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ODES A WALT WHITMAN


5.2   Pablo Neruda






WALT WHITMAN

Depoimentos de Pablo Neruda



(1854)




        Se a minha poesia tem algum significado, é o dessa tendência espacial, ilimitada, que não se satisfaz num compartimento. A minha fronteira tinha de a saltar eu mesmo, não a tracei nos bastidores de uma cultura distante. Tinha de ser eu mesmo, esforçando-me por me dilatar como as próprias terras onde me coube nascer. Outro poeta deste continente ajudou-me em tal caminho. Refiro-me a Walt Whitman, meu companheiro de Manhattan.

in VIVENDO COM O IDIOMA (Excerto)
Segunda parte de "A poesia é um ofício",
Caderno 11 de Confesso que Vivi.
1973






        O "herói positivo" agrada-me em Walt Whitman e em Maiakovsky, quer dizer, naqueles que o encontraram sem rótulos e o incorporaram, não sem sofrimento, na intimidade da nossa vida corpórea, fazendo-o compartilhar o pão e o sonho connosco.

in CRÍTICA E AUTOCRÍTICA (Excerto)
20ª parte de "A poesia é um ofício",
Caderno 11 de Confesso que Vivi.
1973






        Aborrecem-me mortalmente as discussões estéticas. Sem menosprezo para quem as mantém, sinto-me alheio tanto à hora do nascimento como ao post mortem da criação literária. "Que nada do exterior chegue a mandar em mim", disse Walt Whitman. Ora os factores acessórios da literatura, com todos os seus méritos, não devem substituir a nua criação.

in POÉTICA E POLÍTICA (Excerto)
Segunda parte de "Pátria doce e pura",
Caderno 12 de Confesso que Vivi.
1973






        Pergunta o senhor que acontecerá à poesia no ano 2000. Trata-se de uma interrogação peluda. Se ela me surgisse no caminho numa viela escura, pregava-me um susto de respeito.
        Porque, que sei eu do ano 2000? E, sobretudo, que sei eu da poesia?
        Do que estou certo é de que não se celebrará o funeral da poesia no próximo século.
        Em todas as épocas a deram por morta, porém a poesia revelou-se centrífuga e perpétua, revelou-se vitalícia, ressuscita com grande intensidade, parece ser eterna. Com Dante, pareceu terminar. Mas, pouco depois, Jorge Manrique lançava uma centelha, espécie de Sputnik, que continuou a cintilar nas trevas. Depois, Vítor Hugo parecia arrasar, não deixava nada para os outros. Apresentou-se então, correctamente vestido de janota, o Sr. Charles Baudelaire, seguido do jovem Arthur Rimbaud, trajado de vagabundo, e a poesia principiou de novo. Depois de Walt Whitman (que esperança!), ficaram plantadas todas as folhas de erva, não se podia pisar o relvado. No entanto, surgiu, Maiakovski, e a poesia parecia uma casa de máquinas: registaram-se apitos, detonações, suspiros e soluços, ruído de comboios e de carros blindados. E assim prossegue a história.

in RESPOSTA A UM INQUÉRITO (Excerto)
Primeira parte de "Meditações na Ilha Negra",
Caderno 5 de Nasci para Nascer.
Compilação Póstuma






        Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra.
        Há apenas algumas semanas, inicei o meu recital no coração de Nova Iorque com uns versos de Walt Whitman. Ainda naquela manhã, tinha comprado, uma vez mais, um exemplar das suas Hojas de Hierba. Quando o abri no quarto do hotel, na Quinta Avenida, a primeira coisa que li foram estas linhas que nunca me tinham despertado a atenção:


Away with themes of war!
(Away with war itself)
Hence from my shuddering
sight to never more return
that show blaken'd mutilated corpses!
That hell unpent and rair
of blood, fit for wild
tigers of for lop-tongued
wolves, not reasoning men.



