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 A Igreja como empresa

A Igreja Católica possui em todo o mundo, um total de aproximadamente um bilhão de fiéis, congregados nessa gigantesca organização, departamentalizada, com representantes praticamente em todos os países do mundo. É um número maior do que todos os consumidores de Coca-Cola, ou dos fumantes dos cigarros Marlboro, ou ainda dos degustadores dos sanduíches do McDonald’s, e de tantas outras “marcas” líderes.

Segundo Kater Filho, um dos principais marketeiros da Associação do Senhor Jesus, “esse quase um bilhão de consumidores, que compõem tão gigantesco target, tem muitas necessidades de ordem espiritual, psíquica e emocional insatisfeitas e pode satisfazê-las através da religião católica”.

Qual o produto oferecido pela religião, e que diferencial ele apresenta para conseguir atrair um público-alvo tão fiel? Seria a fé, a paz a harmonia, os ensinamentos de Jesus Cristo, a Misericórdia Divina? Não. Na verdade, o principal produto da Igreja Católica é a Salvação ou a Vida Eterna ou como consta no cânon 1752 do Código de Direito Canônico: “Tendo diante dos olhos a salvação das almas que na Igreja deve ser sempre a Lei Suprema”. Os demais itens apresentados seriam apenas meios práticos e concretos para se chegar à Salvação.

Um produto com este deveria possuir um elevadíssimo preço de custo, já que precisa adaptar-se às diversas especificidades do imenso target. Produto este, que é validado pela Bíblia, que para os católicos tem a função de uma espécie de manual de instruções e garantia de concretização das promessas do produto.

E, no entanto é nesse ponto, no Preço, que o produto Salvação possui uma de suas características mais invejáveis. O custo para o consumidor é zero. Além disso a Praça onde esse produto é encontrado é mais do que suficiente. No Brasil a igreja conta com mais de sete mil paróquias e catorze mil sacerdotes. São muito mais pontos de vendas e representantes autorizados do que muitas organizações de sucesso.

Já apresentamos no inicio deste trabalho, alguma observações relativas à Promoção. Como Jesus Cristo anunciava estrategicamente o produto nas cidades em que passava, e a forma como a Igreja Católica dispunha as suas igrejas-filiais pelas cidades. Como seus representantes procurava responder às indagações de seus consumidores, satisfazendo suas necessidades.

Num passado recente, no entanto, o que pode ser percebido e que a igreja vem perdendo cada vez mais espaço em terrenos que dominava anteriormente. Com o melhor produto, pelo menor preço e bastante disponível aos seus consumidores, podemos identificar o principal problema, ou o calcanhar de Aquiles da igreja, na promoção. Sobretudo porque não sabe se comunicar. Por exemplo, a Igreja Católica tem uma rede de cerca de 140 rádios, administradas por ordens religiosas, paróquias e dioceses. É a maior rede de rádios no Brasil, mas a audiência é baixíssima. As rádios não dão ibope pelo amadorismo com que são conduzidas. Para alavancar a audiência não basta delegar a comunicação a uma pessoa evangelizada e cheia de boa vontade. O resultado é uma programação muito piegas, além de amadora. Um resultado desastroso. Quando os bispos tentam evitar essa cilada, caem em outra. Contratam profissionais que não conhecem os valores católicos, fazendo com que a comunicação fique truncada e vire ruído. No entanto o que falta à igreja não é dinheiro, mas sim visão de investimento e de marketing.

Podemos identificar problemas em alguns detalhes, que são trabalhados no dia a dia de todos nós, pelas diversas empresas com as quais lidamos; menos com a igreja. Esta não desenvolveu as técnicas para atingir e agradar aos seus consumidores, que são os fiéis. Os clientes da Igreja, que vão à missa pelo menos uma vez por semana, também freqüentam postos de gasolina, agências de banco, restaurantes. São bem tratados em todos esses locais, exceto na Igreja. O consumidor da fé é mal recebido e maltratado. Pode-se constatar isso em coisas simples. Quem passa duas horas sentado em um banco de igreja sai de lá com dor nas costas porque os bancos não são anatômicos. Em algumas igrejas não se ouve a palavra do padre porque o eco produzido pela aparelhagem de som deficiente mais atrapalha do que ajuda. Não pára por aí. Muitos padres não têm dicção fluente porque são estrangeiros que não cuidaram de aprimorar a pronúncia. Quem vai ao supermercado para comprar uma caixa de fósforo pode deixar o carro na sombra, com um vigilante por perto para dar segurança. Nas igrejas, ao contrário, não há local para estacionar. Se um consumidor for a uma agência bancária ou a um restaurante e receber esse tipo de tratamento, irá embora sem titubear.

