Análise de "O pavão
        misterioso": romance de João Melchíades da Silva
        Maria Lindamir Aguiar Barros 
        Nos versos de João Melchíades da Silva, O pavão
        misterioso, a personagem feminina, Creuza, assume o
        papel de donzela que tem sua existência confinada ao
        desejo do masculino, seja ele representado pelo pai ou
        pelo esposo. Sem direito a companhia de outras pessoas
        que não estivessem ligadas ao seu círculo familiar, sem
        poder falar com ninguém que não fosse seu pai e sua mãe,
        é mantida sob forte guarda, como um objeto valioso.
        Creuza é conservada por seu pai à distância da
        sociedade, no alto da torre do palácio em que vive.
        Digna apenas de veneração, é apresentada ao povo,
        através da janela, apenas uma vez por ano. 
        Mulher representante da nobreza. Notória é sua
        beleza. Ela corresponde ao protótipo de dama casta e frágil,
        cuja vida monástica a afasta da vida profana e a insere
        num plano sagrado. A virgindade é condição para que
        ela participe da moralidade social; sem esta ela seria
        uma infratora. Sua vida é uma renúncia completa, pois
        foi educada não para desposar quem seu pai escolhesse,
        mas para apenas satisfazer o desejo de posse paterno. Os
        sentimentos que desperta em Evangelista são puros, não
        paira nenhum artifício de satisfação sexual entre
        ambos.  
        O casamento aparece como condição básica para que a
        união entre um homem e uma mulher seja consolidado
        perante a sociedade. O sim de Creuza a Evangelista não
        representa a emancipação do feminino, mas a sua
        subordinação a outro proprietário. No castelo ela é
        aprisionada pelo pai, no casamento pelo marido. A fuga do
        castelo não deflagra a possibilidade de uma nova vida,
        mas da mudança apenas do tutor, aquele que ditará novas
        regras que Creuza deverá seguir.  
        A trova, portanto, sob esta perspectiva é portadora
        de um discurso moralizante e conservador, estabelecendo
        uma falsa cordialidade entre os sexos pois ela revela a
        exploração, a opressão e a dominação que foram alvo
        muitas mulheres. Mais do que a luta de Creuza pela
        liberdade, ela narra a disputa de dois homens pela posse
        de uma mulher. É um jogo de poder que mostra a imagem da
        mulher submissa, sacrificada. 
        Uma narrativa que demarca os ideais masculinos num período
        feudal em que a mulher só tinha papel benéfico como
        filha obediente ou dentro do casamento. A velha dialética
        dominação masculina versus opressão feminina se
        repete. A mãe de Creuza ao viuvar não usa do poder político
        que poderia gozar, mas reclama a presença do genro para
        assumir o lugar de governante. Ela não leva em conta a
        possibilidade de assumir o poder sozinha, opta pelo espaço
        privado da vida doméstica, colaborando para manter o
        estado de subordinação do feminino ao masculino. 
        Descortinar o discurso moralizador que traz no seu
        bojo a literatura de cordel, bem como discutir os padrões
        de comportamento que estratificaram certos estereótipos
        atribuídos à figura feminina é um dos objetivos dessa
        pesquisa. E nessa leitura construir-se-á um pouco da
        história da mulher brasileira, um campo onde há muito
        por se fazer, para ser descoberto.  
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