Eu não me lembro,
com que idade,
nem onde,
se no grande sul molhado
ou na costa
temível, sob o breve
grito das gaivotas,
toquei certa mão e era
a mão de Walt Whitman:
pisei a terra
com os pés descalços,
andei sobre o pasto,
sobre o firme orvalho
de Walt Whitman.
Durante
toda
a juventude
acompanhou-me essa mão,
esse orvalho,
a sua firmeza de pinheiro patriarca, a sua extensão de pradaria,
e a sua missão de paz circulatória.
Sem
desprezar
os dons
da terra,
a copiosa
curva do capital,
nem a inicial
purpúrea
da sabedoria,
tu
ensinaste-me
a ser americano,
levantaste
os meus olhos
para os livros,
para
o tesouro
dos cereais:
largo,
na claridade
das planuras,
fizeste-me ver
o alto
monte
tutelar. Do oco
subterrâneo
para mim
recolheste
tudo,
tudo o que nascia,
fizeste a colheita
galopando na luzerna,
cortando para mim tanta papoila,
visitando
os rios,
acudindo pela tarde
às cozinhas.
Mas não apenas
terra
trouxe para a luz
a tua pá,
desenterraste
o homem,
e o
escravo
humilhado
contigo, balançando
a negra dignidade da sua estatura,
caminhou conquistando
a alegria.
Ao fogueiro,
lá em baixo
nas caldeiras,
mandaste
um cestinho
de fruta,
a todas as esquinas da tua terra
um verso
teu chegou de visita
e era como um pedaço
de corpo limpo
o verso que chegava,
como
a tua própria barba pescadora
ou o solene caminhar das tuas pernas de acácia.
Passou entre os soldados
a tua silhueta
de bardo, de enfermeiro,
de vigilante nocturno
que conhece
o som
da respiração na agonia
e espera com a aurora
o silencioso
regresso
da vida.
Padeiro bom!
Primo direito mais velho
das minhas raízes,
cúpula
de araucária,
há
já
cem
anos
que sobe o teu pasto
e as suas germinações
passa
o vento
sem gastar-te os olhos.
Novos
e cruéis amos da tua pátria:
perseguições,
lágrimas
prisões,
armas envenenadas
e guerras furibundas
não esmagaram
a erva do teu livro,
o manacial vital
da sua frescura.
Mas aí,
os mesmos
que assassinaram
Lincoln
agora
deitam-se na cama dele,
derrubaram-lhe
o assento
de redolente madeira
e erigiram um trono
por desventura e sangue
salpicado.
Porém
canta nas
estações suburbanas
a tua voz,
nos
cais vespertinos
chapinha
como
uma água escura
a tua palavra,
o teu povo
branco
e negro,
povo
de pobres,
povo simples
como
todos
os povos,
não esquece
o teu sino:
junta-te cantando
debaixo
da majestade
da tua espaçosa vida:
entre os povos com o teu amor caminha
acariciando
o puro crescer
da fraternidade sobre a terra.