
Einstein no Brasil
Einstein esteve no
Brasil em maio de 1925, mas esta visita é apenas ligeiramente
mencionada nas mais conhecidas biografias. Philipp Frank refere-se a
esta viagem numa única frase: "Em 1925 ele fez uma viagem à América
do Sul (...)" (Frank, p.204). No primeiro livro de Abraham Pais,
publicado pela Oxford University Press em 1982, esta viagem é
mencionada, no apêndice "Uma cronologia de Einstein", numa única
linha correspondendo ao ano de 1925: "Maio-junho. Viagem à América
do Sul. Visita Buenos Aires, Rio de Janeiro e Montevidéu." (Pais,
1995, p. 624). No livro seguinte Pais dedica dois pequenos
parágrafos (Pais, 1994, p.164). Fica-se sabendo que Einstein chegou
a Buenos Aires no dia 24 de março, onde ele deveria apresentar duas
conferências na Universidade. Dali ele seguiu para Montevidéu,
permanecendo uma semana e ministrando três conferências em francês.
Do Uruguai ele partiu para o Brasil, para uma semana de permanência
no Rio de Janeiro, onde também apresentou conferências. Denis Brian
também dedica apenas um parágrafo a esta viagem. Informa que
Einstein foi efusivamente recebido pelo embaixador alemão na
Argentina e que teve uma crise nervosa durante a viagem, adiando a
visita que faria à Califórnia.
Das biografias
internacionalmente conhecidas, a de Albrecht Fölsing (p. 548-550)
talvez seja a que mais destaca esta viagem. Sobre os contatos
científicos na Argentina, Einstein teria escrito no seu diário: "As
questões científicas eram tão estúpidas que era difícil permanecer
sério." Fölsing é o único que informa o tempo de permanência de
Einstein na Argentina: três semanas. Einstein adorou o Uruguai.
Disse que ali encontrou "genuína cordialidade como raramente na sua
vida". Achou Montevidéu muito mais humana do que Buenos Aires. Sobre
a visita ao Brasil, o relato de Fölsing é brevíssimo: "Em conclusão,
havia mais um 'grande estado', Brasil. Rio de Janeiro ofereceu as
costumeiras festividades, não apenas no âmbito da comunidade judia,
como também no clube Germânia." Ronald Clark também dá razoável
destaque à viagem, embora parcial: "(...) ele havia previsto uma
visita à América do Sul em parte para ministrar conferências na
Universidade Estadual Argentina, em parte com a esperança de obter
recursos junto aos judeus ricos, para a causa sionista" ( Clark, p
355). Clark não menciona nem o Uruguai, nem o Brasil. Um comentário
significativo, embora breve, é apresentado pelo próprio Einstein, em
carta a Michele Besso, datada de 5 de junho de 1925: "Em 1 de junho
voltei da América do Sul. Foi uma grande agitação sem interesse
verdadeiro, mas também algumas semanas de repouso durante a
travessia. (...) Para achar a Europa alegre é preciso visitar a
América. Na realidade, as pessoas de lá são desprovidas de
preconceitos, mas elas são, na sua grande maioria, vazias e pouco
interessantes, mais do que as daqui." (Speziali, p.121).
Recentemente a
editora da UFRJ publicou um livro com artigos relatando
detalhadamente a visita de Einstein ao Brasil (Moreira e Videira,
1995). O livro apresenta o texto da conferência ministrada por
Einstein na Academia Brasileira de Ciências ("Observações sobre a
situação atual da teoria da luz"), um artigo de Einstein publicado
no jornal argentino La Prensa ("Pan-Europa") e o único artigo
científico preparado por Einstein durante a viagem, publicado em
espanhol na Revista Matemática Hispano-Americana v.1, p.72-76
(1926), intitulado "A geometria não euclidiana e a física". É
interessante notar que nem as conferências apresentadas na América
do Sul, nem o artigo publicado na Revista Matemática
Hispano-Americana fazem parte da extensa bibliografia de Einstein
publicada no livro comemorativo dos seus setenta anos (Schilpp,
1949). O artigo sobre a geometria não euclidiana é mencionado por
Abraham Pais no seu segundo livro sobre Einstein (Pais, 1994,
p.165). Além da recuperação de material jornalístico da época, o
livro também apresenta textos de cientistas contemporâneos
importantes, entre os quais destaco (segundo a ordem do sumário do
livro) Guido Beck, José Leite Lopes e Herch Moysés Nussenzveig.