Alguns argumentariam que esses fatores são superficiais diante da Salvação e da fé em Deus. Muitas lideranças da Igreja têm esse argumento, o que poderia ser encarado como comodismo. Talvez por ter sido ela a grande instituição marketeira da História e líder de mercado durante séculos. A Igreja foi pioneira durante muito tempo. Se teve a primeira imprensa do mundo e a hegemonia cultural por tanto tempo foi porque investia no desenvolvimento de grandes talentos. Os maiores pintores e as grandes obras de arte se originaram a partir da Igreja. A música sacra alimentou os compositores clássicos e até hoje exerce influência. Atualmente a Igreja Católica se recolhe dentro do casulo, como uma tartaruga. Leva vida vegetativa, porém protegida pelo seu casco. Vive sob a lógica do comerciante que fecha o restaurante na hora do almoço.

Este problema é colocado por Kater Filho, em entrevista à Veja[1]. Perguntado sobre se existiria solução, observa que “uma via promissora está em mudar a formação dos seminaristas. Um padre tem de aprender a se comunicar. A Igreja tem padres profundamente eruditos. Conheço um que defendeu uma tese de mestrado em hebraico” – diz Kater - “mas isso acrescentou o que à vida de nossos milhões de fiéis? Nada. Os padres devem saber comunicar bem a salvação. É preciso segmentar o discurso para os diferentes públicos que freqüentam a Igreja. Não se pode desfiar o mesmo discurso para jovens e idosos. Os seminaristas também precisam receber uma formação menos racional e mais emocional.

O celibato leva o religioso a fugir do emocional. Isso acontece porque muitos padres acreditam que a adoção de uma postura mais racional é uma boa maneira de se distanciar das tentações do mundo pagão. O problema é que essa postura faz com que o religioso se torne uma pessoa muito fria. Não apenas esfria os impulsos sexuais como também a carga emocional se perde. O toque físico, o sorriso, o carinho. O padre se alija de todos esses predicados porque muitos acreditam, até inconscientemente, que essas coisas podem despertar sua porção masculina, que tentam manter adormecida. (...) Muitos padres procuram racionalizar a fé em suas homilias. Os clientes vão até eles em busca de milagres, mas os padres são os primeiros a recusar suas demandas. Dizem que milagres não existem. Com isso, negam até aquilo que está documentado e alimenta a fé. O problema é que o povo quer um Deus maravilhoso, capaz de fazer milagres, de mudar o curso dos fatos.”

Em determinado momento da entrevista, Kater traça um paralelo entre esse tipo de representante católico e os pastores evangélicos que adotam a linha pentecostal: “Há alguns anos, passei por uma grave crise financeira. Fui à missa da Santíssima Trindade num domingo. O padre explicou o amor do pai pelo filho, do filho pelo pai. Tudo de uma maneira teológica perfeita. Falou quinze minutos. Entendi tudo. Mas não tocou o meu coração. Saí da celebração com os mesmos conflitos. Na volta para casa, parei meu carro em um supermercado vizinho a uma igreja evangélica. Um pastor pregava lá dentro. Dizia com toda força: ‘Meu filho, Deus ama você. Se você soubesse como Deus te ama...’. Aquelas palavras, ditas com tanta emoção, me comoveram. Meu coração foi tocado imediatamente. Tive vontade de correr para dentro daquela igreja porque queria ouvir de alguém que Deus me amava porque eu não estava me amando. O pastor evangélico tinha o remédio para o meu mal. O padre tinha apenas belas palavras vazias. O curioso é que eu não me movi. Naquele momento poderia ter me tornado um evangélico. Não abandonei o catolicismo, mas todos os dias milhares de pessoas em todo o mundo deixam a Igreja Católica como quem troca de sabão em pó no supermercado. Uma pesquisa realizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, mostrou que grande parte dos evangélicos é de ex-católicos”.