Fora com os temas da guerra,
Fora com a própria guerra,
mas daqui vejo o meu olhar que treme.
Não voltemos a olhar.
esses negros corpos mutilados.
O Inferno e o rei de sangue,
feito para tigres sangrentos,
ou para lobos de longa língua,
não está feito para homens razoáveis.



        [...] Estes versos tiveram uma resposta imediata. O público que enchia as salas ergueu-se num aplauso caloroso. Sem o saber, com as palavras do bardo Walt Whitman, eu atingira o coração oprimido do povo americano. A destruição das aldeias indefesas, o napalm incendiando povoações vietnamitas, tudo isto pela virtude de um poeta que viveu há dez anos maldizendo com a sua poesia a injustiça, foi palpável e visível para os que me escutavam. Oxalá assim sejam perduráveis os meus versos, a poesia que existe e a que esperamos.

in A POESIA É UMA INSURREIÇÃO (Excerto)
Discurso de agradecimento,
Homenagem da Universidade de Concepción, 1968.
Sexta parte de "Fala Pablo Neruda",
Caderno 7 de Nasci para Nascer.
Compilação Póstuma






        Quanto a mim, que estou muito perto dos meus setenta anos, quando mal completara quinze, descobri Walt Whitman, meu maior credor. E encontro-me aqui entre vós, acompanhado por esta maravilhosa dívida que me ajudou a existir.
        Renegociar esta dívida é começar por pô-la em evidência, reconhecer-me como humilde servidor de um poeta que media a terra com passos lentos e largos, detendo-se em toda a parte para amar e examinar, aprender, ensinar e admirar. Trata-se daquele homem, aquele moralista lírico que enveredou por um caminho difícil: foi um cantor torrencial e didáctico. Estas duas qualidades parecem antagónicas. Pareceriam mais as condições do caudilho que de um escritor. O importante é que Walt Whitman não receava a cátedra, o ensino, a aprendizagem da vida e assumia a responsabilidade de ensinar com candura e eloquência. Francamente, não temia o moralismo nem o imoralismo, nem quis deslindar os campos da poesia pura ou impura. É o primeiro poeta totalitário e a sua intenção consiste não só em cantar, mas impor a sua extensa visão das relações dos homens e das nações. Nesse sentido, o seu nacionalismo evidente faz parte de um organismo universal. Considera-se devedor da alegria e da tristeza, das altas culturas e dos seres primitivos
        Há muitas formas da grandeza, mas a mim, poeta do idioma castelhano, Walt Whitman ensina mais que Cervantes: na sua obra, o ignorante não é humilhado nem a condição humana ofendida.
        Continuamos vivendo numa época whitmaniana, vemos, apesar das dores do parto, a ascenção e aparição de novos homens e novas sociedades. O bardo queixava-se da omnipoderosa influência europeia que continuava a alimentar a literatura da sua época. Na realidade, era ele, Walt Whitman, o protagonista de uma personalidade realmente geográfica que se levantava pela primeira vez na história como um nome continentalmente americano. As colónias das nações mais brilhantes deixaram séculos de silêncio. O colonialismo parece matar a fertilidade e a capacidade criadora. Bastará que vos diga que, em três séculos de dominação espanhola em toda a América, não tivemos mais de dois ou três escritores admiráveis.

in O ALBATROZ ASSASSINADO (Excerto)
Discurso pronunciado no PEN Club,
50ª aniversário de fundação,
Nova Iorque, Abril de 1971.
Nona parte de "Fala Pablo Neruda",
Caderno 7 de Nasci para Nascer.
Compilação Póstuma






Textos retirados de

Confesso que Vivi - Memórias
Pablo Neruda
Publicações Europa-América
Lisboa, Março de 1976

Nasci para Nascer
Compilação póstuma de escritos de Pablo Neruda
Publicações Europa-América
Lisboa, 1978

Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais

- Reprodução não oficial -



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