupira, uma das melhores obras de
Bernardo Guimarães, incluída no volume "História e Tradições da
Província de Minas Gerais" (editado pelo Garnier em 1872), foi adaptado
para o palco e, ainda, aproveitada para uma peça lírica. Observa Escragnolle
Dória que "Jupira" é, "na obra de Bernardo Guimarães, a figura
com dupla vida na arte", no romance e "numa ópera nacional e
triunfante de Francisco Braga". Essa ópera foi escrita em Capri, Itália,
durante uma viagem do autor do "Hino à Bandeira" pela Europa. Da
revista "O Cruzeiro" (edição de 24 de maio de 1958), extraio a
seguinte nota sobre "Jupira", incluída na seção "Escreve o
leitor":
"Com libreto de Escragnolle
Dória, que a destinara a ser musicada por Carlos Gomes, mais que, tendo em
vista o precário estado de saúde deste, foi entregue a Francisco Braga, a
estreada de 7 de outubro de 1900, no antigo Teatro Lírico, do Rio de Janeiro,
tendo nos principais papéis o soprano Trombene e o barítono Archangeli"
O rádio também tem sido divulgador
das obras de Bernardo Guimarães. A Nacional, do Rio de Janeiro, em maio de
1958, radiofonizou "A Ilha Maldita", e, em 1955, a "Rosaura, a
Enjeitada", em capítulos, sob o título de "Escrava do Amor",
numa adaptação de Oduvaldo Vianna. Também "O Índio Afonso"
inspirou uma pela levada ao microfone.
O Governador de Minas Gerais
Aureliano Chaves, através do Decreto de nº 17.143, designou, em 1975, os
membros de uma comissão especial encarregada de elaborar o programa e promover
as celebrações do sesquicentenário do nascimento de Bernardo Guimarães, em
15 de agosto daquele ano. As solenidades, além de Belo Horizonte, se estenderam
a Ouro Preto, à lendária Vila Rica de Albuquerque, berço do homenageado.
Em 22 de agosto de 1984, no Rio, foi
aberta a exposição "Homenagem a Bernardo Guimarães", que o
Arquivo-Museu de Literatura, da Fundação Casa de Rui Barbosa, promoveu para
comemorar o primeiro centenário de falecimento do poeta e romancista. A
exposição reuniu mais de 130 peças, manuscritos, primeiras edições dos
livros do homenageados, obras bibliográficas, objetos foram cedidos por Lívia
Guimarães Prazeres, viúva do advogado Laércio Prazeres e neta do escritor.
Em Belo Horizonte, o centenário de
BG foi comemorado em 10 de março de 1984, em algumas instituições culturais,
e contou com a palavra do ilustre deputado Dr. Euclides Pereira Cintra, que, na
Assembléia Legislativa de Minas Gerais, salientou a importância da obra e vida
do autor.
O escritor tem sido vítima de
informações erradas sobre a sua vida. Basílio de Magalhães destaca um desses
erros:
"Publicando o retrato do
escritor mineiro (bico-de-pena de George Manders), ao fazer-lhe o necrológico,
em sua edição de 15 de março de 1884, disse a "Revista Ilustrada"
que tinha 'a grata felicidade de salvar ao mesmo tempo, do fatal olvido, uma
fisionomia interessante, que, sem isso, desaparecia de uma vez com o finado'; e,
esclarecendo esta asserção, explicou: 'Bernardo Guimarães, com efeito, jamais
se deixou retratar. Foi apenas, em um dia, entretido em uma conversação de
alguns minutos com o seu amigo o Barão Homem de Mello, que outro amigo comum, o
Sr. G. Manders, pôde surpreender-lhe os traços e traduzi-lo fielmente em um
pequeno cartão. É deste único trabalho, em nosso poder há já algum tempo,
graças à amabilidade do ilustre Sr. Barão Homem de Mello, que podemos,
vulgarizando, perpetuar o retrato do grande poeta mineiro, do brilhante escritor
brasileiro'. Não é verdadeira aquela afirmação da folha de Ângelo Agostini".
São inteiramente falsas as
informações da "Revista Ilustrada" -- muito bem elucida Basílio. O
poeta e romancista foi fotografado duas vezes: em 1852 para figurar no quadro de
bacharéis então diplomados pela Academia de Ciências Jurídicas e Sociais de
São Paulo (é um retrato de corpo todo, em que o diplomado aparece sentado), e
em 1882, em Ouro Preto, na "Fotografia Alemã", por Guilherme Liebenau,
em meio-copro, que é o retrato mais conhecido do escritor. Esse retrato,
Bernardo mandou ampliar para figurar em sua sala de visitas. Encontra-se
atualmente em meu poder, que conservo como uma relíquia, bem como vários
rascunhos de poesias, manuscritos do vate mineiro, que são outras relíquias de
minha coleção.
Para artista do pincel e do lápis,
posou o poeta para George Manders, que o retratou de perfil, colocando-o junto a
uma lira, atravessada por uma pena, e rodeado por ramos de louro, escrevendo em
cada folha o título de um de seus livros.
Posou ainda para o pintor italiano
Penutti (ou Punetti, segundo consta na reprodução estampada na página de
rosto das "Poesas Completas de Bernardo Guimarães", de Alphonsus de
Guimaraens Filho), hábil artista forasteiro, que este com atelier
montado, por algum tempo, em Ouro Preto.
Existe ainda, em poder da família,
um medalhão -- uma antiga moeda de cobre, de 40 réis -- em que Honório
Esteves, depois de poli-la, gravou a efígie do bardo vila-riquense.