Em contrapartida, muitas lideranças católicas e intelectuais que analisam o fenômeno Renovação Carismática, encontram nela como grande problema o pragmatismo. Por exemplo, em entrevista à Veja, quando perguntados sobre os milagres que receberam, muitos entrevistados disseram que as orações melhoraram seus negócios, evitaram o furto de suas jóias e fizeram seu filho dormir rápido.

"Consultei os melhores médicos do país e do mundo, mas nenhum descobriu a causa da doença da minha perna. Foi aí que eu vi que não basta ter dinheiro, é preciso ter fé"

Carmen Mayrink Veiga, socialite carioca

Observando esta tendência, o sociólogo da Universidade de São Paulo Reginaldo Prandi[2], autor de cinco livros sobre religião, diz que o século XXI será o tempo da banalização de Deus: “O padre Marcelo é o símbolo dessa tendência. A religião, que antes era um instrumento de formação de valores, está se tornando um produto de consumo imediato e passível de rejeição.” Ele diz que amanhã, como já é hoje, o espetáculo será muito mais importante do que a doutrina religiosa. “Em geral, o católico que segue o padre Marcelo tem uma fé supérflua. Ele escolhe uma religião como opta por uma marca de sabão em pó”, diz ele. “O padre Marcelo é o grande sucesso católico do final deste século, mas os líderes religiosos do futuro terão inúmeros perfis, pois o cardápio da fé será muito variado – tanto em termos de religiões como de líderes.”


Reginaldo Prandi compara a gama religiosa que existirá no século XXI ao leque de canais presentes hoje numa tevê a cabo. “Você pode mudar de religião como muda de canal, literalmente, visto o números de programas religiosos no ar.” O estudioso ressalva, porém, que nem todas as religiões podem ser transformadas em “campeões de audiência”. Segundo ele, há rituais como os do espiritismo kardecista, da umbanda e do candomblé que têm dificuldade de entrar na mídia, pois não priorizam a palavra, o discurso. São religiões nas quais os espetáculos têm mais força quando presenciados ao vivo. “Além do que, na tevê, as religiões são verdadeiras empresas; e este não é o caso daquelas, que são muito mais modestas.” A fé a cabo, contudo, é vista com bons olhos pelo sociólogo. “Quanto mais escolhas, maior a liberdade. Tanto que o islamismo, uma religião autoritária, está crescendo em países pobres, onde não existe democracia nem liberdade.” Ele aposta que, nos países democráticos, cada indivíduo poderá compor sua própria religião, como um mosaico da fé. “O esoterismo e as seitas místicas, cada vez mais populares, são os melhores exemplos dessa interiorização das crenças.” Enfim, ganha a que melhor conseguir atingir as necessidades do seu público, num futuro competitivo, como é competitiva a relação entre as grandes empresas.

Retornando à análise da entrevista de Kater Filho e aproveitando a observação sobre o perfil do religioso do futuro, quando perguntado sobre o fenômeno midiático representado por padre Marcelo, Kater observa que Rossi “é um excelente produto porque reúne as características de um padre ideal. Seus pontos fortes são a simplicidade e o grande apelo emocional. Isso incomoda o clero, que acredita que ele passa a imagem de um padre pouco intelectual, o que não condiz com a tradição dos sacerdotes católicos”. Kater destaca outro diferencia deste produto: o carisma: “(...) outro ponto forte é o carisma pessoal do padre Marcelo. Esse componente do produto é como o talento do Pelé ou do Roberto Carlos, algo que não se pode inventar. Por fim, o padre Marcelo vive na época dos grandes meios de comunicação. Foram esses meios que fizeram com que o produto que estava nascendo numa paróquia da Diocese de Santo Amaro, em São Paulo, se multiplicasse por todo o mundo. Há um último componente, muito peculiar. As mulheres acham o padre Marcelo muito bonito. Se sentem atraídas pelo jeito de garotão dele. Com um produto desse, o lucro é sempre certo”.

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[1] Revista Veja, 09 de Junho de 1999

[2] Reginaldo Prandi fala a revista à revista IstoÉ, 05 de Janeiro de 2000

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