Há um artigo muito
interessante de Jean Einsenstaedt e Antonio Augusto Passos Videira,
intitulado "A relatividade geral verificada: o eclipse de Sobral de
29/05/1919" (Moreira e Videira, p. 77-99). Neste artigo os autores
discutem, numa linguagem compreensível pelo grande público, a
trajetória de Einstein na formulação da teoria da gravitação, ou
teoria da relatividade geral. Conforme já mencionado na seção 5,
tudo começa em 1907, quando ao escrever um artigo de revisão sobre a
teoria da relatividade restrita, Einstein introduz as primeiras
idéias em torno do efeito do campo gravitacional sobre a trajetória
da luz. Einsenstaedt e Videira mostram que esta é uma velha questão,
já levantada por volta de 1801, quando o astrônomo alemão Johann
Georg von Soldner calculou o desvio sofrido por um raio de luz que
passa próximo a um corpo celeste. Contudo, mais interessante do que
a discussão em torno dos trabalhos de Einstein, são os relatos sobre
os preparativos das expedições programadas para observação dos
eclipses solares (1912, 1914 e 1919).
Há outros dois
artigos igualmente interessantes: um é assinado pelo professor
Roberto Vergara Cafarelli, da Universidade de Pisa, intitulado
"Einstein no Brasil"; o outro é assinado pelo pesquisador do Museu
de Astronomia e Ciências Afins (MAST/CNPq), Alfredo Tolmasquim,
intitulado "Einstein no Rio de Janeiro: impressões de viagem".
Conforme o próprio autor, este último artigo "consiste numa forma de
narrativa livre e romanceada da viagem de Einstein, a partir de
fontes documentais, tais como correspondências, seu diário de viagem
e jornais de época, e em depoimentos de pessoas, tanto através de
biografias como oralmente" (In: Moreria e Videira, p.156). As
informações apresentadas a seguir constituem uma síntese desses dois
artigos.
Aparentemente, o
primeiro convite para Einstein visitar a América do Sul foi feito,
em 1923, pelo jornalista e escritor argentino Leopoldo Lugones.
Naquele ano Einstein estava sendo vítima de perseguição por causa da
sua atitude pacifista durante a primeira guerra mundial, e também
por causa da sua origem judaica. Lugones lançou a idéia de
oferecer-lhe uma cátedra na Universidade de Buenos Aires, ou o
título de doutor honoris causa. Einstein gentilmente agradeceu,
alegando que suas ocupações não lhe permitiam viajar. Os argentinos
não desistiram e em janeiro de 1924 Einstein recebeu uma carta do
Reitor da Universidade de Buenos Aires, José Arce, convidando-o para
um ciclo de conferências naquela instituição. Em julho de 1924
Einstein aceita o convite e inicia os preparativos para a viagem:
marcação das melhores datas, reservar passagens e organizar sua vida
para um período de ausência de aproximadamente três meses. A
Asociación Hebraica agenciou convites de outras instituições
acadêmicas no Uruguai e no Brasil. Assim, Einstein recebeu convites
das Universidades de Córdoba, La Plata e Tucumán, na Argentina, da
Universidade de Montevidéu, no Uruguai, e da Faculdade de Medicina e
Escola Politécnica do Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro, o rabino
Isaiah Raffalovich entrou em contato com o diretor em exercício da
Escola Politécnica, Getúlio das Neves, mas o convite que Einstein
recebeu era assinado pelo rabino, em nome de Paulo de Frontin,
diretor da Escola Politécnica, e Aloysio de Castro, diretor da
Faculdade de Medicina. Einstein deixou a programação de conferências
em aberto, para ser definida de acordo com a disponibilidade de
tempo em cada local. No Rio de Janeiro, ele acertou a programação no
dia da sua chegada, 4 de maio. Além dos compromissos sociais,
incluindo uma visita ao presidente da República, Arthur Bernardes,
Einstein faria duas conferências sobre a teoria da relatividade no
Clube de Engenharia e na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e
faria uma comunicação na Academia Brasileira de Ciências. No Clube
de Engenharia encontrou o salão superlotado por embaixadores,
generais do exército, representantes dos ministros e engenheiros,
muitos deles acompanhados de suas esposas e filhos. Era
evidentemente uma platéia apropriada para um espetáculo qualquer,
menos para uma conferência científica.