Completando a iconografia do
escritor, há o busto seu, em bronze, obra de Rodolfo Bernardelli, colocado na
Praça da Liberdade, de Belo Horizonte.
Dilermando Cruz, em seu
"Bernardo Guimarães" (páginas 162/186 da primeira edição, 1911, e
179/183 da segunda, 1914), transcreve, na íntegra, cartas do escritor mineiro
ao Dr. Fernando Saldanha Moreira, de Juiz de Fora, todas enfartadas de
brincadeiras e alusões engraçadas, demonstrativas da amizade e grande
intimidade com o juiz-forano.
Na primeira dessas cartas, Bernardo
faz referências ao retrato tirado por Guilherme Liebenau. Diz que seu sobrinho
Luís Guimarães (filho de Joaquim Caetano da Silva Guimarães, seu irmão)
"poderia ter levado seu retrato -- "a minha velha efígie, quer dizer
retrato (maportraiture, como dizia Balzac") -- assim fala
pilheriando. E mais adiante: "Ah!, por falar em retrato, veio aqui um
homem, o Sr. Freitas, genro de Emílio Salvador Ascagne, a quem com muito prazer
entreguei em mão própria a minha velha efífie. Esse senhor, por afinidade, é
parente do meu bom amigo e colega Francisco Aurélio de Souza Carvalho".
"Agora, falando sério, o meu busto é verônica? O diabo do Guilherme
Liebenau faz negócio e eu não posso comportar a despesa, porque... porque...
sou pobre. O Peregrino, que hoje está na Corte, pediu-me autorização para
reproduzir a minha verônica, e eu passei ordem franca para te enviar uma, que
trarás sempre ao pescoço porque afugenta febres..."
Pois é essa fotografia tirada por
Guilherme Liebenau que Bernardo Guimarães ofereceu a vários amigos. Já no
transcrevi, neste livro, a dedicatória que ele apôs a essa sua
"verônica" -- como ele denominou -- enviada ao amigo José
Florêncio.
Um desses amigos foi Peregrino
Werneck. Quem conta é Dilermando Cruz:
"Conhecemos em nossa terra
natal (a cidade de Leopoldina, Minas,) um intimo amigo de Bernardo Guimarães, o
Sr. Peregrino Werneck, que possuía um retrato do grande poeta, retrato que o
sr. Werneck considerava uma verdadeira relíquia, não só por se um amigo
ilustre, como também por conter a seguinte dedicatória:
Já que por terras estranhas
Acompanhar-vos não posso,
Deste fraco amigo vosso
Levai o fiel retrato
Tem o nariz muito chato,
E a boca um pouco torta...
Mas, isto bem pouco importa;
Para que ninguém o veja
Ponde-o a tomar cerveja
Por detrás de alguma porta.
Ouro Preto, 10 de abril de 1882.
Bernardo Guimarães
Outro desses retratos, assim
dedicados a amigos, foi visto por Sousa Ataíde em Mariana, e casa do Sr. João
Damasceno de Gonzaga. Trazia estas rimas, dedicadas a Baltazar Damasceno, tio de
João:
Teu amuleto será
O feio retrato meu,
Co'a cara de Nazireu
E as barbas do Grão-Pachá.
Tem ele o condão e a graça
De espantar qualquer capta.
Pendura ao peito a careta
Do Bernardo que te abraça.
Ouro Preto, entrudo de 1882
Fazendo humorismo nesses versos de
dedicatória, Bernardo Guimarães se caricaturou. Mas quem lhe traça mesmo o
verdadeiro retrato é seu filho Afonso, que assim no-lo apresenta:
"Meu pai, que exemplar! alto,
robusto, cabelos anelados, grandes olhos rasgados e mansos, boca espirituosa e
sorridente, nariz romano, barba bipartida e encaracolada, tendo o melhor dos
seus retratos aquele sátiro do "Sátiro e a Vendedora de Frutas", de
Rubens, e naquele portrait-charge de Ângelo Agostini, estampado na
revista "Dom Quixote" e pelo qual foi, decerto, que Bernardelli
modelou aquele busto da herma da Praça da Liberdade, que mais parece o busto de
um fauno -- boêmio, romancista e poeta.
"Se bem que ele tivesse tocado
às raias da inspiração genial em "Devanear de um ceptico", primor
literário de tão pungente cepticismo filosófico e da originalidade em "A
orgia dos duendes", "Evocações" e "Combate de
touros", foram a sua bonomia e a sua fortaleza que mais me calaram na alma
e nela revivem nas recordações de minha infância, já tão longínqua...
"Estou a vê-lo, quando, de
Ouro Preto, abalávamos para o retiro do primo João, atravessando o açude
profundo do moinho e a sacudir a água da cabeleira parnasiana,
transpô-lo às braçadas em nado silencioso, os braços poderosos e as mãos
enormes transformadas em remo que lhe arrastavam facilmente o corpo à flor das
águas como um yole! Estou a vê-lo...
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Túmulo de Bernardo Guimarães no cemitério contíguo à igreja
de São José, em Ouro Preto. À esquerda está a professora Maria de Lourdes Guimarães, neta do romancista; à direita,
com o cabelo preso por uma fita branca, a menina Gabriela, bisneta de Bernardo; a seu lado está uma amiga da família.
Dona Felicidade, sogra de BG
Carta de Teresa ao filho Pedro;
clique na foto para aumentá-la
Busto de BG na Praça da Liberdade, em Belo
Horizonte; clique na foto para aumentá-la
Bernardo Guimarães, segundo o bico-de-pena de George Manders
Bernardo Guimarães na foto feita por Guilherme Liebenau
Bernardo Guimarães na tela a óleo de Punetti
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