Os Pezinhos
Joaquim tinha fascinação por pés. Não sabia por que mas não podia
ver um e logo se apaixonava. Por este motivo resolveu escolher uma profissão que
o satisfizesse. Como não poderia deixar de ser foi até o sapateiro mais próximo
e pediu, quase numa súplica:
- Quero ser aprendiz de sapateiro.
Seu Benedito estranhou:
- Filho de farmacêutico com um belo futuro pela frente e querendo ser aprendiz
de sapateiro? Para que? Bem podia estudar e herdar a farmácia do pai! Estes
jovens tem cada uma! Mas se ele queria ser seu empregado, vá lá, não ia
desfeitear o compadre que havia aceito tornar sua inocentinha uma cristã.
Ensinaria a profissão e veríamos no que ia dar.
Joaquim se mostrou um profissional competente. Com que amor alisava, batia os
pregos, até com certa dó. Pareci.a que tinha receio de magoar aqueles pedacinhos
de couros transformados em pisantes. Limpava, engraxava e em sua imaginação
depositava um beijo suave nos mesmos antes de coloca-los alinhados na prateleira
a espera dos donos. Não importava para ele se eram novos ou velhos, todos
possuíam o mesmo valor. Benedito no começo arregalava os olhos e ficava
imaginando que o compadre possuía um filho maluco. Coitado!
A vida no entanto é assim mesmo. Quem tudo pode é o que menos aproveita,
filosofava ele. Com o tempo o sapateiro foi. se acostumando e já não dava mais
atenção as esquisitices do rapazote. Passou a separar para o aprendiz sapatinhos
de crianças e jovens. Sabia que com isso estava agradando o menino.
Um dia apareceu um par de sandálias. Eram delicadas, apenas umas tiras presas ao
dedo e seguras no calcanhar. Com pedras negras coroadas de prata. Lindas. Como
de costume Benedito passou para o ajudante. Ele segurou as mesmas nas mãos,
mirou de um lado e de outro. Consertou algumas pedrinhas que estavam soltas.
Limpou, brilhou e colocou prateleira bem na sua frente. Do lugar onde estava não
tirava os olhos das sandálias. Já via os pezinhos delicados de alguma
menina-moça calçando-as. As unhas pintadas de esmalte rosa pérola para combinar
com a delicadeza das mesmas. Em sua imaginação foi subindo, subindo até chegar
nas pernas. Naturalmente eram longas, delgadas, elegantes. Subiu mais, o
corpo fazia jus aos pezinhos, cintura fina com delicado cinto prendendo a saia
rodada. Seios de menina em corpo de mulher que desabrocha. Chegou afinal no
rosto. Angelical, pele aveludada de pêssego maduro. Olhos azuis e todo o
conjunto emoldurado por vasta cabeleira dourada. Joaquim sentia todo seu corpo
fremir num arrepio de satisfação. Foi difícil acordar com a voz mais alta de
Benedito que quase gritava:
- Acorde seu sonhador D. Rosalia veio buscar as
sandálias. Vai usar logo mais na festa de São Sebastião. Passe as mesmas
para ela!
Joaquim abriu os olhos e fitou a dona das sandálias:
- Uma senhora gorda e amarrotada, olhos esbugalhados e cansados! Os pés? Uma
bola inchada com unhas encardidas e por fazer? analisou Joaquim.
Até hoje seu Benedito não entendeu por que perdeu o eficiente aprendiz de
sapateiro que preferiu ir fazer injeções
na farmácia do pai.
Elaine Ventureli Caldas