Portugal-Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui, de Portugal, todas as epocas no meu cerebro,
Saudo-te, Walt, saudo-te, meu irmão em Universo,
Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos,
Concubina fogosa do universo disperso,
Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das cousas,
Sexualisado pelas pedras, pelas arvores, pelas pessoas, pelas profissões,
Cio das passagens, dos encontros casuaes, das meras observações,
Meu enthusiasta pelo contheudo de tudo,
Meu grande heroe entrando pela Morte dentro aos pinotes,
E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus!
Cantor da fraternidade feroz e terna com tudo,
Grande democrata epidermico, contíguo a tudo em corpo e alma,
Carnaval de todas as acções, bacchanal de todos os propositos
Irmão gemeo de todos os arrancos,
Jean-Jacques Rousseau do mundo que havia de produzir machinas,
Homero do insaissable do fluctuante carnal,
Shakespeare da sensação que começa a andar a vapor,
Milton-Shelley do horizonte da Electricidade futura!
Incubo de todos os gestos,
Espasmo pra dentro de todos os objectos de fóra
Souteneur de todo o Universo,
Rameira de todos os systemas solares, panelleiro de Deus!
Eu, de monoculo e casaco exaggeradamente cintado,
Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt,
Não sou indigno de ti, basta saudar-te para o não ser...
Eu tão contiguo á inércia, tão facilmente cheio de tedio,
Sou dos teus, tu bem sabes, e comprehendo-te e amo-te,
E embora te não conhecesse, nascido pelo anno em que morrias,
Sei que me amaste tambem, que me conheceste, e estou contente.
Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste,
Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklyn Ferry dez annos antes de eu nascer,
Quer pela rua do Ouro acima pensando em tudo que não é a rua do Ouro,
E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas,
De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma.
Quantas vezes eu beijo o teu retrato.
Lá onde estás agora (não sei onde é mas é Deus)
Sentes isto, sei que o sentes, e os meus beijos são mais quentes (em gente)
E tu assim é que os queres, meu velho, e agradeces de lá,
Sei-o bem, qualquer cousa m'o diz, um agrado no meu espirito,
Uma erecção abstracta e indirecta no fundo da minha alma.
Nada do engageant em ti, mas cyclopico e musculoso,
Mas perante o universo a tua atitude era de mulher,
E cada herva, cada pedra, cada homem era para ti o Universo.
Meu velho Walt, meu grande Camarada, evohé!
Pertenço á tua orgia bacchica de sensações-em-liberdade,
Sou dos teus, desde a sensação dos meus pés até á nausea em meus sonhos,
Sou dos teus, olha para mim, de ahi desde Deus vês-me ao contrario:
De dentro para fóra...Meu corpo é o que adivinhas, vês a minha alma -
Essa vês tu propriamente e atravez dos olhos della o meu corpo -
Olha para mim: tu sabes que eu, Alvaro de Campos, engenheiro,
Poeta sensacionista,
Não sou teu discipulo, não sou teu amigo, não sou teu cantor,
Tu sabes que eu sou Tu e estás contente com isso!
Nunca posso ler os teus versos a fio...Ha alli sentir de mais...
Atravesso os teus versos como a uma multidão aos encontrões a mim,
E cheira-me a suor, a oleos, a actividade humana e mechanica
Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu logar é real é no mundo ou nos teus versos,
Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural,
Ou de cabeça para baixo, pendurado numa especie de estabelecimento,
No tecto natural da tua inspiração de tropel,
No centro do tecto da tua intensidade inaccessível.
Abram-me todas as portas!
Por força que hei de passar!
Minha senha? Walt Whitman!
Mas não dou senha nenhuma...
Passo sem explicações...
Se fôr preciso metto dentro as portas...
Sim - eu franzino e civilizado, metto dentro as portas,
Porque neste momento não sou franzino nem civilisado,
Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,
E que ha de passar porforça, porque quando quero passar sou Deus!
Tirem esse lixo da minha frente!
Mettam-me em gavetas essas emoções!
D'aqui pra fóra, politicos, literatos,
Comerciantes pacatos, policia, meretrizes, souteneurs,
Tudo isso é a letra que mata, não o espirito que dá a vida.
O espirito que dá a vida neste momento sou EU!
Que nenhum filho da puta se me atravesse no caminho!
O meu caminho é pelo infinito fóra até chegar ao fim!
Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é comtigo, deixa-me ir...
É commigo, com Deus, com o sentido-eu da palavra Infinito...
Prá frente!
Metto esporas!
Sinto as esporas, sou o proprio cavallo em que monto,
Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar com Deus,
Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer cousa,
Conforme me dér na gana...Ninguem tem nada com isso...
Loucura furiosa! Vontade de ganir, de saltar,
De urrar, zurrar, dar pulos, pinotes, gritos com o corpo,
De me cramponner ás rodas dos vehiculos e metter por baixo,
De me metter adeante do giro do chicote que vae batter,
De me [_]
De ser a cadella de todos os cães e elles não bastam,
De ser o volante de todas as machinas e a velocidade tem limite,
De ser o esmagado, o deixado, o deslocado, o acabado,
E tudo para te cantar, para te saudar e [_]
Dança commigo, Walt, lá do outro mundo esta furia,
Salta commigo neste batuque que esbarra com os astros,
Cahe commigo sem forças no chão,
Esbarra commigo tonto nas paredes,
Parte-te e esfrangalha-te commigo
E [_]
Em tudo, por tudo, á roda de tudo, sem tudo,
Raiva abstracta do corpo fazendo maelstroms na alma...
Arre! Vamos lá prá frente!
Se o proprio Deus impede, vamos lá prá frente...Não faz differença...
Vamos lá prá frente
Vamos lá prá frente sem ser para parte nenhuma...
Infinito! Universo! Meta sem meta! Que importa?
Pum! pum! pum! pum! pum!
Agora, sim, partamos, vá lá prá frente, pum!
Pum
Pum
Heia...heia....heia....heia....heia...
Desencadeio-te como uma trovoada
Em pulos da alma a ti,
Com bandas militares á frente [.] a saudar-te...
Com um [.] comtigo e uma furia de berros e saltos
Estardalhaço a gritar-te
E dou-te todos os vivas a mim e a ti e a Deus
E o universo anda á roda de nós como um carrocel com musica dentro dos nossos craneos,
E tendo luzes essenciaes na minha epiderme anterior
Eu, louco de [.] sybillar ebrio de machinas,
Tu celebre, tu temerario, tu o Walt - e o [.],
Tu a [?sensualidade porto?]
Eu a sensualidade com [....]
Tu a intelligencia [_]