Mesmo na Escola
Politécnica e na Academia Brasileira de Ciências, a capacidade da
platéia para entender a conferência de Einstein era muito limitada.
Eram poucos os que aqui tinham algum conhecimento sobre a mecânica
quântica e a teoria da relatividade. Na verdade, não se sabe quem
foi o primeiro no Brasil a ter conhecimento das teorias de Einstein.
Cafarelli diz que encontrou o nome de Einstein (escrito errado) pela
primeira vez em jornais brasileiros em abril de 1919, num pequeno
artigo do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, a propósito da
expedição de brasileiros e britânicos em Sobral (Ce) para observar o
eclipse solar e testar a hipótese da curvatura da luz feita por
Einstein. Provavelmente o artigo foi inspirado pelo professor
Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional. O pioneiro na
divulgação das idéias relativísticas no Brasil foi o
físico-matemático Amoroso Costa. Logo depois que os ingleses
noticiaram o resultado positivo da observação do eclipse, Amoroso
Costa escreveu um artigo no O Jornal, demonstrando conhecimento da
teoria da relatividade. Em 1922 ele escreveu um pequeno livro
intitulado Introdução à teoria da relatividade. Todavia, o primeiro
a fornecer informações mais detalhadas sobre essa área do
conhecimento, foi Roberto Marinho, que era professor da Escola
Politécnica. Em 1919, antes mesmo de ter conhecimento dos resultados
do eclipse, ele escreveu dois artigos sobre a relatividade geral,
publicados em 1920 na Revista de Ciências. O primeiro trabalho
original sobre relatividade feito no Brasil deve-se a Teodoro Ramos,
da Universidade de São Paulo. Trata-se do artigo A Teoria da
Relatividade e as Raias Espectrais do Hidrogênio, publicado em 1923
na Revista Politécnica, de São Paulo.
A nota dissonante na
recepção a Einstein e sua teoria da relatividade foi dada logo
depois da sua partida, em polêmico artigo publicado no O Jornal de
16 de maio, de autoria de Licínio Cardoso, professor de mecânica
racional na Escola Politécnica. Intitulado Relatividade Imaginária,
o artigo traz o seguinte comentário sobre o livro de Einstein La
théorie de la relativité restreinte et genéralisée: "A cada página,
pode-se dizer, da obra eu encontrava proposições análogas: umas
confundindo o objetivo com o subjetivo, outras afirmando coisas de
impossível realização, outras estabelecendo conceitos
elementaríssimos e velhos como se fossem novos, tudo, está claro, no
meu fraco entender; outras produzindo afirmações incompreensíveis
como esta ‘Nous verrons plus tard que ce raisonnement qui s’appelle
dans la Mécanique Classique le theorème de la composition des
vitesses n’est pas rigoureux et, par conséquent, que ce theorème
n’est pas vérifié en réalité’. O que tem a lei abstrata da
composição das velocidades com a velocidade particular de cada
corpo? Sempre a confusão entre o abstrato e o concreto (...)
Demonstrei que o professor Einstein, confundindo os pontos de vista
abstrato e concreto, toma por objetivo o que é subjetivo e
vice-versa e não distingue entre ciência abstrata e relações
particulares das existências concretas." (In: Moreira e Videira,
p.131).
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