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    APOCALIPSE

    Revista Época (Edição 224)

    Como em outros tempos de crises e graves tensões internacionais, a crença de que o fim do mundo está próximo ganha força. Nos EUA, 170 milhões de pessoas acreditam nisso. No Brasil, 36 milhões vivem à espera do apocalipse
    Ernesto Bernardes

     Os sociólogos gostam de associar a idéia do fim do mundo a períodos de crise e de grandes mudanças. A humanidade viveu décadas à sombra de um possível holocausto nuclear em função da Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética. Com o fim da União Soviética, o perigo parecia ter desaparecido. O ataque da Al Qaeda foi a faísca que reacendeu o temor. Mas as teorias do fim do mundo ardem à base de um combustível ainda mais poderoso, produzido por uma série de coincidências que permitem, pela primeira vez em 2 mil anos, interpretar ao pé da letra várias passagens bíblicas. As escrituras dizem, por exemplo, que o Messias voltará depois que o povo hebreu retornar a Jerusalém e reconstruir o Grande Templo. Este foi destruído pelos romanos em 70 d.C., e a partir dali a cidade nunca mais havia sido controlada pelos judeus. O Estado de Israel foi restabelecido em 1948, e a cidade reconquistada em 1967. Agora o templo pode ser reerguido. Há até um movimento para isso. Todo ano, ativistas marcham morro acima e tentam plantar no alto uma pedra fundamental. O problema é que ali fica a mesquita de Al-Aqsa, local sagrado do islamismo. A polícia retira os militantes à força, mas o apoio popular a eles cresce a cada ano.

    Outros elementos bíblicos ganham interpretações ao pé da letra. Onde se diz que um reino do norte invadirá a terra dos judeus e depois será destruído, muitos enxergam o Iraque de Saddam Hussein, que já lançou mísseis contra Israel durante a Guerra do Golfo. A tradição também diz que o anticristo estabelecerá um governo único do mundo, e cada corrente religiosa lê essa previsão de forma diferente – para uns isso indica a Europa unificada, para outros o poderio americano, ou ainda a ONU numa versão fortalecida.

    A perspectiva de que o fim está próximo pode parecer aterradora para a maioria das pessoas. Para os religiosos, entretanto, viver com a idéia do apocalipse na cabeça não equivale a fazer uma viagem de ônibus à espera de um desastre fatal. Tampouco significa que as obrigações cotidianas devam ser esquecidas – e as contas a pagar atiradas na cesta de lixo. A crença no fim está diretamente relacionada a outra: a existência do paraíso, para onde irão os justos, os escolhidos pelo Messias. Para estar entre os eleitos, é necessário viver de maneira honrada, segundo os preceitos das Escrituras. 'A visão das igrejas protestantes históricas é que devemos estar preparados para a hipótese de Cristo voltar hoje, mas viver como se Ele não fosse voltar nunca', diz o bispo anglicano e cientista político Robinson Cavalcanti. 'O cristão precisa ter uma responsabilidade ética na História, e não viver como se este mundo não tivesse nenhuma importância, à espera do paraíso.'

    As crenças num apocalipse – seguido de um julgamento final – existiram em várias culturas e períodos diferentes, dos Maias aos Hindus. 'Elas têm em comum o fato de crescer em tempos de horror e opressão', explica o historiador Nicholas Campion, da Universidade de Cambridge. O livro de Daniel, que tem as primeiras visões apocalípticas na Bíblia, foi escrito durante a revolta contra o domínio grego. O cristianismo nasceu quando da ocupação romana da Judéia. A idéia de que todos sofreremos, mas seremos vingados no fim por uma força maior, tem um apelo evidente para consolar os sofredores. Isso explica por que, nos Estados Unidos, a onda do fim do mundo só pegou para valer agora – em meio à crise econômica e ao medo do terrorismo –, e não na virada do milênio, quando o país surfava nos dólares da nova economia e o único perigo à vista era o Bug do Ano 2000. 'Isso tem muito a ver com o fim das utopias. A ausência de possibilidades de a história melhorar faz com que as pessoas se alienem, na esperança de que este mundo acabe', diz Robinson Cavalcanti. Para ele, nos últimos 150 anos a humanidade não trabalhou as questões relacionadas à fé. Por essa razão, depois de uma era de avanços da ciência e da tecnologia, o homem volta a lidar com o 'sagrado' da mesma maneira como lidava naquele passado remoto. 'Há um regresso ao estágio em que a civilização havia parado. Em conseqüência disso vemos o crescimento do ocultismo, do fundamentalismo.'

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