Interpretação
Quando eu era
garoto, costumava voltar correndo da Igreja para casa todos os
domingos.Vivíamos logo depois da rodovia, não era muito
longe.Assim que acabava de tocar o sino, descia correndo as
escadas, era o primeiro a apertar a mão do pastor (que era
papai) e saía correndo pela porta.E então, eu liberava toda
energia que tinha armazenado sendo um "bom menino".Era
assim todas as semanas.
E então num domingo descobri o que eu ia fazer.
A primeira havia chegado, a neve enfim derretia.Estava
desesperado para me jogar na vida que desabrochava ao meu
redor.Saltando cercas e córregos de água suja, corri como se
minha vida dependesse disso.
Subitamente, um coelho saltou dos arbustos e correu para o
jardim em pânico.Fiquei tão surpreso que parei de correr.Foi
quando percebi o motivo que me levava a correr.Estava correndo
da igreja e da noção solitária de que não fazia parte dela.Não
me sentia parte da comunidade que é a base de uma congregação.Os
sacramentos não me exaltavam nem me deixavam realizado.Para
mim, a igreja era uma lacuna, um vazio.
Parei de correr, mas não voltei.
Não sou Garou.
Aquele foi um momento decisivo em minha vida.Foi ali que percebi
quem eu era-um racionalista.E desde então tenho tentado fugir
da verdade que aquela experiência revelou.
Não sou motivado por paixão religiosa.Não encontro paz na
meditação ou na oração.Não sou espiritual ou reverente.
Para meu pesar, sou prático, pragmático e fleumático demais
para abraçar a espiritualidade.Os limites da minha vida são
definidos pelos ditados da ciência e pelo princípio da Navalha
de Occam.
A minha vida não é vivida no reino do possível, mas no reino
do real.O real, obviamente, é aquilo no que eu acredito.
Para mim, a espiritualidade está na mente, não na
alma-portanto, sou um deficiente sem esperanças.Minha crenças
religiosas contêm muitos aspectos de minha dormação luterana,
mas são aspectos de minha racionalidade, não de meu coração.
Não sou Garou.
Apesar desta deficiência, sou atraído profundamente pelos mistérios
da existência e por qualquer tentativa de extrair sentido
dela.Sou fascinado pelo sagrado e pelo profano, o lendário e o
mitológico, e as diversas variedades da experiência
religiosa.As palavras de William James, Mircea Eliade, Henry
David Thoreau e Joseph Campbell têm me guiado desde que pela
primeira vez elas despertaram em mim um conhecimento de minha
pobreza espiritual.
Toda minha vida tenho tentado vivenciar alguma coisa mística.Já
convivi com pessoas de muitas tendências religiosas:hindus, muçulmanos,
budistas, animistas, xintoístas, politeístas, judeus e pagãos.Sou
fascinado e atraído por todos que expressam uma densidade
espiritual em suas vidas.Eu invejo essas pessoas.
Vivi num monastério budista na Tailândia, mas a prática da
meditação me entediava, Acendi velas nos corredores de Norte
Dame e gritei da torre da Catedral em Colônia, para o desgosto
de todos os turistas.Já me banhei ao alvorecer nas águas
glaciais de um templo Shinto, mas embora meu corpo tenha se
refrescado o mesmo não aconteceu com minha alma.Numa remota
vila japonesa eu ajudei a carregar uma "árvore"
enfeitadas com lanternas de papel numa celebração por Deus
padroeiro, mas fiquei mais bêbado de saquê do que iluminado.Já
me sentei numa cabana fechada suando como louco e respirando
incenso, mas não vi nenhum espírito se manifestar.Já
comunguei no templo do Amor, mas no fim fui traído pelas minhas
própias expectativas.
Em todas as minhas explorações, nunca descobri o que estava
procurando.Nunca presenciei uma revelação, uma liberação
transcendental ou uma experiência sobrenatural.Nunca encontrei
uma fuga de mim mesmo e da realidade fria e desanimadora na qual
vivemos.
A tudo isso vivenciei através de meus pensamentos, não de
minhas emoções.Tenho sido sempre observador, jamais
participante.Embora eu aprecie as idéias e a paixão pela
espiritualidade, não acredito que um dia irei possuí-las.Posso
imaginar tanta paixão, mas ela não se encontra em mim.Não
posso senti-la.
Não sou Garou.
Não quero viver assim.Não num mundo desprovido de significado,
numa vida sem paixão.Não quero viver minha vida sem
espiritualidade.
Um dia fiquei cansado de tudo isso e decidir tomar uma
atitude.Decidi criar uma espiritualidade para mim mesmo,
partindo do nada.Através da mídia da narrativa de histórias.Através
da minha arte.Dei-lhe um nome:Lobisomem, o Apocalipse.
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