
O Universo é chato como uma tábua
Ao
analisar com precisão inédita a cintilação produzida pelo nascimento
do Universo durante a explosão do Big Bang, os cientistas deduziram
que o Cosmo é plano. Ele é tão chato quanto uma tábua.
Por
Flávio Dieguez
Infográficos Paulo Nilson

Nem toda a luz que
chega à Terra é gerada no interior das estrelas. Isso mesmo: uma
pequena parte dos raios que atravessam a atmosfera vem de muito mais
longe. Na verdade, eles vêm do passado distante, pois foram criados
durante o próprio Big Bang, a grande explosão que deu origem ao
Universo há 13 bilhões de anos e o lançou em uma expansão
permanente. Desde aquela época, essa luz cintilante percorre o
espaço sem tocar em nenhuma forma de matéria, preservada como uma
espécie de fóssil. É o único resquício que resta do Cosmo
recém-nascido.
Para dar uma idéia do que essa luz representa para a ciência, basta
lembrar que seu brilho ancestral é o único meio de se enxergar o
Universo em sua totalidade original. Foi em busca dessa fantástica
radiografia cósmica que, há dez anos, os cosmologistas iniciaram uma
corrida para detectar a cintilação primordial e registrar sua
intensidade exata em cada ponto do céu.
A imagem mais nítida e mais abrangente já feita até hoje foi
revelada em abril, depois de cinco anos de trabalho, pelos
cientistas do Projeto Boomerang, uma equipe de 36 pesquisadores de
vários países, liderada pelos astrofísicos Paolo de Bernardini,
italiano, da Universidade de Roma, e pelo americano Andrew Lang, do
Instituto de Tecnologia da Califórnia. O resultado é uma visão
assombrosa. Ela mostra que o Cosmo, desde o seu nascimento, é
constituído de gigantescas bolhas de matéria cercadas de vácuo. Foi
a luz emitida por esses aglomerados no Big Bang que os cientistas
viram na forma de grandes manchas. "Essas estruturas monumentais são
antiqüíssimas, pois se formaram milhões de anos antes de surgir a
primeira estrela", explicou Lang à SUPER.
Se você leu essa
notícia antes e boiou - sem comprender nada -agora vai entender por
que os cientistas acham que as novas imagens podem responder à
pergunta do alemão Albert Einstein formulada em 1917: qual é a forma
real do Universo? Para os cientistas do Projeto Boomerang, os raios
ancestrais do Big Bang definem com 90% de certeza que o espaço tem a
monótona planura de uma pradaria semideserta. O universo é uma tábua
chata.
O Cosmo crescerá para sempre
Para
explicar como o espaço pode ser curvo, os físicos costumam
compará-lo a uma superfície de borracha. Claro que ele não é uma
substância - trata-se só de uma analogia, mas ela ajuda a entender o
raciocínio. Se você tem uma placa elástica lisa e coloca sobre ela
uma bola de ferro, sua planura fica abaulada naquele ponto. O mesmo
ocorre com o espaço, que é plano quando está vazio, mas entorta
perto de uma estrela ou de uma galáxia. Quanto maior o corpo, mais o
espaço afunda. Einstein mostrou em 1919 que, em volta do Sol, ele
afunda. Mas em nenhum momento comprovou que o Universo fosse curvo
ou plano.
Isso foi o que os
cientistas do Projeto Boomerang fizeram. A equipe de Lang e
Bernardini descobriu que o tamanho das manchas do brilho do Big Bang
revela a quantidade de matéria existente nelas. Manchas grandes
implicam a existência de muitos átomos; manchas pequenas, menos
átomos. "As nódoas que vimos têm tamanho médio se comparadas a
simulações anteriores feitas em computador. Elas correspondem a
aglomerações de matéria contendo 1 átomo de hidrogênio em cada 10
metros cúbicos", contou Lang à SUPER. "Como há setenta anos medimos
curvaturas no espaço - como a que o Sol produz à sua volta -,
sabemos que essa quantidade de matéria é insuficiente para curvar o
Universo. Conclusão perturbadora: ele só pode ser plano."
A primeira
conseqüência disso é que a gravidade do Cosmo é fraca, uma vez que a
massa gera atração gravitacional. Ocorre que essa força, por ser
atrativa, tende a manter as galáxias juntas e a frear a expansão do
Universo. Daí a dúvida: quem acabará vencendo o cabo-de-guerra entre
a gravidade e o impulso do Big Bang? A pesquisa de Lang mostra que o
Universo não tem a força necessária para interromper essa expansão.
Ela é indômita. E pode fazê-lo crescer para sempre.
Big Bang levou 300 000 anos para
brilhar
Há 13 bilhões de anos, o Cosmo explodiu para a existência e começou
a crescer. Mas seu brilho não surgiu de imediato. A luz só encheu o
espaço 300 000 anos depois do Big Bang. O motivo é que o Universo
nasceu microscópico, menor do que um núcleo atômico, apesar de
conter toda a matéria existente. Era tão denso que a luz da explosão
ficou presa entre as partículas de matéria, os quarks. Só aos poucos
o impulso da detonação fez o Cosmo se expandir, abrindo caminho para
os raios luminosos.
O momento da
libertação ocorreu 300 milênios após o Big Bang e é o Universo dessa
época que os cientistas vêem hoje, quando observam a sua cintilação.
A massa cósmica naquele momento era feita apenas de átomos de
hidrogênio, os únicos existentes. É verdade que, ao longo de toda a
história cósmica, parte da cintilação primitiva desapareceu,
absorvida pelos astros. Mas ainda restam, segundo os cosmologistas,
em cada centímetro cúbico do cosmo, 441 partículas de luz
remanescentes do Big Bang. Com o tempo, elas perderam muito de sua
força original. Basta ver que esse brilho tinha no princípio uma
temperatura de 3 000 graus Celsius acima de zero e agora está
reduzido a enregelantes 270 graus negativos.
É o calor da
radiação que intriga os cientistas. De fato, na imagem produzida
pelo Projeto Boomerang, o céu aparece coalhado de manchas vermelhas,
amarelas, verdes e azuis, que mostram, em ordem decrescente, do
vermelho para o azul, onde a luz é mais quente e mais fria. A
diferença é minúscula, de apenas 1 milésimo de grau. Mas é decisiva
porque os pontos mais aquecidos representam regiões de grande
concentração de matéria - quanto mais espremida ela fica, mais
esquenta. As áreas menos quentes revelam volumes vazios ou muito
rarefeitos.
A diferença de
temperatura revelou aos pesquisadores que o Universo, na infância,
estava cheio de bolhas de hidrogênio dentro das quais surgiram,
muito depois, as estrelas. Só então a escuridão ganhou outros focos
de luz.
Para
saber mais
Dobras
no Tempo, George Smoot e Keay Davidson, Editora Rocco, Rio de
Janeiro, 1995.
topo
 |
Site:
super.abril.com.br/super0700/cosmologia.html |
|