Modernismo
 

- Manuel Bandeira -

"Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional."
("Auto-retrato", de Manuel Bandeira).

  Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife, a 19 de abril de 1886. Mudou-se, ainda jovem, para o Rio de Janeiro, onde fez os estudos secundários. Em 1903 transfere--se para São Paulo onde matricula-se na Escola Politécnica; acometido de tuberculose, abandona os estudos e retorna ao Rio de Janeiro. Desenganado várias vezes pelos médicos, embarca para a Suíça em 1913, na busca de uma cura para a doença.
  Em apenas quatro anos (1916 - 1920), assistiu às mortes de sua mãe, sua irmã e seu pai, ao mesmo tempo que vivia cotidianamente em luta contra a própria morte. Todas essas fatalidades deixaram marcas profundas na obra do poeta. Viveu solitariamente, apesar dos amigos e das reuniões da Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em 1940. Morreu aos 82 anos, no dia 13 de outubro de 1968.
  Estréia em livro com o volume "A cinza das horas", de nítida influência parnasiana e simbolista. Participa, à distância, da Semana de Arte Moderna (apesar de um dos momentos altos da mesma ter sido a leitura de seu "Os Sapos", o poeta permaneceu no Recife, por não concordar com a intensidade dos atques feitos aos parnasianos e simbolistas).
  Com a publicação dos livros "Carnaval" (em 1919, ainda preso ao Parnasianismo e Simbolismo, cujo poema mais conhecido é "Os Sapos", onde satiriza os excessos parnasianos) e "O ritmo dissoluto" (em 1924, sendo um livro de transição entre dois momentos da poesia de Bandeira), o poeta vai engajando-se cada vez mais no ideário modernista. Mas, a ruptura definitiva de Bandeira com os modelos parnasianos, só ocorre em 1930 com a publicação do livro "Libertinagem" (neste aparece a palavra-chave de toda sua obra modernista: liberdade, seja de conteúdo, seja de forma).
  A partir de "Ritmo dissoluto", começam a ficar mais freqüentes traços que iriam caracterizar sua obra: o cotidiano, expresso numa linguagem simples, acessível; e o emprego do verso livre.
  Buscou na própria vida inspiração para seus grandes temas: de um lado a família, a morte, a infância no Recife, o rio Capiberibe; de outro, a constante observação da rua onde transitam os mendigos, as prostitutas, os pobres meninos carvoeiros, os carregadores de feira livre, todos falando o português gostoso do Brasil. E, em tudo, o humor, certo ceticismo, uma ironia por vezes amarga, a tristeza e a alegria dos homens, a idealização de um mundo melhor.

Meninos carvoeiros

"Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.
Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe,
[dobrando-se com um gemido.)
- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com esses burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
- Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
[desamparados!"

(Manuel Bandeira).