»  »  »  O Labirinto de Ricardo Reis    |
Apoio à leitura de O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago      |
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LABIRINTO, XADREZ E PORTUGAL |
A Leonor Acevedo Borges |
Quero deixar escrita uma confissão, que ao mesmo tempo será íntima e geral, visto que as coisas que acontecem a um homem acontecem a todos. Estou a falar de algo já remoto e perdido, os meus dias de anos, os mais antigos. Eu recebia as prendas e pensava que não passava de um menino e que não tinha feito nada, absolutamente nada, para as merecer. É claro que nunca o disse; a infância é tímida. Desde então deste-me muitas coisas e são muitos os anos e as lembranças. O pai, Norah, os avós, a tua memória e nela a memória dos antepassados - os pátios, os escravos, o aguadeiro, a carga dos hussardos do Peru e o opróbio de Rosas -, a tua prisão corajosa, quando muitos de nós homens nos calávamos, as manhãs do Passo do Moinho, de Genebra e de Austin, as compartilhadas claridades e sombras, a tua fresca ancianidade, o teu amor a Dickens e a Eça de Queirós  » , mãe, tu mesma.
J. L. B.       |
Contam os homens dignos de fé (porém Alá sabe mais) que nos primeiros dias houve um rei das ilhas da Babilónia que reuniu os seus arquitectos e magos e lhes mandou construir um labirinto tão complexo e subtil que os varões mais prudentes não se aventuravam a entrar nele, e os que nele entravam se perdiam. Essa obra era um escândalo, pois a confusão e a maravilha são atitudes próprias de Deus e não dos homens. Com o correr do tempo, chegou à corte um rei dos Árabes, e o rei da Babilónia (para zombar da simplicidade do seu hóspede) fez com que ele penetrasse no labirinto, onde vagueou humilhado e confuso até ao fim da tarde. Implorou então o socorro divino e encontrou a saída. Os seus lábios não pronunciaram queixa alguma, mas disse ao rei da Babilónia que tinha na Arábia um labirinto melhor e que, se Deus quisesse, lho daria a conhecer algum dia. Depois regressou à Arábia, juntou os seus capitães e alcaides e arrasou os reinos da Babilónia com tão venturosa fortuna que derrubou os seus castelos, dizimou os seus homens e fez cativo o próprio rei. Amarrou-o sobre um camelo veloz e levou-o para o deserto. Cavalgaram três dias, e disse-lhe: "Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, na Babilónia quiseste-me perder num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que eu te mostre o meu, onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que te impeçam os passos."
¹ Esta é a história que o reitor contou no púlpito (Referência a um conto anterior, que se intitula "Abenjacan, o Bokari, morto no seu labirinto" - Marco Bueno) |
O procedimento criado por Dunne para a obtenção imediata de um número infinito de tempo é menos convincente e mais engenhoso. Tal como Juan de Mena no seu Labyrintho ¹ e como Uspendki no Tertium Organum, postula que já existe o futuro, com as suas vicissitudes e pormenores.
¹ Neste poema do século XV há uma visão de "muito grandes três rodas": a primeira, imóvel, é o passado; a segunda, giratória, o presente; e a terceira, imóvel, é o futuro. |
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Naquela noite não dormi. Pela madrugada sonhei com uma gravura à maneira de Piranesi, que nunca tinha visto ou que tinha visto e esquecido, e que representava o labirinto. Era um anfiteatro de pedra, cercado de ciprestes e mais alto que as copas dos ciprestes. Em vez de portas e janelas, havia uma fileira infinita de frestas verticais e estreitas. Com uma lupa, eu procurava ver o minotauro. Por fim avistei-o. Era o monstro de um monstro; tinha menos de touro que de bisonte e, estendido por terra o corpo humano, parecia dormir e sonhar. Sonhar com quê ou com quem? |
É este o labirinto de Creta. É este o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. É este o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações. É este o labirinto de Creta cujo centro foi o minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações, como María Kodama e eu nos perdemos. É este o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações, como María Kodama e eu nos perdemos naquela manhã e continuamos perdidos no tempo , esse outro labirinto. |
Camden, 1885 | » |
"Camden, 1892" | » |
Lisboa, 1915 | » |
Camden, Londres, 1985 | » |
NY, 1991 | » |
O sangue dos Borges de Moncorvo e dos Acevedo
(ou Azevedo), sem geografia, podem me ajudar a te compreender, Pessoa. Nada te
custou renunciar às escolas e aos seus dogmas, às vaidosas figuras de retórica
e ao trabalhoso empenho de representar um país, uma classe ou uma época. Talvez
nunca pensaste em teu lugar na história da literatura. Tenho certeza de que te
assombram estas homenagens sonoras, de que te assombram e de que as agradeces,
sorridente. És agora o poeta de Portugal. |
Em 1985, após a publicação de O Ano da Morte de Ricardo Reis, os restos mortais de Fernando Pessoa, numa controversa decisão oficial, foram transladados do Cemitério dos Prazeres para os claustros do Convento dos Jerónimos, em cuja capela encontram-se os mausoléus de Vasco da Gama e Luís de Camões.
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