
ONDAS OU PARTÍCULAS?
A
peculiaridade do "quantum" se constata facilmente pelo modo em que
um objeto, como um fóton, pode manifestar propriedades ondulatórias
e corpusculares. Pode-se fazer com que os fótons produzam figuras de
interferência e difração, o que verifica sua natureza ondulatória.
Por outro lado, no efeito fotoelétrico os fótons extraem elétrons de
um metal colidindo com eles. Neste caso, o modelo corpuscular da luz
parece mais apropriado.
A
coexistência das propriedades ondulatórias e corpusculares leva
rapidamente a algumas conclusões surpreendentes sobre a natureza.
Consideremos um exemplo familiar. Suponha que um feixe de luz
polarizada incide sobre uma peça de material polarizante (veja a
Fig. 2). A teoria eletromagnética ordinária prediz que se o plano de
polarização da luz é paralelo ao do material, transmite-se toda a
luz. Pelo contrário, se são perpendiculares, não se transmite luz
alguma. Para ângulos intermediários se transmite alguma quantidade
de luz; por exemplo, a 45º a luz transmitida tem exatamente a metade
da intensidade do feixe original. Isto tem sido confirmado
experimentalmente.
Pois
bem, se a intensidade da luz incidente se reduz de modo que somente
um fóton passa de cada vez através do polarizador,
encontrar-nos-emos em uma situação paradoxal. Posto que um fóton não
pode dividir-se em partes, qualquer um deles deve ou passar ou bem
ser bloqueado. Num ângulo de 45º, aproximadamente a metade dos
fótons devem ser transmitidos, embora a outra metade seja bloqueada.
Mas quais deles passam e quais não passam? Como se supõe que todos
os fótons da mesma energia são idênticos e, portanto,
indistinguíveis, somos obrigados a concluir que a transmissão de
fótons é um processo puramente aleatório. Ainda que qualquer fóton
tenha uma probabilidade de 50 % (1/2) de passar, é impossível
predizer quais deles em particular o farão. Somente podem-se dar as
probabilidades. Ao variar o ângulo, a probabilidade pode mudar de 0
a 1. A conclusão é intrigante e inclusive desconcertante. Antes do
descobrimento da física quântica supunha-se que o mundo era
completamente previsível, ao menos em princípio. Em particular, se
se realizavam experimentos idênticos, esperavam-se resultados
idênticos. Mas, no caso dos fótons e o polarizador, podia muito bem
ocorrer que dois experimentos idênticos produzissem resultados
diferentes, de modo que um fóton passe através do polarizador
enquanto que o outro fica bloqueado. Evidentemente, o mundo não é,
depois de tudo isso, completamente previsível. Geralmente, até que
não se termina uma observação não se pode saber qual será o destino
de um fóton dado.
Estas
idéias implicam na existência de um elemento de incerteza no
micromundo dos fótons, elétrons, átomos e outras partículas. Em
1927, Heisenberg quantificou esta incerteza em seu famoso princípio
de indeterminação (ou incerteza). Uma forma de expressar o princípio
se refere às tentativas de medir a posição e o momento de um objeto
quântico simultaneamente. Especificamente, se, por exemplo, tratamos
de localizar muito precisamente um elétron, somos forçados a
renunciar a informação sobre seu momento. Reciprocamente, podemos
medir o momento do elétron com muita precisão, mas então sua posição
fica indeterminada. O simples ato de tentar fixar um elétron
específico introduz uma perturbação incontrolável e indeterminada em
seu momento e vice-versa. Mais ainda, esta ineludível restrição
sobre nosso conhecimento da posição e o momento de um elétron não é
meramente conseqüência de uma falta de destreza experimental; é
inerente à natureza. Fica claro que o elétron simplesmente não
possui posição e momento simultaneamente.
Segue-se então que há no micromundo uma confusão intrínseca que se
manifesta sempre que tentamos medir duas quantidades observáveis
incompatíveis, tais como a posição e o momento. Entre outras coisas,
esta confusão derruba a idéia intuitiva de um elétron (ou fóton, ou
qualquer outra partícula) movendo-se segundo uma trajetória espacial
bem diferenciada. Para que uma partícula siga uma trajetória bem
definida deve possuir em todo instante uma localização (ponto sobre
a trajetória) e um momento (vetor tangente à trajetória). Mas uma
partícula quântica não pode ter ambas as coisas ao mesmo tempo.
Ordinariamente, supomos que umas leis estritas de causa e efeito
dirigem o projétil até seu alvo ou o planeta em sua órbita segundo
uma trajetória geométrica exatamente definida no espaço. Não
duvidaríamos que, quando o projétil encontra o alvo, seu ponto de
colisão representa o ponto final de uma curva contínua que começou
no cano da escopeta. Isto não é assim para os elétrons. Podemos
diferenciar um ponto de partida e um ponto de chegada, mas nem
sempre podemos inferir que havia uma rota definida conectando-os.
Talvez
onde esta confusão se mostra mais claramente é no famoso experimento
da dupla fenda de Thomas Young (ver Fig.3)
No
dito experimento um feixe de fótons (elétrons) provenientes de uma
pequena fonte, viaja até uma placa perfurada com duas estreitas
aberturas. O feixe cria uma imagem dos buracos sobre uma segunda
placa.
A
imagem consiste em uma clara mostra de "franjas de interferência"
brilhantes e escuras, produzidas ao encontrarem-se as ondas que
passam por um buraco com as que passam pelo outro. Nos lugares em
que as ondas chegam em fase produz-se um reforço, enquanto onde
chegam defasadas produz-se um cancelamento. Assim, pois, a natureza
ondulatória dos fótons fica claramente demonstrada.
