Fagundes Varela
Olha, ó poeta! pelo ocidente
Que oceano luminoso!...
Que painel sedutor o sol poente
Esboça pelo espaço vaporoso!...
E o sol é já sumido além dos montes
Buscando outro hemisfério,
E ainda nos dourados horizontes
De seus fulgores alardeia o império.
Em suntuosa campa ei-lo deitado
Sobre imenso coxim!...
Vasto sudário o cobre recamado
De ouro e de carmim;
E um anjo do Senhor com mão oculta
Entre luzes e flores o sepulta.
A selva, o rio, a viração sonora
Lhe manda um triste adeus;
O passarinho, que o saudou na aurora,
Sagra-lhe agora os ternos cantos seus,
E toda a terra, cheia de saudade,
Lhe entoa o hino da imortalidade.
***
- Mas no zenith que nuvem tormentosa
Seu brilho escureceu...
E o despenhou por senda tenebrosa
Na campa, que o escondeu!?...
Quanto bulcão sinistro e temeroso
O precedeu no ocaso glorioso!?...
- De vil poeira e sórdidos vapores
Espessos turbilhões ao céu remontam;
E querendo apagar-lhe os esplendores
Ao astro, que descamba, a face afrontam;
Mas não consegue tétrico negrume
Extinguir o farol de eterno lume.
Ei-lo se esconde belo e grandioso,
Qual foi em sua aurora;
Com hino alegre, ou canto suspiroso
A natureza o rei da luz adora.
***
Tal foi, tal é, poeta, o teu destino.
Sorriu-te o céu pela manhã da vida,
E gorjeando o arpejo matutino
Na selva florescida
Cantaste o amor, a glória, e a flor tão bela,
Que os sagrados mistérios nos revela.
- Depois, mais alto erguendo o pensamento,
Buscaste a solidão,
Para escutar os místicos acentos
Das harpas de Sião,
E na forma de um hino encantador
Nos ensinaste o Verbo do Senhor.
- Pairou-te então por certo sobre a fronte
A chama do Sinai,
E te mostrando a sacrossanta fonte
Dos hinos de Adona
Na mente te acendeu santo delírio,
Para cantar do Gólgota o martírio.
- Foi assim, que na verde Galiléia,
Pela voz de Jesus
Se propagou a generosa idéia,
Que ele selou com sangue em uma cruz;
E a voz, que ouviram nazarenas relvas,
Ecoa agora nas brasílias selvas.
Foi a tua manhã serena e pura,
Foi teu zenith brilhante;
Porém ao declinar, tormenta escura
Pairou-te sobre a mente, como ao Dante,
E te inspirou, sublime anacoreta,
Esse imortal poema, - o Anchieta
***
- Mas já da noite o véu silencioso
Se estende sobre o mundo,
E mil estrelas tremulas fulguram
Do céu no azul profundo.
Volve ainda, ó poeta, os olhos teus
Ao pálido ocidente;
Por onde o sol se foi, não vês surgindo
Estrela refulgente?...
Que suave clarão fagueira entorna
Por montes e por vales!...
Gota a diríeis de celeste orvalho
De flor azul a cintilar no cálix.
E Vésper, que lá mostra a meiga face
Qual cândida açucena,
Por céus e terra a frouxo derramando
Luz plácida e serena.
O sol sumiu-se, ardente e luminoso
Entre canções, envolto em resplendores;
E ela sozinha vem velar-lhe a campa
Com seus meigos fulgores.
É assim a glória, traz sempre na vida
Um travo de amargura;
E só sobre o silêncio dos jazigos
Resplende calma e pura.
***
- Varela, como o sol tu te sumiste,
Envolto em luzes no horizonte extremo:
Em um hino imortal, formoso, imenso
Deste o clarão supremo.
Hoje da glória a lâmpada perene
Resplende sobre tua humilde lousa,
Aos séculos dizendo:
- O cantor de Anchieta aqui repousa. -
Ouro Preto, maio de 1878
Bernardo Guimarães escreveu esse
poema três anos após a morte de Fagundes Varela, amigo e colega de romantismo.
Varela nasceu em 1841.
Fagundes
Varela
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