Revista Época (Edição 224) Como
em outros tempos de crises e graves tensões internacionais, a crença de
que o fim do mundo está próximo ganha força. Nos EUA, 170 milhões de
pessoas acreditam nisso. No Brasil, 36 milhões vivem à espera do
apocalipse |
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A natureza das pregações do apocalipse é potencialmente explosiva. Implica uma divisão clara entre o Bem e o Mal, e um confronto iminente. Durante a Reforma Protestante o pregador Thomas Muentzer chefiou uma revolta de 8 mil camponeses que, esperando participar do Armagedon, a batalha final entre as forças do céu e do inferno, marcharam com foices e enxadas para enfrentar seus senhores, no leste da Alemanha. Foram massacrados, da mesma maneira como aconteceria quatro séculos depois com os revoltosos de Canudos, no Nordeste brasileiro. A onda milenarista atual tem um tom de cultura pop, e mesmo nas igrejas muita gente discute as histórias de livros como Deixados para trás como quem fala sobre vida em outros planetas – com uma espécie de credulidade recheada de ironia. 'Sinto que muitos consomem apenas como literatura', diz o editor de livros evangélicos Carlo Carrenho. Não é assim para todos. Nos Estados Unidos, essas teses têm importância política decisiva. São sustentadas pela direita cristã, que apóia as políticas mais agressivas de Israel. Defende, entre outras coisas, o bombardeio da mesquita de Al-Aqsa para a construção do Novo Templo – o que levaria a um confronto inimaginável com o mundo islâmico. Esse apoio chega a detalhes exóticos. Segundo os rabinos ortodoxos, para reerguer o templo é necessário sacrificar e queimar um bezerro totalmente vermelho – como anuncia o livro de Números – o qual, até hoje, nunca foi encontrado. Pois criadores de gado americanos, evangélicos, montaram um fundo para patrocinar pesquisa genética que produza o bezerro. Há ainda outro tipo de conseqüência dessa visão de mundo, exemplificada pelo pentecostalista James Watt, secretário do Interior do governo Reagan. Ele ouviu certa vez, numa reunião sobre meio ambiente, que era preciso cuidar do planeta para as gerações futuras. Respondeu: 'Não sei quantas gerações existirão até que o Senhor retorne'.
Curiosamente, a maioria das discussões sobre o fim do mundo simplesmente ignora o significado original dos livros bíblicos. No tempo de Jesus, os apocalipses eram um gênero literário muito difundido. Neles, determinado profeta contava suas visões sobre o fim dos tempos e o destino reservado aos justos e aos ímpios. Os estudiosos registram mais de 40 livros do tipo entre o período judaico e o início do cristianismo. Todos foram considerados sagrados, em igrejas cristãs de diferentes regiões, mas os concílios decidiram manter apenas dois na Bíblia – o livro de Daniel e o Apocalipse de João. Arqueólogo e professor de Origens da Cristandade na Universidade do Texas, L. Michael White explica que o livro de João tinha em seu tempo um sentido diferente do que lhe é atribuído hoje. Aquelas entidades agora mitológicas eram autoridades políticas, com nome e endereço. A besta que vem do céu representa o imperador de Roma, Domiciano, que reinou de 81 a 96 d.C. e foi um dos piores perseguidores dos cristãos. A besta do mar era o governador de Éfeso, nomeado em 89 d.C., que promovia o culto ao imperador como se fosse um deus. A marca da besta era a autorização imperial, necessária para fazer qualquer tipo de comércio, concedida apenas a quem seguisse a religião romana. E o número 666 era uma forma de se referir ao falecido imperador Nero, outro perseguidor dos cristãos, usando a numerologia. A crença popular de então era de que ele teria ressuscitado, sob a forma de Domiciano (nas profecias, o anticristo também 'retornaria', imitando o Messias).
Embora seja hoje um dos livros mais lidos da Bíblia, o Apocalipse quase foi eliminado das escrituras. Quando o imperador romano Constantino se converteu e declarou o cristianismo religião oficial do império, em 313 d.C., vários bispos propuseram excluir o livro do cânone, por seu teor anti-romano. Quem evitou isso foi Santo Agostinho, que alegou que os escritos eram puramente simbólicos e não se referiam a nenhum reino terrestre. |
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