Mas
pode se considerar que o feixe é formado de partículas. Suponha-se
que a intensidade do feixe se reduz tanto que somente um fóton ou
elétron atravessa cada vez o aparelho. Naturalmente, cada um deles
chega a um ponto definido sobre a imagem do anteparo, que pode ser
registrada como uma pequena marca. Outras partículas chegam a outros
lugares, deixando suas próprias marcas. O efeito parece a princípio
aleatório. Mas começa a surgir uma figura do tipo marcado. Cada
partícula se dirige a uma lugar particular sobre a imagem no
anteparo, não por algum imperativo, mas pela "lei das médias".
Quando um grande número de partículas atravessou o sistema, cria-se
uma figura organizada. Esta é a figura de interferência. Assim,
pois, um dado fóton ou um dado elétron não produz uma figura;
somente dá lugar a uma simples marca. Entretanto, cada fóton ou
elétron, ainda que em princípio possa ir livremente a qualquer
lugar, coopera de modo que a figura de interferência se construa de
maneira probabilística. Pois bem, se uma das duas aberturas
permanece fechada, o comportamento em média dos elétrons ou fótons
muda dramaticamente; de fato, a figura de interferência desaparece.
Não pode ser tampouco reconstruída mediante a superposição das duas
figuras obtidas registrando as imagens provenientes de cada uma das
duas fendas sozinhas. A interferência se manifesta somente quando as
duas fendas estão abertas simultaneamente. Portanto, cada fóton ou
elétron deve de algum modo dar-se conta individualmente de se ambas
fendas, ou só uma delas, estão abertas. Mas como podem fazer se são
partículas indivisíveis? Parece evidente que cada partícula possa
passar somente através de uma fenda. E, entretanto, a partícula
"conhece" de alguma maneira o estado da outra fenda. Como?
Um
modo de responder a esta pergunta é recordando que as partículas
quânticas não tem trajetórias espaciais bem definidas. As vezes é
conveniente imaginar que cada partícula possui de certa maneira uma
infinidade de trajetórias diferentes, cada uma das quais contribui
ao seu comportamento. Estas trajetórias ou caminhos passam através
de ambas fendas e levam informação sobre cada uma delas. Assim é
como a partícula se mantém informada do que se sucede em uma região
extensa do espaço. A confusão em sua atividade a capacita a
"perceber" muitos caminhos diferentes.
Suponha-se que um físico incrédulo colocara detectores diante das
duas fendas para saber antecipadamente para qual delas se dirigirá
um elétron em particular. Não poderia o físico então fechar num
golpe a outra fenda sem que o elétron se "inteire", deixando assim
inalterado seu movimento? Se analisarmos a situação, levando em
conta o princípio da incerteza de Heisenberg, podemos ver que a
natureza acaba vencendo o astuto físico. Se a posição do elétron se
mede com a precisão suficiente para poder distinguir de qual fenda
se aproxima, perturba-se tanto seu movimento que a figura de
interferência aparentemente desaparece! O simples ato de investigar
aonde vai o elétron assegura o fracasso da cooperação entre as duas
fendas. Somente se decidirmos não marcar o caminho do elétron é
quando ela mostrará seu "conhecimento" dos dois caminhos.
John
Wheeler assinalou uma intrigante conseqüência da dicotomia que
acabou de se mencionar. A decisão de realizar o experimento para
determinar a trajetória do elétron ou renunciar a esta informação e,
em lugar dela, experimentar com figuras de interferência pode
demorar até depois de que qualquer elétron dado tenha atravessado o
aparelho! Neste, assim chamado, experimento de "escolha retardada"
("delayed-choce") parece como se o que o experimentador decide agora
pudesse influir em algum sentido sobre como as partículas quânticas
haviam se comportado no passado, ainda deve-se assinalar que a
imprevisibilidade inerente a todos os processos quânticos proíbe que
este dispositivo seja usado para enviar sinais para trás no tempo ou
para "alterar" de alguma maneira o passado.
Um
dispositivo idealizado projetado para realizar um experimento do
tipo de escolha-retardada (com fótons, não com elétrons) aparece na
Figura 4 e forma a base de um experimento real feito recentemente
por Carrol Alley e seus colegas na Universidade de Maryland. Um raio
laser incidente sobre um espelho semi-prateado A divide-se em dois
feixes análogos aos dois caminhos através das fendas no experimento
de Young. Reflexões ulteriores nos espelhos M redirigem os feixes de
modo que se cruzam e entram nos detectores 1 e 2, respectivamente.
Neste dispositivo uma detecção de um fóton dado, seja por 1 ou por
2, basta para determinar qual dos caminhos alternativos terá o fóton
tomado.
Se
agora se introduz um segundo espelho semi-prateado no ponto de
cruzamento (ver Fig. 4), os dois raios se recombinam, parte em
direção a 1 e parte em direção a 2. Isto causará interferências, e
as intensidades dos raios que vão a 1 e 2 dependerão das fases
relativas dos dois raios no ponto de recombinação. Estas fases podem
alternar-se ajustando o comprimento dos caminhos, alterando assim
essencialmente o padrão de interferência. Em particular é possível
dispor as fases de modo que mediante interferência destrutiva não
chegue intensidade a 1, indo toda ela a 2. Deste modo o sistema é
análogo ao original experimento de Young, no qual não é possível
especificar qual dos dois caminhos o fóton tomou. (Em linguagem
coloquial, diríamos que o fóton segue ambos os caminhos)
Agora
o ponto crucial é que a decisão de atravessar ou não o segundo
espelho B pode demorar-se até que um dado fóton quase tenha chegado
ao ponto de cruzamento. Em outras palavras, se o fóton atravessou o
sistema por um caminho ou por "ambos" vem determinado somente depois
da travessia ter tomado lugar.
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